Artur Queiroz*, Luanda
O Decreto Presidencial número 69/21 foi declarado inconstitucional. Lixo com ele! Mas não houve a mínima consequência. Nada. Nem sequer uma discussão pública sobre o fim de tal enormidade e suas consequências. Face ao silêncio ensurdecedor, a decisão corajosa do Tribunal Constitucional não teve qualquer efeito sobre processos em curso ou já julgados. Como se nada tivesse acontecido. Mas aconteceu. Tribunais e Procuradoria-Geral da República (PGR) deixaram de receber dez por cento dos “activos recuperados” e dos casos julgados com condenação dos arguidos. “Recuperações” e condenações a troco de uma comissão choruda!
O Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade formal e material do Decreto Presidencial número 69/21 por violar os Artigos 29º, 72º, 174º, 175º, 177º, 179º, 185º e 186º da Constituição da República. Mas o Decreto Presidencial violou antes de tudo a lei da decência. Esta limpeza deve-se ao Bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Paulo Monteiro, e à sua equipa de juristas.
O Tribunal Constitucional ao declarar a inconstitucionalidade de um decreto que oficializou a corrupção onde não pode existir sombra de dúvida, no Poder Judicial, prestou um serviço inestimável ao Estado Democrático e de Direito. Este é o único resultado sério no combate à corrupção, desde 2017. Ninguém diga que nada se fez.
O ministro Adão de Almeida defendeu o decreto celerado junto do Tribunal Constitucional. Sendo um político de altíssimo nível, que lhe sirva de lição. O chefe também comete erros. Há momentos na vida em que temos de dizer não, seja a quem for, custe quanto custar e o que custar. Um país onde as recuperadoras e os recuperadores de activos recebem dez por cento dos bens “recuperados”, não pode ser levado a sério. No Estado de Direito não cabem Tribunais onde os que fazem justiça em nome do povo recebem dez por cento por cada condenação. Isto é pornografia judicial.
Tocado no mais fundo da minha revolta pelo sacrossanto espírito de Natal, despojado de família, gravata e outros instrumentos que oprimem o Homem, hoje vou oferecer um presente de Natal ao Presidente João Lourenço, em nome da nossa velha camaradagem e daqueles tempos memoráveis em que ele foi o motor da campanha eleitoral do MPLA, corria o ano de 1992 e todos nos davam uma estrondosa derrota. Vitória com maioria absoluta!
O Presidente José Eduardo decidiu cortar com todos os que atrapalhavam a paz em Angola e levou para a frente o processo de paz sem interferências estrangeiras. Savimbi foi avisado de que ou se integrava na ordem democrática, ou se rendia voluntariamente ou era obrigado a render-se às forças policiais, porque a sua rebelião armada era um caso de polícia.
O cerco à quadrilha savimbista foi-se apertando e chegou o tempo em que não havia buraco onde o criminoso de guerra pudesse esconder-se. Os sicários da UNITA tentaram todos os truques, todas as manobras de diversão mas a Polícia Nacional e as FAA não se deixaram enganar. O fim estava próximo. A pomba da paz já voava no espaço aéreo de Angola e podia poisar a qualquer momento nos nossos corações.
O tenente-general Fernando Garcia Miala, poderosíssimo, foi ter com o Presidente da República e disse-lhe que as forças policiais e militares estavam redondamente enganadas. Os comandantes das operações andavam atrás de Savimbi no sentido oposto à área onde se encontrava com os seus sicários. Exibiu provas obtidas internamente. E informações fornecidas por serviços secretos estrangeiros. Não há dúvida: Andam atrás de Jonas Savimbi onde ele não está!
O Presidente José Eduardo ficou preocupadíssimo. Os seus melhores generais podiam estar a incorrer no feio crime de alta traição à pátria. Chamou os seus colaboradores na área da defesa e segurança para se aconselhar. As primeiras respostas que obteve aliviaram-no. Um dos seus homens de confiança garantiu que era impossível os generais estarem equivocados ou, na pior das hipóteses, estarem criar condições para o criminoso de guerra escapar ao longo braço da lei. O Tenente General Fernando Garcia Miala exibiu mais provas, mais pormenores, mais informações vindas de serviços secretos estrangeiros.
