Artur Queiroz*, Luanda
O 4 de Fevereiro foi mais do que um movimento revolucionário desencadeado pelo MPLA, o “amplo movimento” de combatentes corajosos, que de mãos nuas enfrentaram a feroz máquina de repressão colonial. Mais do que a sua paternidade, interessa saber porque surgiu e que influência teve na sociedade angolana, desde 1961 até aos dias de hoje. São muitas as lições a tirar. São extraordinários os resultados obtidos. Basta lançar um olhar sobre os acontecimentos que desde então moldaram a matriz de uma Angola independente e democrática.
Os historiadores têm dúvidas quanto à paternidade do movimento revolucionário. O cónego Manuel das Neves dizia aos revolucionários que a hora era de acção e ninguém podia deixar-se paralisar pelo medo. Há um documento que lhe é atribuído e refere os “rapazes da UPA” que estariam desejosos de desencadear a revolta, mas não tinham atingido o nível de organização que garantisse o sucesso das acções. Mas ele nunca disse nem escreveu que o 4 de Fevereiro não foi feito por patriotas angolanos.
O 4 de Fevereiro serviu para matar o medo! Mais do que alguns agentes da Polícia Móvel aquartelada na Estrada de Catete ou os militares abatidos na Casa de Reclusão, os revolucionários mataram o medo que paralisava os angolanos. Desde aquela madrugada, os nacionalistas compreenderam que bastavam paus e catanas para enfrentar os ocupantes. O amor à liberdade, a coragem e o patriotismo valiam mais que as metralhadoras e as tropas organizadas.
A 4 de Fevereiro de 1961 já existia em Angola a polícia de choque, os “caçadores especiais” e os paraquedistas, tropas de elite, armadas e municiadas pela OTAN (ou NATO). No Toto existia uma base aérea. No Negage estava concluída outra, a maior de todas. O regime colonialista preparava cuidadosamente os instrumentos do terror, para que ninguém ousasse seguir os revolucionários africanos, nomeadamente Patrice Lumumba.
Alguns anos antes tinha nascido um “amplo movimento”, o MPLA, que não dava tréguas aos ocupantes. Evidentemente que a sua doutrina política mobilizou os revoltosos. Alguns membros da direcção política do 4 de Fevereiro ainda hoje estão nas fileiras do MPLA. Esta realidade resolve a questão da paternidade.
O 4 de Fevereiro marca o início
da luta armada de libertação nacional. Há historiadores que também põem em
dúvida este facto. É verdade que após a definição definitiva das fronteiras de
Angola, pelo Tratado de Luanda assinado entre Portugal e a Bélgica, houve
várias revoltas
Essas revoltas não tiveram expressão nacional, ao contrário do 4 de Fevereiro que além de grande impacto interno, teve eco internacional, porque beneficiou da presença de muitos jornalistas estrangeiros, que esperavam a chegada do paquete português Santa Maria, tomado de assalto pelos homens do capitão Henrique Galvão, um militar português opositor ao ditador Salazar e que fez carreira em Angola, chegando a ser governador da Huíla, que na época englobava o território da província do Cunene.
O mundo ficou a saber que Angola era um país ocupado pelos colonialistas portugueses e os angolanos estavam dispostos a tudo pela Independência Nacional. Quando um punhado de mulheres e homens atacaram os aparelhos da repressão colonialista em Luanda, de mãos nuas ou armados de facas, paus e catanas, isso significou que a luta era imparável. E como ninguém consegue lutar contra milhões, foi também invencível.
Os revoltosos do 4 de Fevereiro mostraram algumas debilidades de organização. É um facto indesmentível. Mas o que lhes faltou em organização sobrou-lhes em coragem, determinação e patriotismo. Por isso, é desde então a matriz da Angola livre e democrática.
A luta armada de libertação nacional brota do exemplo heróico dos combatentes do 4 de Fevereiro. A segunda guerra de libertação nacional, entre 25 de Abril de 1974 e Março de 1976, teve como matriz o 4 de Fevereiro.
A liderança de Agostinho Neto foi largamente inspirada nos heróis do 4 de Fevereiro, que tinham no primeiro Presidente da República o seu guia ideológico. A sucessão dramática de Neto decorreu da matriz do 4 de Fevereiro. O Presidente José Eduardo dos Santos era na altura o garante da pureza dessa matriz que é marca indelével do melhor que produziu o Povo Angolano.
O 4 de Fevereiro é obra de um povo amante da liberdade e que deu tudo pela conquista da Independência Nacional. Por isso, somos todos filhos desse movimento revolucionário que foi alicerce seguro e firme da Pátria Angolana. O que implica uma grande responsabilidade. Independentemente das opções políticas e ideológicas de cada angolano, temos a obrigação de respeitar esse passado glorioso e honrar os heróis que começaram a desbravar o caminho que conduziu à Independência Nacional.
