PORTUGAL
As escolhas, recém-publicadas em Diário da República, escancaram o descompromisso público com a luta antirracista. Afinal, até agora contam-se três pessoas no Observatório, todas brancas, cuja trajectória profissional não permite compreender como aí foram parar. Não é a realidade racista que falta conhecer neste país, são as pessoas que essa realidade continua a excluir e a matar.
Paula Cardoso | Setenta e Quatro
Recentemente ouvi uns zunzuns sobre a nomeação de uma pessoa negra para o Observatório do Racismo e da Xenofobia. Entre a desconfiança, o cepticismo e um laivo resistente de esperança andei às voltas com a possibilidade, procurando saber quem será essa pessoa, e que papel vai assumir. Como ao meu redor ninguém sabe, ouviu falar, ou sequer arrisca um palpite, fui-me distraindo da resposta até que, no início da semana, choquei de frente com ela.
A “colisão” deu-se num evento promovido pela Embaixada do Canadá em Lisboa, a propósito da visita do académico e poeta George Elliott Clarke.
Sentado do meu lado, estava alguém em representação do Observatório, que, não sendo a coordenadora Teresa Pizarro Beleza, em tudo se lhe assemelha. Mulher, branca, e sem percurso que se veja na área que lhe compete liderar, Helena Pereira de Melo, reconhecida como especialista em Direito da Saúde e da Bioética, foi nomeada para integrar a equipa. E, se isso por si só não fosse suficientemente acintoso, na linha da frente do Observatório encontra-se ainda uma terceira pessoa do mesmo “clube”: o sociólogo Manuel Lisboa.
As escolhas, recém-publicadas em Diário da República, escancaram, uma vez mais, o descompromisso público com a luta anti-racista. Afinal, até agora contam-se três pessoas no Observatório, todas brancas, e cuja trajectória profissional não permite compreender como aí foram parar. Querem mais brancos costumes do que estes. Talvez seja a isto que se referem quando falam em meritocracia.
Voltemos à mulher negra. Será a pessoa que, ao contrário das outras, nominalmente consideradas, vai estar despida da sua individualidade, em representação da CICDR - Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial?
Onde estão as pessoas negras?
Não surpreende, mas ainda bem que me continua a chocar, algo que fiz questão de manifestar no tal encontro que assinalou a passagem de George Elliott Clarke por Lisboa.
No seguimento da partilha de uma prática que tem feito caminho no Canadá – a indicação de pessoas negras e de outros grupos racializados para integrar cargos públicos –, fiz notar que em Portugal a política das brancas nomeações é tão estruturalmente flagrante que nem o Observatório do Racismo e da Xenofobia faz por quebrá-la. Interessava-me, a partir dessa interpelação, perceber o pensamento de quem integra e é chamado a representar o dito Observatório.
Aliás, importa sublinhar que aquele momento foi organizado pela Embaixada do Canadá com o propósito de abordar “pontos de vista sobre os esforços de promoção das culturas, histórias, identidades e vozes afro-portuguesas”, de modo a “estimular o progresso e a colaboração nestas questões em Portugal”.
Perante a crítica ao Observatório, Helena Pereira de Melo não deixou dúvidas sobre o seu posicionamento, que resumo em dois pontos principais:
A equipa ainda vai integrar investigadores de outras universidades, e uma comissão científica, por isso nada como dar tempo ao tempo porque o processo está a começar – percebe-se pela despreparação neste tema que Helena Pereira de Melo ainda está a começar, mas o processo do Observatório já vai longo;
Como em Portugal “oficialmente não há racismo” (sic), é preciso fazer estudos para conhecer a realidade – aparentemente, Helena Pereira de Melo desconhece os documentos nacionais e internacionais que evidenciam como o país é estruturalmente racista.
Nas entrelinhas do pouco que a representante do Observatório disse e do tanto que revelou, também se extrai a ideia nada original de que não há pessoas negras qualificadas para esta ou aquela posição. Afinal, explicou Helena Pereira de Melo, aqui a mobilização a fazer não é de activistas, mas de malta da Academia.
Conseguirá o Observatório
identificar onde estão? Tenho fundadas dúvidas, por isso disponibilizo aqui os meus serviços. Não é a realidade racista que falta conhecer neste
país, são as pessoas que essa realidade continua a excluir e a matar. Está
observado. Falta reparar.
*expressão retirada do título do livro Racismo no País dos Brancos Costumes, de Joana Gorjão Henriques, publicado pela Tinta da China
A autora escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico
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