Direita agradada, esquerda mais crítica: as reações dos eurodeputados portugueses ao Estado da União
Nas reações ao discurso de Von der Leyen, sem surpresas, a esquerda é bem mais crítica do que a direita. Apesar de o discurso ter passado em revista vários dos grandes temas (e problemas) da União nesta altura, as referências à crise social e inflacionista ficaram aquém do desejado pela esquerda, mas também pelo PSD que realça que a presidente da Comissão poderia ter "ido mais longe" nas políticas de combate à inflação.
E na política europeia, como na nacional, claro que há também farpas de parte a parte com destaque para Paulo Rangel ao ataque a António Costa, mas já lá vamos...
"Muito preocupante a ausência da dimensão social", diz Pedro Marques
Pelos socialistas, o eurodeputado Pedro Marques reconheceu vários pontos positivos na intervenção da presidente da Comissão Europeia, mas lamentou a ausência da dimensão social no discurso de Ursula von der Leyen, sobretudo com o aumento do custo de vida e da habitação.
"Uma preocupação por aquilo que não está neste discurso, eu diria praticamente total ausência de preocupação com os que estão a sofrer com a crise do custo de vida, com as que estão a sofrer com o aumento do preço da habitação. Para nós, é muito preocupante essa ausência da dimensão social, do reforço do papel da União Europeia no combate à pobreza, na melhoria da vida daqueles que agora estão a sofrer com a crise de custo de vida", afirmou Pedro Marques.
O eurodeputado do PS notou que "não podemos esquecer que há pouco mais de dois anos, no Porto, definimos uma agenda muito ambiciosa para o combate à pobreza".
"É neste momento em que a crise está a chegar a tantas famílias, mesmo das classes médias, que Ursula von der Leyen devia ter sido consequente e isso, de facto, foi uma oportunidade perdida da sua parte", defendeu.
Rangel nota que silêncio de Von der Leyen sobre habitação é "resposta à tentativa de passa-culpas de Costa"
Paulo Rangel, pelo PSD, não perdeu a oportunidade de lembrar aos socialistas que o silêncio de Von der Leyen em relação à habitação é uma resposta àquela a que chama de tentativa de passa-culpas por parte do primeiro-ministro António Costa.
Ainda assim, o eurodeputado reconheceu que Von der Leyen podia ter dedicado maior atenção à questão da crise inflacionista.
"Eu acho que ela podia ter ido mais longe aí, porque com as taxas tão altas são precisas políticas para combater a inflação e para mitigar os efeitos da inflação para que evitemos maior subida de juros. Se houver uma política orçamental voltada para combater a inflação, a política monetária já não tem que ser tão agressiva como está a ser", considerou.
Paulo Rangel entendeu que "os socialistas estão desiludidos, porque estavam à espera que houvesse um grande pacote para a habitação".
"Mas a habitação não é competência da União Europeia. O primeiro-ministro, António Costa, tentou fazer uma habilidade - no que é realmente exímio -, que era tentar passar as culpas da crise da habitação, que ele não foi capaz de resolver nos últimos oito anos, para a União Europeia. E a resposta de Ursula von der Leyen está aqui: 'meu caro amigo, faça o seu trabalho de casa, tem os fundos europeus, se não soube usá-los nestes oito anos é um problema seu'", afirmou o eurodeputado.
"Este silêncio sobre a habitação também é uma resposta eloquente à tentativa de passa-culpas que o primeiro-ministro, António Costa, quis fazer mesmo antes deste discurso", sublinhou.
Nuno Melo aplaude destaque a PME e agricultura
Ainda à direita, na mesma família europeia, o eurodeputado Nuno Melo considerou que este foi um discurso "bem conseguido" por parte da presidente da Comissão Europeia, manifestando grande agrado pela preocupação com as pequenas e médias empresas e com a questão da agricultura.
"Foi um discurso que passou um bocadinho por tudo", considerou, "mas com uma outra nota que é relevante, importante, no que tem que ver com Portugal", como a ideia de criar um "representante da União Europeia para as pequenas e as médias empresas".
"Ora, a realidade industrial portuguesa é feita fundamentalmente pequenas e médias empresas e, portanto, a redução de burocracia, a melhoria do financiamento, tudo isto interessa a Portugal", notou.
Nuno Melo destacou ainda a importância atribuída por Ursula von der Leyen à agricultura e política agrícola comum.
"É expressão de justiça", considerou o eurodeputado, lembrando que "nem todos os partidos defendem a política agrícola comum".
Este mecanismo, apontou, tem "garantido autossuficiência alimentar e tem sido um sucesso, depois da paz talvez o melhor sucesso da União Europeia".
José Gusmão lamenta que crise na habitação tenha ficado esquecida
À esquerda, José Gusmão, eleito pelo Bloco de Esquerda, condenou a ausência de respostas sobre a crise social enfrentada pelos cidadãos, sobretudo com a habitação, que considera ser o principal problema dos jovens e também da classe média.
Este discurso "ignorou grande parte dos problemas económicos e sociais que a União Europeia enfrenta", considerou José Gusmão.
"Van der Leyen reconheceu implicitamente que a política monetária não está a funcionar quando disse que vai demorar muito tempo a atingirmos os objetivos", o que "é correto", apontou, "porque o que realmente está a puxar os preços para baixo é a queda nos preços da energia, que não tem nada a ver com a política monetária".
José Gusmão lamentou ainda que a presidente da Comissão Europeia não tenha dito "absolutamente nada sobre a crise económica e social que sentem as famílias".
"Falou de uma geração de jovens que vai votar pela primeira vez, mas ao mesmo tempo reconheceu que há oito milhões desses jovens que não estão nem a estudar, nem a trabalhar e não disse uma palavra sobre habitação, que é o principal problema dos jovens, hoje, no acesso à vida independente."
Pimenta Lopes: "Discurso completamente alheio aos problemas concretos das pessoas"
João Pimenta Lopes, eurodeputado comunista, destacou que os problemas dos trabalhadores ficaram de fora das preocupações da presidente da Comissão Europeia, que deu primazia e alinhou o discurso aos interesses dos grandes grupos económicos.
"Este é um discurso completamente alheio aos problemas concretos com que as pessoas, o povo português, os trabalhadores estão confrontados no dia a dia: o problema do aumento do custo de vida, os baixos salários, a perda de poder de compra, os problemas como o aumento brutal do crédito à habitação, promovido e responsabilidade das instituições da União Europeia, com a cumplicidade também da própria Comissão Europeia de Ursula Von der Leyen, com o aumento das taxas de juro muito significativo", considerou João Pimenta Lopes.
O eurodeputado do PCP criticou ainda a ausência de referências à "degradação dos serviços públicos, nomeadamente a saúde e a necessidade imperativa de um investimento". "Antes pelo contrário, um discurso muito virado, muito alinhado com os interesses dos grandes grupos económicos que a Comissão Europeia vem servindo", acrescentou.
Filipe Santa-Bárbara, enviado especial a Estrasburgo | TSF
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