quarta-feira, 17 de maio de 2023

Viagem do Maoismo ao Populismo – Artur Queiroz

Durão Barroso

Artur Queiroz*, Luanda

O maoismo nasceu na China e espalhou-se na minha escola como os dez mandamentos galoparam do Monte Sinai até Roma e outros sítios bem frequentados. Quem aderiu às teses do Camarada Mao é muito mais volátil do que os seguidores da Santa Madre Igreja que podem pecar mas não mudam de deus na hora de distribuir dividendos. Lá em Vincennes tínhamos os maoistas de cátedra (professores e assistentes) e os maoistas de faca na boca que eram quase todas e todos os alunos. Os libertários eram mal vistos. Os agnósticos tinham de mudar para outra escola. Os de direita nem se atreviam a passear no bosque de Vincennes. Uma festa.

Um maoista de cátedra em Vincennes chegou a ministro da Educação num governo de direita em Portugal. Quando o vi na televisão nem acreditei. Só podia ser um irmão gémeo. Nada disso. Era mesmo o professor maoista que dominava o Departamento de Português no qual Mário Soares dava um seminário intitulado “O Portugal Hoje” e que contava como “unidade de valor” para a licenciatura noutros departamentos.

O Durão Barroso era grande educador da classe operária, maoista de faca na boca e agora é criado de banqueiros (Banco Goldman Sachs International) que dominam o ocidente alargado. Em Portugal, os maoistas que antes do 25 de Abril arriscavam a vida e a liberdade para escreverem nas paredes Viva o Camarada Mao, hoje estão todas e todos na direita hienizada. Às vezes enganam-se na kibanga e vão parar ao Chega.  Entre hienas e porcos venha o diabo escolher. Eu gosto mais de bagre fumado e salalé assada na chapa.

Pelo menos metade dos meus cabelos brancos nasceu por acção directa dos maoistas. O pessoal que trabalhava comigo no Jornal das 13 da Emissora Oficial de Angola (hoje RNA) pertencia à turma dos maoistas. Só a Maria Dinah e o Vítor Mendanha não andavam de faca na boca. Tudo quanto era comunicado das organizações maoistas, fossem ou não do MPLA, tinha que ser convertido em notícia e ir para o ar. E eu atirava com aquilo para o lixo sem mais explicações. 

A Tatão (leoa de Benguela baptizada Conceição Branco) chamava-me ditador. A Graça D’Orey ameaçava demitir-se. Pena Pires, Quinta da Cunha e Paulo Pinha diziam mesmo que eu era um repugnante social-fascista. Revisionista de merda. O Mena Abrantes ficava com pena de mim e dizia baixinho não lhes ligues. O João Melo ficava calado porque ainda não sabia se havia de alinhar ou dar corda aos sapatos. Ficava em cima do muro e como se sentava em frente a mim, olhava-me com comiseração. A Catarina Gago da Silva e a Isabel Colaço piscavam-me olho. O Anapaz gozava o espectáculo do chefe acossado.

O Filomeno Vieira Lopes tirava a faca da boca e negociava notícias das Comissões Populares de Bairro e outras estruturas do Poder Popular. Era o grande chefe dos maoistas, mais tarde ultrapassado pelo revisor Rui Ramos que tirou a faca da boca, engoliu uma catana e fundou a Organização Comunista de Angola (OCA). Deste safei-me porque os camaradas do MPLA prenderam-no. Foi deportado para Cabinda. Depois, de castigo, ficou a trabalhar com o Pinto Balsemão, chefe do banditismo mediático em Portugal, até se reformar. Agora recebe como antigo combatente.

Uma coisa é certa. Os maoistas angolanos vivem todos em grande estilo. E eu fico feliz porque o meu sonho dourado é que todos os seres humanos, próximos e longínquos, vivam pelo menos tão bem como eles. Por mim, se não me faltar o tanino do tinto velho já faço uma festa das antigas.

Um dos grandes amigos da minha vida chama-se Carlos Simeão mais conhecido por Manolo. Era um técnico imbatível nas observações meteorológicas de altitude. Tinha uma paixão assolapada pelo “modo de vida americano”. Adorava o Sinatra. E eu dizia-lhe que o gajo era da Mafia. O modelo de vida dos EUA deixava rastos der morte e destruição em todo o mundo. E mostrava-lhe o meu relógio: Sabes que horas são aqui? A hora do Vietname! 

