terça-feira, 23 de maio de 2023

DA REALIDADE VIRTUAL À HISTÓRIA DO PINÓQUIO

Daniel Vaz de Carvalho [*]

... já perdeu as penas
Já não consegue voar
Vendeu a alma aos mecenas
Vive de asa a arrastar

Ó papagaio toma lá bolachas
Que a malta aqui já não te pode ouvir
Vens para aí com as tuas larachas
Com ideias gastas, sempre a repetir
Fado das bicadas [1]

1 – Na bolha da desinformação

Os contos antigos para crianças têm evidentes leituras sociais, políticas. A violência sobre as crianças, a solidão, a angústia, até as tragédias da vida estão presentes e retratavam para as crianças a atmosfera opressiva e hipócrita das democracias burguesas. O chamado ocidente está cada vez mais perto do que aqueles contos mostravam e só não totalmente, como desejado através das “novas relações laborais” dos papagaios liberais de várias cores e siglas, porque o sindicalismo resistente não foi nem será totalmente abafado – pelas suas “larachas”.

A história de Pinóquio também retrata a seu modo a sociedade em que vivemos. O seu tópico fundamental não é o crescimento dos narizes dos mentirosos, mas a contradição entre a sedução de uma vida de divertimentos e ausência de compromissos que era proposta aos jovens, como se isso fosse liberdade, e o fim desta ilusão que bem cedo deu lugar à luta pela sobrevivência e ao trabalho sem direitos. Na história os meninos acabaram transformados em animais de trabalho, por não escutarem o pequeno grilo falante que os aconselha e procurava adverti-los do que iria acontecer.

E o pequeno grilo é bem a imagem dos sites que procuram – como este – esclarecer e advertir, reais e potenciais vítimas, contra os perigos, as ilusões e as mentiras do liberalismo e da extrema-direita – o “liberalismo popular” de linguagem boçal e arruaceira.

Ilusões geradas numa realidade virtual e na ausência de memória para que nada se aprenda do passado, para que a mente seja uma tábua rasa, um vazio, onde não se reconheçam direitos para não serem defendidos, que se ignore como foram obtidos e quem lutou por eles. Para que sejam apoiados os que lhos querem retirar, em nome de uma “liberdade” fora do social contra o coletivo, da competitividade neoliberal, ou ainda do endividamento publico, nunca questionando porque tem de ser assim nem os lucros da camada oligárquica. O papel reservado ao proletariado é: trabalharem o mais e melhor que for possível, para que os oligarcas sejam cada vez mais ricos.

E para que disto não tenham consciência, diríamos, de classe, cria-se uma realidade virtual ou na imagem de Platão a caverna donde da realidade só se tinha a perceção de sombras.

Podem chamar “totalitarismo” a tudo o que não se conforme com as suas regras neocoloniais de exploração exacerbada, sempre foi assim, no reino da exploração da força de trabalho. Podem ter êxito em colocar as pessoas na situação de luta pela sobrevivência voltando-as umas contra as outras – como é nítido em “antenas abertas” de certas rádios – podem convencê-las que a condição de serem livres é com contratos individuais de trabalho, deitando fora dois séculos de árduas lutas pelo progresso.

Podem fazer isto tudo, até levarem-nos para a estupidez de guerras perdidas, o que não podem é anular as contradições antagónicas do sistema, e transforma-lo em algo digno de ser vivido, sem crime organizado, sem prostituição de jovens para pagarem universidades privadas. Podem esconder tudo isto, mas não evitar o declínio económico, financeiro, geopolítico e militar, para onde nos arrastaram. O que nos coloca perante a tomada de consciência do que pode resultar da crescente insanidade e cobardia moral das pseudo elites que nos dirigem.

2 - Dançando com fascistas

Para comemorar o Dia da Europa, os irrelevantes Borrell e van der Leyen foram festeja-lo em Kiev, aos abraços ao fantoche que faz de ditador de serviço. Dizem que estão a defender a democracia na Ucrânia, face ao totalitarismo. Uma graçola de mau gosto, num país em que o governo proibiu 11 partidos da oposição, ficando os que o apoiam e os neonazis.

