Artur Queiroz*, Luanda
Um jovem sargento das Forças Armadas Angolanas fez História no dia 22 de Fevereiro de 2002. Jonas Savimbi estava a repousar num acampamento tosco, ao lado da sua tenda azul, quando foi informado de que as forças policiais e militares que o perseguiam tinham montado um cerco ao local. Levantou-se e fugiu cambaleando. Chocou de frente com o militar angolano que disparou sem hesitar. Foi tiro e queda. Assim acabou a sua longa carreira de criminoso de guerra. Autor sanguinário de crimes contra a Humanidade.
Hoje é dia para pensar. Reflectir profundamente sobre o que aconteceu em Angola entre 22 de Fevereiro de 2002 e 2023. O que correu bem e o que correu mal ou simplesmente não correu. Tivemos um processo de Reconstrução Nacional de grande sucesso. Mas não foi acompanhado com a indispensável criação de serviços do Estado que garantissem a utilização adequada dos equipamentos construídos de raiz ou reconstruídos e a sua manutenção. Porque entre 1975 e 2002 só deu para formar quadros na área militar. Os civis qualificados mal chegavam para as encomendas. E ninguém teve o rasgo de chamar a sociedade castrense para esse esforço gigantesco na sociedade civil. Estamos a pagar muito caro por isso.
Durante os anos da guerra no Cuando Cubango os nazis de Pretória bombardeavam diariamente a pista de aviação do Cuito Cuanavale e a ponte que liga ao Triângulo do Tumpo. Os militares da Engenharia, durante a noite, reparavam a pista e a ponte estratégica. Por isso lhes chamavam os “Morcegos”. De manhã estava tudo resposto. Os racistas sul-africanos ficavam desesperados. Os seus tanques “oliphant” alemães (hoje chamam-se “leopards”) caíam em armadilhas escavadas pela Engenharia Militar das FAPLA.
As bombas dos sul-africanos não penetravam nos abrigos construídos pelos nossos engenheiros. Os carros de combate e unidades de assalto eram trucidados em minas não convencionais geradas pelo génio inventivo dos “Morcegos”. Por isso os invasores perderam a guerra. Este saber fazer, esta experiência, ficou fora do processo de Reconstrução Nacional. Os militares angolanos, reforçando unidades de polícia, derrotaram os sicários da UNITA e puseram fim ao criminoso de guerra Jonas Savimbi.
O Exército Vermelho, braço armado da União Soviética, libertou a Humanidade de Adolf Hitler ao entrar em Berlim e obrigar à rendição das forças armadas alemãs. Pelo caminho as tropas soviéticas libertaram milhares de prisioneiros nos campos de concentração. Ninguém no mundo aceitaria que o Partido Nazi (Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães) continuasse depois da libertação. Nenhum Estado do mundo comemora o dia da morte de Hitler. Seria um ultraje para milhões de seres humanos que morreram às mãos dos nazis.
O ditador Salazar morreu no dia 27 de Julho de 1970. Seria um ultraje insuportável para as vítimas do colonial-fascismo se partidos políticos portugueses ou de países que falam a Língua Portuguesa comemorassem a data. O mesmo, se falarmos do ditador Franco, de Espanha, do ditador Mussolini, de Itália, de Pinochet, do Chile, de Mobutu, da República Democrática do Congo, P W Botha, da África do Sul racista, ou de outro qualquer ditador sanguinário.
Em Angola a UNITA e o seu líder, Adalberto da Costa Júnior, estão a comemorar o 22 de Fevereiro endeusando o criminoso de guerra Jonas Savimbi, que ultrapassou largamente em crimes de guerra o seu mentor PW Botha, os seus criadores da PIDE-DGS e das tropas portuguesas de ocupação. Se tivermos em conta a população atingida, Savimbi ultrapassou largamente o próprio Hitler no extermínio de civis inocentes. As execuções de mulheres e crianças nas fogueiras da Jamba são um pequeno exemplo dos inúmeros crimes que o chefe do Galo Negro cometeu contra o Povo Angolano.
Adalberto da Costa Júnior disse que Jonas Savimbi é um herói e como político foi gigantesco. Fez esta provocação pura e dura: "Todos os angolanos já entenderam que a falta de água e de luz, o desemprego, a exclusão, a pobreza, o subdesenvolvimento, não têm Jonas Savimbi como responsável, mas sim um Governo incompetente, corrupto e antidemocrático”. Depois faz perguntas: “Olhemos à nossa volta, que Angola temos nós? Acabou o sofrimento e a miséria? Temos energia e água? A fome acabou? Temos escolas dignas, temos saúde de qualidade?”
Os exércitos invasores destruíram Angola. As forças da África do Sul fizeram da UNITA uma unidade especial nas suas operações contra o nosso país. Mataram e destruíram tudo o que lhes apareceu à entre 1974 e 2002. O esforço financeiro e humano na guerra pela soberania nacional e a integridade territorial deixou Angola exaurida. Já passaram 21 anos desde o fim de Savimbi. Mas os efeitos dos seus crimes continuam nas próximas décadas. Tudo o que temos, tudo o que sofremos hoje tem a ver com a guerra de Pretória e da UNITA contra Angola.
O Presidente João Lourenço, logo no início do primeiro mandato, honrou o Hitler Angolano. Agora os seus seguidores dizem que é líder de “um Governo incompetente, corrupto e antidemocrático”. Feliz 22 de Fevereiro, camarada presidente. Que lhe faça bom proveito.
A campanha contra o Poder Judicial ameaça não deixar pedra sobre pedra. Se alguém tinha dúvidas quanto à origem da operação, hoje o Jornal de Angola esclarece tudo. O editor de opinião e empregado da embaixada dos EUA em Luanda, Faustino Henrique, assina um texto onde afirma que independentemente da presunção de inocência, os factos revelados nos pasquins e redes sociais “são perturbadores demais para o exercício do silêncio”.
Vai mais longe escrevendo que o material foi acompanhado de “algumas evidências factuais. Já não faz sentido actuarmos todos como se nada estivesse a acontecer, numa altura em que se por um lado não deve existir um julgamento e condenação públicos, relativamente ao que se publica, bem ou mal, sobre as individualidades que dirigem as duas instituições (Tribunal Supremo e Tribunal de Contas), por outro, precisamos de abordar de frente estas situações”.
Mas há muito pior. Leiam: “Embora seja uma espécie de anátema ter os jornais privados, os portais noticiosos, as redes sociais como fontes credíveis de informação, na verdade, alguns, mesmo com os excessos ligados à inobservância da verdade factual, do rigor, da objectividade, contraditório, entre outros elementos cruciais do Jornalismo, se têm revelado como verdadeiros pontos de partida”. O Jornal de Angola chancela a mentira, a manipulação, os julgamentos na praça pública. Porque as vítimas não desmentem. Não reagem. Logo, são culpadas. Esquecendo que se a presunção de inocência é uma regra básica do Estado de Direito, a inversão do ónus da prova é absolutamente proibida. Agora todos sabemos quem quer demolir o Poder Judicial. Tem chancela oficial e dos EUA!
* Jornalista
Imagem: Jonas Savimbi morto na Jamba
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