O meu amigo ria-se e não compreendia tanta animosidade porque minha Mamã biológica era dos EUA, nasceu numa buala do estado do Massachusetts. Queres saber que horas são em Hanói? Mais risos do Manolo.

Manolo e a esposa Anália Vitória Pereira embarcaram como retornados para Portugal, em 1975. Como ela e ele, muitos outros partiram porque não queriam nada com os comunistas do MPLA que estavam a chegar das matas. Felizmente, voltaram em 1991 à frente do Partido Liberal Democrático. Nas primeiras eleições conseguiram três mandatos. E por isso participaram no Governo de Marcolino Moco. Mais tarde no Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN) onde a filha do casal, Alexandra Simeão, era vice-ministra da Educação. O partido foi extinto por falta de votos.

Os maoistas emigraram todos para a extrema-direita com ou sem faca na boca. Os populistas e demagogos vão todos para a UNITA aberta ou envergonhadamente. Esta Alexandra Simeão diz que esteve 17 anos exilada em Portugal para onde partiu em 1975. Mentira. Os pais foram para Portugal porque quiseram. O governo era de “transição” e comandado perlo almirante Leonel Cardoso. Tinha ministros portugueses, A ordem pública era garantida pelo coronel paraquedista Heitor Almendra. Nem esperaram pela proclamação da Independência Nacional para poderem considerar-se exilados ou adversários do MPLA. 

A antiga vice-ministra da Educação do GURN hoje escreve no jornal de Sobrinhos e Madalenos. Come galináceos da UNITA depois de empanturrar a pança com os manjares do MPLA. Como todos os populistas e demagogos, vive da mentira, da manipulação e da falsificação. Hoje disse no jornal de Sobrinhos e Madalenos que os problemas das enxurradas der Luanda só existem porque “lixaram  os esgotos”. Tudo lhes serve para mentir e falsificar.

As tempestades tropicais em Luanda e toda a região equatorial de Angola são muito antigas. A Ilha de Luanda já foi dez vezes maior do que hoje. Quase desapareceu devido a sucessivas tempestades. Até a Fortaleza de Nossa Senhora da Flor da Rosa foi lambida pelas calemas. Em 1963, a Luanda de asfalto ficou esventrada, porque uma tempestade tropical rebentou com o sistema de escoamento das águas pluviais ao qual estavam ligados os efluentes domésticos. Os musseques ficaram submersos. Centenas de vítimas mortais e milhares de desalojados.

A rede dos esgotos domésticos nunca existiu. Quando a cidade de asfalto ficou esventrada, em vez de criarem uma rede doméstica e estações de tratamento dos efluentes, aumentaram o diâmetro da rede das águas pluviais e continuaram a ligar-lhe os esgotos das casas. Era tudo despejado na Baía, sem qualquer tratamento. Quando a maré baixava, a Baixa da cidade era inundada por um cheiro imparável a merda. Hoje é impossível resolver o problema do saneamento básico. Porque a cidade urbanizada do passado quase não existe e está sobrecarregada com milhões de habitantes a mais. Luanda Sul e as Centralidades estão bem. Mas é pouco.

Os portugueses protagonizaram em Angola o esclavagismo, um crime hediondo e imperdoável. Continuaram o seu desempenho criminoso com o colonialismo, um crime sem perdão. Esta foi a herança mais terrível que Portugal deixou ao Povo Angolano. Mas não é menos grave terem criado todas as condições para existirem figuras como Adalberto da Costa Júnior e seus seguidores, adeptos do banditismo político que não cessa de erguer obstáculos à paz e reconciliação nacional. 

Os portugueses do meu tempo usaram e abusaram do roubo no peso e na medida. O racismo como política de estado e virtude social. Sou testemunha. Vivi esses anos no Negage, Uíge, Bungo, Mucaba, Damba, Camabatela ou Bindo. Em Luanda a bestialidade era mais comedida. O racismo era mais contido. Tudo mais engravato mas igualmente criminoso. Aí está o resultado: UNITA e seus seguidores. Os mais repugnantes são os que já comeram no prato do MPLA. Um deles, Justino Pinto de Andrade, até chegou a deputado do Galo Negro!

Precisamos de mais paciência para os populistas e demagogos do que com os maoistas. Até porque os faquistas já não existem. Os outros são extremistas de direita muito mais perigosos do que os derrotados racistas de Pretória.

* Jornalista

Sem comentários:

Mais lidas da semana