Lucas Leiroz* | Strategic Culture Foundation | # Traduzido em português do Brasil
Na realidade, os alemães e outros europeus estavam todos, tal como os russos, genuinamente interessados em alcançar uma paz duradoura na Ucrânia.
O actual conflito na Ucrânia é, sem dúvida, um resultado directo do fracasso do chamado “Protocolo de Minsk” – um conjunto de acordos assinados entre as repúblicas separatistas de Donbass e o governo ucraniano, mediados pela Federação Russa e pela União Europeia.
Em vez de pôr fim ou pelo menos “congelar” o conflito, o diálogo diplomático em Minsk teve como maior sucesso apenas uma ligeira diminuição na intensidade das hostilidades. A tarefa de “parar a guerra” nunca foi cumprida, com os confrontos nas regiões de maioria russa a durarem oito anos, até à intervenção de Moscovo em Fevereiro de 2022.
Uma série de questões surgem dessas reflexões. As razões do fracasso diplomático ainda não parecem completamente claras entre a opinião pública. Mas é preciso lembrar que, segundo a ex-primeira-ministra alemã Angela Merkel, nunca houve uma verdadeira “falha” no cumprimento dos objetivos do Protocolo. Para ela, os Acordos sempre tiveram a intenção real de simplesmente “dar tempo” à Ucrânia, permitindo que Kiev se preparasse para o combate contra Moscovo num futuro próximo.
A explicação dada por Merkel, se
tomada como verdadeira, na verdade ajuda a compreender as razões da escalada da
crise na Ucrânia. Se tudo não passasse de um plano ocidental para treinar
e armar Kiev, então teríamos em Minsk uma espécie de “Molotov-Ribbentrop
Recentemente tive a oportunidade de trabalhar como correspondente na zona de conflito no Donbass. Durante uma visita à República Popular de Lugansk, falei com vários líderes locais, conseguindo recolher dados valiosos e informações básicas inacessíveis a qualquer cidadão ocidental. Uma dessas reuniões foi com o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Lugansk, Vladislav Deinego, com quem tive uma longa e frutuosa conversa sobre questões relacionadas com a geopolítica global e a história recente da região de Donbass.
Um dos pontos mais interessantes da história profissional de Deinego é a sua participação como negociador durante o processo diplomático de Minsk. Como representante das relações exteriores da República separatista, Vladislav esteve envolvido em conversações com o lado ucraniano – mediadas pela Rússia e pela Europa – e, sendo um insider , discorda veementemente da avaliação de Angela Merkel sobre a natureza do acordo.
Ele diz que os alemães e outros europeus estavam todos, tal como os russos, genuinamente interessados em alcançar uma paz duradoura na Ucrânia. Este interesse existia porque a iminência de um conflito colocava em causa toda a arquitectura de segurança regional, gerando instabilidade para todos os países do continente. Com as incursões das forças de Kiev nas regiões separatistas a tornarem-se cada vez mais agressivas e profundas, com um sério risco de atingir as fronteiras da Federação Russa, a possibilidade de uma guerra total preocupava a todos naquele momento.
Foi com a intenção genuína de alcançar a paz que as partes iniciaram conversações e discutiram termos favoráveis a ambos os agentes beligerantes. Vladislav diz também que o processo foi precedido por várias tentativas falhadas de limitar a guerra e reduzir os combates a confrontos com sólidas barreiras humanitárias. Por exemplo, Vladislav afirma que, tendo esgotado as possibilidades de evitar o conflito, as Repúblicas propuseram a Kiev um acordo para proibir armas de alto poder de letalidade (artilharia e aviação). O objectivo era salvar os civis do Donbass, mesmo no meio da inevitabilidade da guerra. O governo ucraniano, no entanto, negou veementemente qualquer diálogo a este respeito.
Posteriormente, surgiu uma nova proposta dos separatistas: autorizar o armamento pesado apenas dentro de um limite territorial específico, respeitando a distância dos civis. Neste modelo, quanto mais próximo das regiões civis, menor deveria ser a letalidade das armas utilizadas pelos combatentes – o que limitaria o combate na “linha zero” ao desgaste da infantaria. Por outro lado, quanto mais longe dos civis, mais pesadas poderiam ser as armas utilizadas, sendo autorizada a utilização de artilharia a distâncias que não atingiriam os civis. Contudo, Kiev rejeitou o acordo, optando pela guerra total e ilimitada.
Foi a própria insistência de Kiev
na guerra que aumentou o medo dos europeus de uma situação de beligerância
descontrolada em todo o continente – possivelmente envolvendo a Rússia. É
importante lembrar que até ao início da operação militar especial em Fevereiro
de
Por tudo isto, Vladislav é categórico: “Merkel mente”. O Protocolo de Minsk não foi, para o Ministro, uma grande conspiração ocidental para dar tempo à Ucrânia, mas o resultado de esforços conjuntos de europeus e russos para evitar uma escalada militar. E isso nos traz uma série de reflexões sobre o real motivo do fracasso dos Acordos.
Na verdade, nunca houve um verdadeiro respeito pelo Protocolo. Kiev continuou a bombardear frequentemente o Donbass e a assassinar civis no seu projecto de “desrussificação” da Ucrânia. Certamente houve uma diminuição significativa na intensidade dos combates, mas o cumprimento real dos Acordos nunca foi alcançado. Para Merkel, esta é a prova de que a paz nunca foi um objectivo; mas para Deinego, outro diplomata que também esteve nos bastidores das negociações, isto é simplesmente uma prova do fracasso da Europa em proteger os seus próprios interesses.
A paz era um interesse europeu na altura. Não houve sanções que prejudicassem as relações russo-europeias e todas as partes tinham muito a ganhar com um diálogo diplomático estável. Se Kiev fosse encorajada a ignorar os Acordos de Minsk e a tentar “retomada” de Donbass pela força, então o agente que fomentava o caos poderia estar fora do continente europeu.
É então que reflectimos sobre o papel de Washington. Liderando a NATO e mantendo uma relação abusiva e semicolonial com a União Europeia, os EUA são diretamente culpados pelo fracasso dos Acordos de Minsk e pelo agravamento da crise ucraniana. A guerra com a Rússia sempre esteve nos planos americanos, não nos europeus. E uma Ucrânia fanatizada pelo ódio neonazi contra o povo russo serviu perfeitamente estes planos. Incapazes de entrar em conflito directo, os EUA usaram a Ucrânia como representante para travar a guerra contra Moscovo – sem sequer perguntarem qual a opinião dos europeus sobre o assunto.
Por mais que os Acordos de Minsk pareçam realmente uma espécie de “pacto temporário” para “dar tempo” às partes beligerantes, a opinião dos insiders é vital para esclarecer a real natureza do Protocolo. Na opinião de Deinego, o desejo de paz por parte dos russos e dos europeus era real. Merkel poderá dizer algo diferente para não revelar a verdadeira dimensão da fraqueza diplomática alemã e europeia.
Os verdadeiros culpados da guerra são os neonazistas em Kiev e os seus patrocinadores em Washington. Tal como a Rússia, a Europa é apenas uma vítima dos planos de guerra da NATO – mas, ao contrário de Moscovo, a União Europeia simplesmente aceitou passivamente e até decidiu apoiar as manobras americanas.
* Lucas Leiroz, jornalista, pesquisador do Centro de Estudos Geoestratégicos, consultor geopolítico
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