O 4 de Fevereiro uniu todos os patriotas, independentemente de pertencerem à maioria negra ou à minoria mestiça e branca. Não pensem que essa minoria ofereceu poucos revoltosos à causa. Percentualmente eram mesmo muitos!
O primeiro censo populacional realizado em Angola tem este título pitoresco: “Mapa de Toda a População da Cidade de São Paulo da Assunção e de Suas Diferentes Corporações, Empregos, Estados e Condições das Pessoas em Todo o Ano de 1832, até Janeiro de 1833 Respeito ao Estado da Mesma População, suas Diferenças para Mais ou para Menos, como Indica a Observação Abaixo Mencionada para Mais Abreviatura do Presente Mapa”.
Luanda tinha, no fim de 1832, 5.059 habitantes. Este total inclui membros das instituições religiosas, militares do “Destacamento de Portugal” e funcionários públicos em comissão de serviço, num total de 966. Portanto, residentes permanentes eram pouco mais de 4.000. E destes, 2.690 eram escravos. Negros livres, apenas 1.403. Os mestiços (ou pardos) eram, 869 e e brancos eram 311. Percentagem dos habitantes de Luanda: Negros 40,58 por cento, “pardos” (mestiços”) 37,4 e brancos 22 por cento. No Censo de 1950 Angola tinha 4.145.184 habitantes assim distribuídos: 4.036.547 negros, 78.903 brancos e 29.550 mestiços.
A População de Luanda era de
168.500 habitantes. Os revoltosos do 4 de Fevereiro que participaram
directamente na revolução eram pouco mais de 1.000 (uma minoria mesmo muito
minoritária…) incluindo mulheres, mestiços e brancos, alguns portugueses, como
Calazans Duarte, Matos Veloso, Luciano Meireles e a Dra. Julieta Gândara, única
médica obstetra
Mais os angolanos Hélder Neto, António Jacinto, Luandino Vieira e António Cardoso, todos presos. E ainda os advogados Eugénio Ferreira e Maria do Carmo Medina, angolanos desde a primeira hora e cidadãos de Angola depois da Independência Nacional. Muita gente!
Muitos mestiços e muitos brancos colorindo a matriz revolucionária que está na base da Angola de hoje. Essas minorias estiveram sempre presentes em todas as batalhas pela Independência, Soberania Nacional e a Integridade Territorial. Perguntem aos nossos generais que participaram em todas as guerras! Eles também são uma minoria muito minoritária…
Hoje quero invocar a memória do meu inesquecível amigo Manuel Pedro Pacavira. Enquanto foi vivo ninguém quis saber da sua participação no 4 de Fevereiro. Falámos mil vezes sobre o tema. Quando era embaixador de Angola na Itália convidou-me para fazer uma conferência sobre o tema. Nesse dia revelei o que me pareceu importante sobre a paternidade da revolução, na palavra do dirigente do MPLA:
“O cónego Manuel das Neves sabia que nós éramos do MPLA. Confiava em nós. Éramos os mais próximos dele. Dizia-nos sempre: A hora é de acção. A hora é de luta. E nós partimos para a acção”. Tive a honra de colaborar com Manuel Pedro Pacavira no livro “4 de Fevereiro pelos Próprios”. Não querem ler ou reler esse livro fundamental? É uma boa opção para acabar com a ignorância reinante sobre a Matriz da Angola Livre e Democrática.
O 4 de Fevereiro marcou a diferença ente a revolução e o colaboracionismo. A liberdade e a escravidão. Ninguém diria que 62 anos depois Angola está em vias de ser um protectorado dos EUA e do seu heterónimo FMI. Foi necessária coragem para rebentar as algemas. Hoje os “investidores” estrangeiros vão abrir fábricas de algemas em Angola e reparar as que foram quebradas.
No dia 4 de Fevereiro de 1961 o grito foi Vyamuha Ikumbi Vina! Acabaram as algemas! No dia 11 de Novembro de 1975 o MPLA, pela voz do seu líder Agostinho Neto confirmou: Vwayovoki ale, vumala vamale: Estais salvos, sois filhos livres.
Hoje, dia 4 de Fevereiro de 2023 os arautos do Presidente João Lourenço anunciaram quer os empresários do estado terrorista mais perigoso do mundo vão produzir em Benguela corvinas de aviário. E até ficam com um terminal próprio no aeroporto da Catumbela. Glória aos EUA!
* Jornalista
*O título deste texto vai em umbundu só para irritar os sicários do Galo Negro, que só têm traições de que se orgulharem.
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