O Presidente José Eduardo decidiu convocar uma reunião de alto nível, no Luena, com os seus colaboradores e o Tenente General Fernando Garcia Miala. Este não gostou nada da decisão mas não teve hipótese de recuar. Foi mesmo para a capital do Moxico. Na reunião participaram o chefe do estado-maior das FAA, o chefe do estado-maior do Exército, o General do Posto de Comando Avançado, o comandante da Região Militar, o comandante da Polícia Nacional e o oficial que comandava as forças policiais integradas na operação que, tecnicamente, era de polícia.
Face às informações apresentadas, ficou decidido criar uma força que fosse na direcção indicada pelo Tenente General Fernando Garcia Miala. Não foi necessário muito tempo para se chegar a esta conclusão: Aquela era a direcção errada. As forças principais estravam na rota certa. Como ficou comprovado no dia 22 de Fevereiro de 2002, quando o longo braço da lei pôs fim ao criminoso de guerra Jonas Savimbi. O chefe Miala queria aliviar o cerco a Savimbi!
A verdade nunca morre. E face ao desfecho nas matas do Lucusse, foi preciso saber porque surgiu a versão Miala. Fácil. Serviços secretos estrangeiros queriam levantar o cerco e resgatar Jonas Savimbi para continuarem as agressões contra Angola. Afinal a alta traição à pátria vinha de outra direcção. De outros protagonistas.
O Presidente José Eduardo percebeu que o seu homem de confiança não era confiável. E começou a ser investigado. A meio das investigações aconteceu a gota de água que fez transbordar o copo. A Sonangol importou 20 milhões de dólares em dinheiro vivo. Uma operação habitual, de tempos-a-tempos. Os homens do Tenente General Fernando Garcia Miala apreenderam a encomenda no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro. O responsável máximo da petrolífera nacional exigiu a entrega do dinheiro. Face à recusa, o assunto foi levado ao Presidente da República. Os volumes do dinheiro foram devolvidos!
Surpresa! Nos pacotes, por baixo estavam maços de papel no formato das notas der 100 dólares. Na cobertura, notas de 100 dólares falsas ou simples impressões tipográficas! Os responsáveis da Sonangol protestaram. O Tenente General Fernando Garcia Miala disse que aqueles foram os volumes apreendidos no aeroporto. O Presidente José Eduardo odiava confrontações. Privilegiava o diálogo a e concertação. Os fornecedores do “dinheiro vivo” garantiam que a encomenda seguiu como as anteriores. Miala dizia que foi apreendido papel ordinário e notas falsas. Ficou assim. Voaram 20 milhões de dólares entre o Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro e os cofres da Sonangol.
Ao sentir que perdeu a confiança do Presidente da República, Fernando Garcia Miala decidiu “tomar medidas activas”. Correu mal. A infinita generosidade do Presidente José Eduardo transformou todas as trambiquices num crime por insubordinação. Em nome da paz e reconciliação nacional!
Mais tarde, o mistério dos maços de papel, as cintas, as impressões de notas de 100 dólares, ficou desvendado. Uma impressora plana e a guilhotina de uma tipografia de Luanda fizeram o trabalho. Muitos trabalhadores da empresa eram fãs de Miala e produziram o “dinheiro” clandestinamente, sem conhecimento do gerente e proprietário! Os fornecedores do dinheiro vivo mandaram mesmo notas verdadeiras!
Ofereço este presente de Natal ao Presidente João Lourenço porque acredito que ele, ao chamar o Tenente General Fernando Garcia Miala para o lugar do qual foi afastado pelo seu antecessor, José Eduardo dos Santos, não sabia destas actividades criminosas. Mas o chefe Miala e seus sequazes estão a apodrecer a direcção do MPLA. Estão a apodrecer a Presidência da República. Estão a apodrecer o Executivo. Estão a apodrecer o Poder Judicial. Até estão a apodrecer os Media públicos. Basta de corrupção. Kuabu maka!
* Jornalista
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