quarta-feira, 31 de maio de 2023

Angola | TODOS TIVERAM PAI – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Todos tivemos pai ainda que muitos nunca o tenham conhecido. As mamãs angolanas sofreram tanto! Os portugueses faziam-lhes filhos e depois partiam sem deixar rasto. Os portugueses vendiam-lhes os maridos para as roças de café no Norte e muitos ficavam lá para sempre. Mortos ou moribundos. Os portugueses vendiam-lhes as filhas e os filhos para os engenhos e plantações dos brasis e américas. Elas resistindo como se resistir fosse o único sinal de humanidade que lhes restava. Ficavam com as crianças lutando heroicamente pela sobrevivência. Vendiam o corpo, vendiam a fome, vendiam a dignidade a troco da sobrevivência. 

Quando era criança percebi (demasiado tarde) que todos éramos filhos das mamãs da Kapopa, do Cangundo,  do Catumbo, do Dambi, essa regedoria longínqua onde as noites eram povoadas pelo pio da coruja. As mamãs da minha infância só tinham os seus filhos, nada mais. 

O meu pai foi apanhado com explosivos escondidos no fundo falso do seu carro. Material para derrubar à bomba o regime fascista de Salazar. Foi ele derrubado. Na tortura arrancaram-lhe os dentes da frente. No exílio forçado, na miserável condição de desterrado, exibia a sua condição de desdentado. Mas assim que vendeu a primeira partida de mabuba comprou dentes de ouro! Pedi mil vezes ao meu pai para me contar como foi a sua prisão, a tortura, as humilhações, os maus-tratos na prisão da PIDE na Rua do Heroísmo, cidade do Porto. E ele contava, sem tabus, sem medo de me traumatizar. 

Jeremias Sangumba não teve um pai que lhe contasse as suas desditas, as suas lutas, as suas derrotas e vitórias. Mesmo assim escreveu um livro onde interroga se Savimbi era um génio ou um genocida. Ele mesmo respondeu: Genocida! Deu uma entrevista à Deutshe Welle onde explicou tudo sobre o criminoso de guerra, a UNITA e seu papá, Jorge Sangumba.

No livro revelo a verdadeira cara de Jonas Savimbi. A inteligência maquiavélica daquele senhor. A forma como exterminava. Matava sem piedade os mais predilectos colaboradores. Entre eles o meu pai, Jorge Sangumba.

Jonas Savimbi infringiu barbaridades ao povo angolano que muita gente não sabe.

O meu livro não é uma vingança. É para mostrar ao mundo o que aconteceu. Narro várias barbaridades de Savimbi que vitimaram muitos angolanos.

Os meus filhos perguntam: Quem era o nosso avô? Como foi morto? Eu explico. Mas a UNITA não explica. Nunca recebemos qualquer apoio. Nunca fomos tidos nem achados. Na UNITA morrer assassinado é normal, ninguém diz nada.

A UNITA nunca disse nadíssima sobre a morte de meu pai Jorge Sangumba. Nem uma vírgula, nem um ponto. O meu pai foi assassinado entre 80 e 82. Nunca nos deram qualquer informação adicional. Nem nos revelaram as circunstâncias como Savimbi mandou matá-lo.

O meu pai era muito inteligente, poliglota. Grande diplomata. Tinha muito peso fora do país. Isso causou inveja a Savimbi. Ele pensou que Jorge Sangumba um dia seria o seu substituto. Isso para ele era intolerável.

A família Chingunji foi devorada por Savimbi na Jamba sem dó nem piedade. Jonas Savimbi não tinha dó nem piedade.

General Samuel Chiwale, pai do deputado Sapinala, e General Abílio Camalata Numa torturaram e mataram o meu, Jorge Sangumba, a mando de Jonas Savimbi. 

