quinta-feira, 29 de junho de 2023

Robert Kennedy Jr.: “Sejamos honestos: é uma guerra dos EUA contra a Rússia”

A publicação deste trecho de uma entrevista justifica-se a vários títulos. São opiniões expressas por alguém que procura a nomeação do partido democrata dos EUA às próximas eleições presidenciais, e já conta com significativo apoio nas sondagens. Essas opiniões divergem inteiramente das da administração Biden. E quem as emite é portador de um apelido de grande peso nos EUA.

UnHerd *

Robert F. Kennedy Júnior anunciou a sua candidatura à presidência, desafiando Joe Biden para a nomeação democrata. As suas sondagens já atingem os 20%. O sr. Kennedy aceitou falar com UnHerd. Abaixo estão alguns dos pontos da conversa relativos ao conflito ucraniano.

P.: Isso leva-nos a uma questão premente: uma coisa de que fala muito é que a América está num estado de guerra permanente e quer pôr fim a isso. No que diz respeito à Ucrânia, como é que se propõe fazê-lo?

RFK Jr.: Os russos têm-se oferecido repetidamente para chegar a um acordo. Se olharmos para os acordos de Minsk, que os russos se ofereceram para resolver, eles parecem hoje um óptimo acordo. Sejamos honestos: trata-se de uma guerra dos EUA contra a Rússia, para sacrificar essencialmente a flor da juventude ucraniana num matadouro de morte e destruição para a ambição geopolítica dos neoconservadores, frequentemente declarada, de mudar o regime de Vladimir Putin e exaurir as forças armadas russas para que não possam combater em mais lado nenhum do mundo.

O Presidente Biden disse que era essa a sua intenção - livrar-se de Vladimir Putin. O seu Secretário da Defesa, Lloyd Austin, em Abril de 2022, disse que o nosso objectivo aqui é esgotar o exército russo. O que é que isso significa, “exaurir”? Significa atirar-lhes ucranianos para cima… O comandante da unidade de forças especiais na Ucrânia, que é provavelmente a força de combate de maior valor da Europa, disse que 80% das suas tropas estão mortas ou feridas e que não podem reconstruir a unidade. Neste momento, os russos estão a matar ucranianos numa proporção de 1:5 ou 1:8, dependendo dos dados em que acreditamos.

Se olharmos para os acordos de Minsk, estes estabelecem as bases para um acordo final. A região do Donbass, que é 80% de etnia russa - e russos que estavam a ser sistematicamente mortos pelo governo ucraniano - tornar-se-ia autónoma dentro da Ucrânia e seria protegida.

Precisamos de retirar os nossos sistemas de mísseis Aegis, que alojam os mísseis Tomahawk - mísseis nucleares - de 70 milhas da fronteira russa. Quando os russos colocaram mísseis nucleares em Cuba, a 1.500 milhas de Washington DC, estávamos prontos para os invadir, e tê-los-íamos invadido se não os tivessem retirado. A forma como acabaram por ser retirados foi esta: o meu tio e o meu pai fizeram um acordo com o Embaixador Brennan e com Khrushchev, com quem tinham uma relação próxima e com quem podiam falar directamente nessa altura. O acordo foi: “Vamos retirar os nossos mísseis Júpiter da Turquia, na vossa fronteira, porque sabemos que isso é intolerável para vós”.

A Rússia foi invadida duas vezes nos últimos 100 anos. É compreensível que não queiram sistemas de mísseis nucleares em países hostis na sua fronteira. Deveríamos também concordar em manter a NATO fora da Ucrânia, que é o que os russos pediram. Penso que, com base nestes pontos, alguém como eu poderia resolver esta guerra.

Não creio que os neoconservadores sejam capazes de a resolver, nem as pessoas que rodeiam o Presidente Biden - porque foram eles que criaram o problema. Não penso que alguma vez o vão reconhecer. Mas o meu tio sempre disse que, se quisermos alcançar a paz, temos de nos colocar no lugar do outro e de perceber quais são as pressões locais sobre ele.

Devíamos há muitos anos ter dado ouvidos a Putin. Comprometemo-nos com a Rússia, com Gorbachev, a não deslocar a NATO um centímetro para leste. Depois avançámos, e mentimos. Entrámos em 13 países da NATO, instalámos sistemas de mísseis com capacidade nuclear, fizemos exercícios conjuntos com a Ucrânia e outros países da NATO.

“Qual é o objectivo da NATO?” - foi o que George Kennan perguntou; foi o que Jack Matlock perguntou. Todos os decanos da política externa dos EUA diziam: “A Rússia perdeu a Guerra Fria. Vamos fazer à Rússia o que fizemos à Europa quando lhes demos o Plano Marshall. Somos os vencedores - vamos levantá-los. Vamos integrá-los na sociedade europeia”.

Qual é o objectivo da NATO, a não ser opor-se à Rússia?

Se nos dirigimos à Rússia de uma forma hostil desde o início, é claro que a sua reacção será também hostil. E se estivermos a lentamente avançar em todos estes Estados, que dissemos que nunca fariam parte da NATO.

O que aconteceu na Ucrânia foi que os EUA apoiaram essencialmente um golpe de Estado em 2014, contra o governo democraticamente eleito da Ucrânia.

Temos transcrições de chamadas telefónicas de Victoria Nuland, uma das neoconservadoras da Casa Branca, que escolheu a dedo o novo governo que era hostil à União Soviética.

Se olharmos para isto, e nos colocarmos na posição da Rússia, e dissermos: “Muito bem, os Estados Unidos, o nosso maior inimigo, estão a tratar-nos como inimigos, assumiram o governo de uma nação e tornaram-na hostil a nós, e depois começaram a aprovar leis que são prejudiciais a esta gigantesca população russa”.

Se o México fizesse isso e começasse a matar - mataram 14.000 russos no Donbass, o governo ucraniano - se o México fizesse isso a americanos expatriados, invadíamo-los num segundo!

Temos de nos pôr na pele dos nossos adversários, diz Robert F. Kennedy Júnior.

Fonte: https://moderndiplomacy.eu/2023/05/08/robert-kennedy-jr-lets-be-honest-its-a-us-war-against-russia/

*Publicado em O Diário.info

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