Quem fale em negociações para acabar com a guerra é preso pelos serviços de segurança, arrisca-se a ser torturado e/ou morto. Também elaboram listas de “inimigos”, mesmo nos países que sustentam este estado de coisas, o seu nome e referências são divulgados arriscando-se a represálias… Na Zaporizhia, controlada por Kiev, pessoas foram presas por falarem russo. O Prefeito de Odessa, Gennady Trukhanov, foi preso, alegadamente por corrupção – que se tornou uma arma dos corruptos de Kiev. Antes tinha defendido negociações com a Rússia. (Ukraine Watch,  04/05)

A ONG Repórteres Sem Fronteiras, é conhecida pela sua agenda de ataque a tudo que seja progressista, dedica-se a atacar Cuba, Venezuela, China, Rússia, mas ignora Julian Assange tal como ignorou ou os assassinatos de jornalistas na Colômbia, S. Salvador, Palestina, etc. No seu “Índice Mundial de Liberdade de Imprensa” de 2023, a Ucrânia subiu da 106ª para a 79ª posição. Um país onde a maioria dos meios de comunicação da oposição foi fechada, o governo deseja fechar os canais do Telegram, e onde o parlamento irá votar lei que estabelece uma pena até sete anos de prisão para quem criticar as autoridades. (Ukraine Watch,  03/05)

A política oficial da UE/NATO é que a Ucrânia é uma democracia e quem diz que não, apoia o totalitarismo russo. Um país em que há um projeto de criação da Ordem de Stepan Bandera, um criminoso colaborador das SS, responsável por dezenas ou mesmo uma centena de milhar de mortes. Até 1945, os jornais nazistas na Alemanha referiam-se à UPA de Bandera como "combatentes da liberdade ucranianos" (até nisto o ocidente copia os nazifascistas). Após a queda da Alemanha, Bandera refugiou-se na zona dos EUA, em Munique, tornando-se colaborador de Reinhard Gehlen, ex-general, um dos conspiradores contra Hitler, que colaborou ativamente com os EUA após a guerra. Recrutou milhares de ex-nazistas para realizarem ações clandestinas, sabotagem e ataques em território soviético.

O colaborador nazi Mykola Arsenych, criador e chefe do serviço de segurança da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN), participou no assassinato em massa de judeus na Ucrânia, nos massacres de polacos, na perseguição e tortura de suspeitos. Na Ucrânia atual, ruas receberam seu nome, na sua aldeia natal um monumento foi erguido. (Ukraine Watch, 07/05)

Os monumentos à derrota da Alemanha nazi pelo Exército Vermelho são derrubados e substituídos por monumentos aos colaboradores nazis na Ucrânia, mas Zelensky é recebido pelos patrões de Washington e pelos súbditos europeus, reverenciado como lutador pela democracia. Livros de autores russos/soviéticos vão para fogueiras ao estilo nazi, bustos de artistas russos do século XIX, são derrubados. É esta a democracia e cultura que a UE está a defender.

Veja-se como o clã de Kiev está associado ao tenebroso passado nazi:

Pessoas que se opõem ao atual governo da Ucrânia são detidas ou mortas

A campanha de Zelensky de assassinatos, sequestros e tortura de opositores políticos

O regime de Kiev intensifica atentados contra os direitos humanos

Repressão brutal contra democratas ucranianos

Os cãezinhos de Pavlov e os rinocerontes de Ionesco

O PS e toda a direita apoiam estas situações. O sr. Santos Silva, propõe-se ir abraçar Zelenski, ao menos que tivesse noção da ameaça que a ramificação internacional das organizações neonazis representam. Mas sentem-se bem assim: “vivem de a asa arrastar”. Por exemplo, na Letónia a polícia disse que colocar flores em 9 de maio em locais onde as autoridades desmantelaram monumentos soviéticos será considerado "glorificação desses monumentos e agressão" e seria multado.