Meu pai foi torturado por Chiwale e Numa durante três dias. Os dois assassinos davam-lhe pauladas na cabeça. Sinto medo do mano Numa, sinto medo. Ele é um grande assassino. Ele é um grande assassino. Por isso a UNITA nunca será poder em Angola. Os seus membros estão amaldiçoados até à eternidade. Mataram o povo. Mataram crianças. Metiam pessoas nas cacimbas até morrerem. Crianças pediam socorro e eles matavam-nas. Que barbaridade é essa? Que partido é esse?

Tive acesso a um documento onde é referido que a morte de meu pai ocorreu em 1985 devido a um acidente vascular cerebral. Mentira. Ninguém tem dúvidas, a UNITA matou-o de uma forma diabólica. Chiwale e Numa bateram-lhe com paus na cabeça e ele amarrado. Mataram-no à paulada. Torturaram-no durante três dias. Savimbi torturou, queimou pessoas vivas, matou mulheres, crianças e colaboradores muito próximos. 

Se meu pai Jorge Sangumba fosse vivo teríamos um país melhor. Angola estaria noutro patamar. Nunca teria havido guerra depois das eleições. A guerra depois das eleições fez fugir muitos quadros e causou muitas mortes e destruições.

A família de Jorge Sangumba anda a mendigar. Os dirigentes da UNITA são malfeitores, bandidos, desonestos.

Deixo um aviso: Quando não precisarem dos que hoje lutam pela UNITA vão fazer-lhes o mesmo que a nós. À minha família tiraram o que tínhamos mais precioso, o nosso pai Jorge Sangumba.

A UNITA tem que reconhecer as mortes ordenadas por Jonas Malheiro Savimbi. Queremos uma explicação para as mortes. Os dirigentes da UNITA têm que ser sérios, responsáveis. Um dia a verdade vem à tona. Um dia será feita justiça. As pessoas que fizeram tanto mal ao meu pai vão pagar.

A dona Bela Malaquias sentiu no osso e na carne o que são os maus tratos, a arrogância do Savimbi, a caça às bruxas, mulheres e bebés queimados na fogueira em pleno dia. À vista de todos. 

Savimbi não era boa pessoa. Nem um bom líder. Era um ditador. Quem é inteligente não usa a força nem assassina pessoas como ele fez.

General Chiwale, o  que aconteceu à sua primeira mulher? Foi assassinada na Jamba.

Ataque ao comboio em Zenza do Itombe cheio de civis inocentes. Até hoje as vítimas sentem a dor. A UNITA matou padres e pastores. Violou madres. Eram pessoas inocentes que nada tinham a ver com a guerra. A UNITA é morte e vingança. Estamos a pagar todos os dias na pele os crimes de Jonas Savimbi e da sua direcção.

As artimanhas de Muangai continuam. O programa deles é matar. A UNITA só não pega nas armas porque sabe que vai perder. O povo não vai aceitar. No tempo da guerra a UNITA atacava as colunas militares. Hoje ataca nas redes sociais. Na UNITA mata-se de qualquer maneira. Savimbi usava várias formas de humilhar e matar. Hoje é igual.

Eles que expliquem porque mataram o meu pai. Que nos entreguem as suas ossadas. A arruaça não resolve os problemas. O meu livro visa informar as novas gerações. Para conhecerem o passado. Conhecerem a UNITA de ontem e de hoje. Quero dar a conhecer a História. De onde viemos, quem somos, quem são os culpados e quem são os inocentes.

Os nossos jovens não sabem quanto custou a paz. Quantos morreram. A UNITA degolava os mutilados de guerra para não suportar o peso deles, inutilizados.

Hoje a UNITA aposta na manipulação e radicalização da juventude. Muitos da UNITA vieram das matas nus e hoje são milionários. Aqueles que atacavam civis nas estradas de Angola hoje estão em Luanda beneficiando dos ganhos da paz. Vamos levar o livro a todas as províncias que sofreram a amargura da guerra. A paz é um bem que não deve ser negado a ninguém.

* Jornalista

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