Artur Queiroz*, Luanda
O meu mano começou a ficar careca quando tinha 17 anos. Barba rija, bigodaça farta mas o cabelo só crescia para dentro e ganhou o título honorífico de Mona Liza. Mais tarde foi estudar para Portugal e apanhou tanto frio que recusava tomar banho. Aí ficou o Bafo D’Onça até morrer, mesmo quando já tomava banho regularmente e se perfumava.
O cabelo caía-lhe às madeixas e
ele entrou
Menino! Tui só tens queda de cabelo porque queres. Vais ao velho Salamanqueiro e ele preparara-te um milongo que pões todos os dias na cabeça durante uma semana e ficas com um cabelo mais duro do que osso de roer.
O meu irmão ouviu esta sentença sábia e ficou logo sem a íngua. Fomos em passo de corrida para a Marginal onde trabalhava o velho Salamanqueiro, ao balcão da empresa Paiva Marcelo. Entrámos na loja (aquilo era mais uma grande superfície!), aproximámo-nos do balcão e dissemos ao balconista que queríamos falar com o senhor Salamanqueiro. Só um momento.
Enquanto esperávamos pelo kimbanda afamado eu disse ao meu mano:
- A melhor parte disto é aparecer-nos à frente um careca!
Estávamos a gozar sobre essa possibilidade quando se aproximou de nós, um velho magrinho, baixinho, careca da cabeça aos pés. Eu fingi uma emergência e fui rir-me para a rua. Quando acamei, regressei para assistir à consulta.
O velho Salamanqueiro disse que tinha de preparar o milongo e só ficava pronto daí a oito dias. Aaquilo era uma espécie de infusão de óleo de fígado de jacaré. Mas tínhamos de pagar adiantado. O seu efeito era tiro e queda. Ao fim de três semanas a esfregar a cabeça com o preparado milagroso, o cabelo do meu mano até fazia barulho a crescer.
Dinheiro? Nada. E o milagre capilar ia custar a módica quantia de 50 escudos! Uma fortuna. Entrámos em negociações com o kimbanda e assumimos o compromisso de pagar no dia seguinte. Assim foi. Enquanto o meu mano não recebeu o milongo, nem dormia. Já sonhava com uma cabeleira à James Dean, cabelo penteado para trás, fixado com brilhantina. E as meninas mandando-lhe beijinhos castos e pedindo-lhe namoro.
No dia aprazado fomos levantar o milagre capilar. Eram quatro garrafas de meia cuca, cheias de um líquido escuro. Devíamos gastar uma embalagem por semana. Corremos para casa.
Eu massajei o couro cabeludo do mano careca com o produto, que tresandava a creolina. Conhecia bem aquele cheiro porque a minha mãe regava a capoeira com o líquido para afugentar o kissonde. O mano podia ficar com cabelo mas eu ia morrer com aquele cheiro!
Ao fim de um mês, o meu mano estava ainda mais careca do que antes e ele decidiu partir para a acção directa. Queria matar o velho Salamanqueiro. Negociámos à João Lourenço. Matar, não. Vamos exigir o dinheiro de volta. Confisco! E assim fizemos.
O kimbanda aceitou logo devolver a massa. Mas ainda fez uma proposta: Eu faço mais milongo e não pagas nada. Vais ficar com uma cabeleira farta. O careca aceitou logo mas eu, farto do cheiro a creolina, exigi o dinheiro na mão e já. O curandeiro tirou o dinheiro das cuecas e aí fui ousado: O senhor tem de pagar mais 20 escudos por danos morais causados ao meu mano. E ele pagou logo. A verdade é que nós tínhamos ares e esgares de delinquentes e pelo sim, pelo não, ele pagou a indemnização.
Moral da história: Os Salamanqueiros do Poder, velhos ou não, devem ter cuidado com as expectativas que criam nas pessoas. Ninguém gosta de ser esmifrado até ficar careca. Ninguém gosta de ouvir promessas que depois ninguém cumpre. Ninguém gosta de comprar milongos milagrosos que depois dão para o torto, mesmo que sejam manipulados por campeões da paz em África e aspirem a ser polícias dos gringos na África Austral
Nobre Ngola, secretário-geral da Brigada Jovem de Literatura de Angola, hoje publicou no Jornal de Angola um texto de opinião onde faz figura do meu mano careca. O escritor (ou escriturário?) acredita que JLO tem um pensamento estratégico e escreve esta fórmula infalível para produzir um milongo milagroso: “O Presidente da República de Angola, João Manuel Gonçalves Lourenço, faz parte dos políticos africanos responsáveis pela consolidação económica, paz social e estabilidade política no continente africano”. Tudo o que não temos.
Caro jovem, esta frase tresanda a creolina e vamos ver, nada. Enfim, no Mali e no Burkina Faso começa a haver paz social, estabilidade política e consolidação económica. Pelo menos os colonialistas e genocidas franceses foram corridos e as perspectivas são melhores do que antes. O “ocidente alargado” está a dar as últimas em África.
Um tal Sérgio Furtado é apresentado como jornalista da CNN Portugal e, coitadinho, só ganha 30 euros por dia para cobrir a guerra na Ucrânia. Ontem espetou mais um prego no caixão do jornalismo. Entrevistou dois prisioneiros de guerras russos. Mas não pode!
Um jornalista jamais entrevista prisioneiros que estão nas mãos dos seus captores. Ainda menos nas circunstâncias anunciadas pela própria CNN: “A entrevista foi feita num local secreto, sem mostrar a cara dos prisioneiros e na presença de agentes dos serviços secretos da Ucrânia”.
Que valor tem aquilo? Zero. Mas o rapaz somou mais uma esmola aos 30 euros que diz receber diariamente do dono. Só não disse quanto cobrou por aquele crime contra o Jornalismo e os jornalistas. Espero que Nobre Ngola, secretário-geral da Brigada Jovem de Literatura de Angola, não escreva um texto de opinião sobre o pensamento estratégico dos fantoches que tomaram de assalto os Media do “ocidente alargado”. Antes a morte que tal sorte. Antes carecas do que o cheiro à creolina dos bajuladores.
* Jornalista
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