Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião
Um artigo publicado no jornal espanhol Público, no passado dia 7 de março, lista casos de perseguições políticas absurdas na Rússia e na Ucrânia. O texto, de opinião, é escrito por uma jornalista russa, chamada Inna Afinogevona, e apareceu-me logo na primeira página de sugestões dadas pelo Google, quando pedi uma busca à palavra "Kononovich".
Explica a jornalista que, nas semanas de fevereiro e março de 2022 os irmãos Mikhail e Aleksander Kononovich, líderes da Juventude Comunista da Ucrânia, foram presos pelo poder ucraniano, tal como o historiador Aleksander Karevin, o poeta Yan Taksiur e o jornalista Dmitri Dzhanguirov. Segundo o artigo, "os crimes de que são acusados vão desde traição a colaboracionismo e violação da integridade territorial ucraniana. Para provar os dois últimos, bastam publicações em redes sociais ou qualquer manifestação pública ou privada de ideias que se afastem da linha oficial".
Note-se que o texto começa por relatar múltiplos abusos do Estado russo, vários deles absolutamente incríveis, como o caso de um pai, Aleksey Moskaliov, que foi preso e corre o risco de perder a custódia da filha de 13 anos, entretanto colocada num orfanato, porque esta fez na escola um desenho contra a guerra.
Outros exemplos: Vladimir Rumiantsev foi condenado a três anos de cadeia por publicar numa rede social seis vídeos que denunciavam violações e assassinatos cometidos por soldados russos. Uma jornalista, Maria Ponomarenko, foi condenada a seis anos por um post no Telegram. Um deputado municipal de Moscovo, Ilyá Yashin, foi punido com 8 anos e 66 meses por uma transmissão no Youtube sobre Bucha.
Ela conta outros casos na Rússia e sublinha a aprovação, no final de maio, de uma alteração ao Código Penal que prevê 15 anos de cadeia a quem, entre outras coisas, questione a narrativa russa da inevitabilidade da guerra da Ucrânia e que ela visa, apenas, a desnazificação e desmilitarização do país.
Afinogevona cita números de uma ONG que apontam para 19 586 pessoas detidas na Rússia, desde fevereiro de 2022, por tomarem posições contra a guerra. A maioria foi libertada em troca de uma multa, mas há 447 pessoas que enfrentam processos penais.
Na segunda parte do artigo, a mesma jornalista passa a listar abusos do Estado ucraniano, começando por dizer que a "imprensa deste lado do mundo" os ignora ou relativiza: "Como exemplo, temos o facto inusitado da Amnistia Internacional, que chegou a pedir desculpa pela "angústia causada" com a emissão de um relatório em que foram reconhecidas certas violações das leis da guerra por parte das forças ucranianas".
Para além dos casos dos irmãos Kononovich, de Yan Taksiur e de Dmitri Dzhanguirov que já citei, Afinogevona refere a situação de Yuri Tkachev, diretor do diário Odessa Timer, que foi preso algumas semanas depois do início da invasão: "Ele foi um dos poucos profissionais ucranianos que denunciaram o massacre na sede do sindicato de Odessa, em maio de 2014. Foi uma ousadia como essa que lhe rendeu o rótulo de "agente ao serviço de Moscovo". Está atualmente sob fiança aguardando julgamento", relata a jornalista.
Afinogevona recorda que, nos oito anos anteriores à invasão russa, a acusação de ser pró-Rússia "serviu ao poder ucraniano para invalidar qualquer posição contrária à dominante e limpar o campo do questionamento político e mediático" e que a seguir à invasão foi dada "rédea solta à perseguição de todos os tipos de opositores, dissidentes e ativistas de esquerda, sem a necessidade de produzir provas confiáveis, dar informações coerentes, explicações ou pretender atingir qualquer grau de legalidade". Cumulativamente, a 20 de março do ano passado, Zelensky, proibiu 11 partidos da oposição "por supostos vínculos com o Estado russo, que não precisaram de ser comprovados".
O espanto de Afinogevona é a dualidade de critérios com que esta guerra é noticiada, que até leva ao silêncio sobre a prisão, na Polónia, de Pablo Gonzaléz, jornalista espanhol detido, sem acusação formal, há 478 dias.
Quando vi a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, abusar do convite para visitar a Assembleia da República portuguesa para dizer ao PCP que deveria ir ao parlamento ucraniano defender a abertura de negociações para a paz, vislumbrei uma líder da União Europeia a sonhar com Zelensky e seus pares a fazerem aos comunistas portugueses o mesmo que fizeram à oposição ucraniana: supressão... Eis uma falsa democrata!
*Jornalista
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