3 - Qual é o sentido da UE?

O presidente da Hungria, Victor Orban, expressou a seguinte opinião: "A forma moderna de cooperação europeia foi impulsionada por duas missões: paz e bem-estar. Se não puder cumprir estas duas missões originais, então qual é o sentido da UE?” Não deixa de ser uma pergunta pertinente.

Afinal o que defende a UE na Ucrânia? Grupelhos nazifascistas formatados no ódio e destruição como forma de existência, como fizeram antes de 2022 contra o Donbass? É isto que a UE defende, arrastando a economia e o social para sucessivas crises? É a sua crescente irrelevância no cenário internacional?

A burocracia de Bruxelas e do BCE está estupidamente a preparar uma nova ronda de sanções contra a Rússia, visando empresas e países que ajudem o Kremlin a evitar a extensa lista de sanções impostas. Não lhe chega a guerra iniciada em 2014 (com o “fuck UE… da “sra.” Nuland), quer entrar em conflito com o resto do mundo, incluindo a China!

Quanto custam aos países da UE e NATO as sanções à Rússia? Quando já se perdeu na UE por não se importar petróleo e gás russo? Por cá, os media vão entretendo a “malta”, que Zeca Afonso dizia ser preciso avisar, com a pastilha elástica da TAP, agora marca Galamba.

São bolhas de realidade virtual para esconder o que a NATO pretende quanto ao aumento de despesas militares. No “1984” de George Orwell a absurda linguagem vigente fazia vigorar o princípio de que: “Guerra é paz”, assim está a UE/NATO. Todos os meses milhares de milhões de euros/dólares são despejados na Ucrânia para que mais ucranianos e mercenários morram, o país fique destruído, a clique fantoche de Kiev fique mais rica tal como o império militar industrial que governa os EUA.

Em 16 de maio o sistema de defesa Patriot em Kiev, foi atacado. Dos três lançadores um foi destruído, o segundo foi seriamente danificado, um terceiro escapou sem danos. Cada bateria Patriot custa 500 milhões de dólares, cada míssil 5 a 8 milhões, uns 30 terão sido destruídos. No total a NATO perdeu mais de 1000 milhões de dólares nesse dia, além das perdas humanas e nas infraestruturas. (Ukraine Watch, 17/05) [2]

Mas não há lugar para a paz? Dizia um comentador, que para haver paz basta a Rússia retirar dos territórios que ocupou. É o que se chama não perceber – nem querer que os outros percebam – o que se passa numa guerra. Devia estar a pensar nas guerras perdidas dos EUA, como o Afeganistão, Vietname, etc, esquecendo as negociações que existiram antes. Quanto à Crimeia, admitia poder ter um estatuto sob a égide internacional da ONU. Faz lembrar o Kosovo, não? Onde os EUA acabaram por instalar a sua maior base no Mediterrâneo…

Tudo isto faz parte da realidade virtual necessária para que a guerra contra a Rússia se mantenha. Todos os dias, a quase todas as horas, são apresentadas fantasiosas versões sobre o que se passa na Ucrânia, meras calúnias são dadas como divulgação de secretismos russos. Iludem-nos com a esperança que os russos se revoltem contra Putin e o país volte aos “bons tempos” de Ieltsin, de miséria, guerras separatistas… e ricas negociatas para oligarcas e transnacionais. Quem vai atrás disto, está tão condicionado que parece ter sido sujeito a lobotomia, incapaz de recordar e associar o que desde há mais de um ano andou a ser dito.

A (des)informação sobre a guerra na Ucrânia tem toda a semelhança com a propaganda nazi quando a vitória se tornava inalcançável. As perdas próprias não eram referidas; havia sempre novas armas (as Wunderwaffen) que iriam mudar o curso da guerra; próximas ofensivas seriam desencadeadas levando o inimigo à derrota.

Apesar da intensidade da propaganda e das encenações de homenagem a Zelenski por aceitar a destruição do seu país, na esperança de fazer voltar a Rússia à “democracia liberal” dos anos 1990, os povos manifestam-se contra a guerra. Recentemente em Praga,contra o apoio à Ucrânia e pela saída da NATO. Um dos organizadores, Ladislav Vrabel, declarou "A situação da sociedade é muito pior do que há um ano. A situação hoje é que centenas de pessoas estão sendo perseguidas por suas visões políticas". Também na Alemanha, contra o fornecimento de armas à Ucrânia, exigindo o restabelecimento das relações com a Rússia e uma solução diplomática para o conflito: “Crie a paz sem armas! Alcance a paz sem armas! Não dê uma chance à guerra.” (Ukraine Watch, 06/05)

Manifestações também já ocorreram em Milão, "sem russofobia, sem armas para Kiev, sem sanções contra a Rússia". Em Paris exigindo a retirada da NATO e a aceitação da neutralidade pelo país. Em Berlim e em Munique contra a inflação, o aumento dos preços e as políticas económicas do governo Scholz. Entre outras, como também em Lisboa.

Nada disto é divulgado pelos grandes meios comunicação social. A versão oficial é a da unidade euroatlantica, e apoio à guerra na Ucrânia até ao fim conforme Zelenski decida das condições de paz, isto é, pela derrota da Rússia. Mas ninguém se dá ao trabalho de explicar como e quais as possíveis consequências de tentar derrotar militarmente a maior potência nuclear.

A questão é que o ocidente tendo criado esta guerra desde 2014 – ou mesmo antes, com a expansão da NATO – para garantir o domínio geopolítico absoluto, a partir da derrota da Rússia e posterior pressão sobre a China, tem como resultado nova crise financeira, o euro a cair, o dólar num processo de perda de posição como moeda de troca e reserva mundial, enquanto um mundo multipolar se desenvolve centrado na Rússia e na China, apoiado por países que representam a maioria da população mundial. Um mundo onde nações soberanas poderão escolher a sua via de desenvolvimento sem o policiamento imperialista a impor as suas regras.

Em 14 de março em Moscovo, ocorreu uma jornada histórica, totalmente silenciada pelos media. Serguey Lavrov, recebeu cerca de 100 delegados representando cinquenta países, num congresso para lançar o Movimento Internacional Russófilo que pretende tornar-se a internacional dos que combatem o sistema de hegemonia unipolar. Entre ao participantes estavam Pierre de Gaulle, bisneto de De Gaulle, Pepe Escobar, Steven Segal, etc, tendo sido escolhidos o presidente (um búlgaro) e vice presidentes.

Novos países aderem aos BRICS. A China realiza a Cimeira China-Ásia Central, com a presença, além da China, de cinco chefes de Estado, sendo assinados documentos de cooperação bilateral no desenvolvimento económico, comércio, cultura. Enquanto isto, a UE/NATO conheceram uma nova derrota: a reentrada da Síria na Liga Árabe, o país cujo presidente, segundo a UE em 2016, não duraria mais de seis meses. Uma vitória da Rússia e da China.

Por tudo isto é necessário que os povos vivam numa realidade virtual, que os jovens não escutem o bom senso e a razoabilidade das reais alternativas ao caos para onde são arrastados e, principalmente, não considerem o pensamento e a ação baseados no marxismo, que partindo da realidade existente inicia a sua transformação no sentido do progresso coletivo.

20/Maio/2023

[1] Catarina Rocha, Bicadas no Fado, YouTube, Pedro Silva Martins (letra) Catarina Rocha (música e voz)
[2] Em 18 de maio o Ministério da Defesa russo informou que um sistema de radar e cinco baterias de mísseis do sistema Patriot foram destruídos no ataque MiG-31K, supostamente depois de serem disparados 32 mísseis terra-ar que não conseguiram intercetar os mísseis hipersónicos Kinzhal.

Este artigo encontra-se em resistir.info

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