domingo, 24 de dezembro de 2023

Portugal | ENCONTRÁMOS 156 POLÍTICOS NA AGENDA DE RICARDO SALGADO

INVESTIGAÇÃO 74 – 15 de novembro de 2023 - com fotos e gráficos

Filipe Teles | Pedro Coelho | Paulo Barriga | Micael Pereira | Setenta e Quatro

Fernando Negrão (PSD) estava com os nervos à flor da pele. Não era todos os dias que era chamado ao gabinete do banqueiro mais poderoso do país, apesar de Negrão já na altura carregar nos ombros um estatuto de peso: deputado, ex-ministro, juiz e antigo diretor da Polícia Judiciária.

“Dirigi-me às senhoras do rés do chão… confesso que nem sabia o que dizer. Se dissesse que ia ter uma reunião com o Dr. Ricardo Salgado iam dizer que eu estava maluco”, conta o ex-presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao Banco Espírito Santo (BES). “Era uma figura inalcançável.”

No ano em que decorreu este episódio, 2013, Fernando Negrão acumulava o cargo de deputado com a advocacia no Albuquerque e Associados. O Banco Espírito Santo era cliente do escritório. “Um dia, um dos advogados do escritório recebeu uma chamada durante a qual o Dr. Ricardo Salgado disse que tinha interesse em conversar comigo”, explica o deputado do PSD. 

A proposta do presidente-executivo do BES despertou a curiosidade de Fernando Negrão. Quando já se encontrava no gabinete de Ricardo Salgado, confessou ao banqueiro: “Que estranhava muito o interesse dele em conversar comigo. E ele disse-me: 'Mas eu tenho de conversar consigo, porque o meu amigo é uma pessoa que conhece bem a sociedade portuguesa, conhece setores importantes da sociedade portuguesa'.”

E assim foi. Concluídos os serviços prestados por parte do escritório Albuquerque e Associados ao BES, Negrão continuou a conversar com Ricardo Salgado sobre “aquilo que se vai passando no país”. “Fui porque aquela conversa foi interessante”, diz. “Conversámos sobre várias matérias, incluindo o funcionamento da Justiça. Estava muito interessado no funcionamento da Justiça.”

O nome do presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Banco Espírito Santo é referenciado na agenda de Ricardo Salgado 10 vezes no espaço de seis anos. Garante, no entanto, que se reuniu apenas quatro vezes com o antigo banqueiro e, talvez, “um telefonema”. Os encontros em 2013, o telefonema em 2014.

O interesse manifestado por Ricardo Salgado no funcionamento da Justiça não seria, todavia, por acaso. Poucos meses antes, em dezembro de 2012, o antigo banqueiro tinha visitado, voluntariamente, o Departamento Central de Investigação e de Ação Penal para afugentar as suspeitas que tinham vindo a público por causa do Regime Excecional de Regularização Tributária, leis especiais muito em voga nos governos de José Sócrates e de Pedro Passos Coelho que permitiram declarar ao fisco rendimentos que até então estavam escondidos da autoridade tributária. Estava em causa a "liberalidade" de 14 milhões de euros oferecida pelo construtor da Amadora José Guilherme por serviços de consultoria, que obrigou Ricardo Salgado a alterar a sua declaração de IRS.

“Ele perguntou-me se achava aquilo uma liberalidade”, confessa Fernando Negrão. “Eu achava que não era uma liberalidade.” Foi a única vez que Negrão sentiu que o presidente-executivo do BES poderia vir a pedir-lhe um favor, garante o ex-ministro. Tiveram mais duas reuniões e Ricardo Salgado nunca mais “tocou em nada”, portanto, o deputado social-democrata ficou “descansado”. “Eu fui como advogado da Albuquerque Associados, agora não sei se era nessa qualidade que o Dr. Ricardo Salgado queria que eu fosse.” No início desta entrevista, Negrão deu outra versão: que tinha ido falar com o antigo banqueiro “na qualidade de deputado”. 

Um ano e meio depois destes encontros, Fernando Negrão, que garante não ter sido consultor de Ricardo Salgado, tornou-se presidente da comissão parlamentar de inquérito mais famosa dos últimos 15 anos. Apesar dos encontros, o deputado do PSD não se sentiu, “de maneira nenhuma”, “condicionado” para exercer o cargo de presidente da CPI ao Banco Espírito Santo.

Na altura em que foi nomeado presidente da CPI ao BES, porém, soube-se da ligação de Fernando Negrão ao escritório Albuquerque e Associados. Para acalmar as críticas, o deputado do PSD distribuiu um comunicado à imprensa: dizia que a sua associação ao escritório de advogados se limitava à “emissão de pareceres na área de direito penal e do processo penal” e que desconhecia a natureza dos serviços prestados do Albuquerque e Associados ao BES. 

O trabalho do Setenta e Quatro, da SIC e do Expresso analisou os 2268 dias da agenda do antigo presidente-executivo do Banco Espírito Santo, entre 2 de outubro de 2008 e 19 de dezembro de 2014. Com este documento, que nos traz um retrato dos conturbados dias do resgate financeiro de que Portugal foi alvo e dos momentos anteriores à queda do império do Grupo Espírito Santo, quisemos atestar o alcance da influência política do mais poderoso banqueiro do país das últimas décadas. Após um tratamento exaustivo dos dados que constam na agenda, profundamente anotada pelo antigo banqueiro, chegámos a um número: a agenda de Ricardo Salgado tem o nome de 156 políticos diferentes.

Tem deputados. Tem presidentes da Assembleia da República. Tem secretários de Estado. Tem ministros. Tem primeiros-ministros. Tem presidentes da República. Tem presidentes da Comissão Europeia

Identificámos 112 políticos portugueses e 44 políticos estrangeiros, referenciados 957 vezes na agenda de Ricardo Salgado, ou seja, uma média de 42,2% dos dias analisados. Na agenda estão 72 governantes e antigos governantes de todos os executivos da democracia portuguesa, salvo o terceiro e o quinto governos constitucionais, de iniciativa presidencial. 

A acompanhar a agenda de Ricardo Salgado, o Setenta e Quatro, a SIC e o Expresso tiveram acesso a mais de 3000 ficheiros, alguns com milhares de páginas. Analisámos atas, e-mails, processos judiciais, escutas. Contactámos 26 pessoas cujo nome surge na agenda do banqueiro, mas apenas três aceitaram gravar entrevista. 

O PRÍNCIPE DOS SALÕES

Marcelo Rebelo de Sousa extravasava confiança. Era o candidato super-favorito nas eleições presidenciais de 2016, quando, numa entrevista à SIC no mês anterior da ida às urnas, Anselmo Crespo perguntava se o atual Presidente da República ainda era “amigo de Ricardo Salgado”. Tinham-se passado 16 meses desde a queda do império Espírito Santo. O trauma da resolução do BES ainda estava fresco. 

“É muito raro ter cortes de relações com amigos”, explicou, sem complexos. “A amizade não tem nada que ver com dependência. Eu nunca trabalhei para Ricardo Salgado nem para o Grupo Espírito Santo. Nem um parecer, nem um estudo, nem isto, nem aquilo, nem aqueloutro. Nada”, respondeu Marcelo.

O nome de Marcelo Rebelo de Sousa surge 13 vezes na agenda de Ricardo Salgado, entre marcações de jantares, viagens e anotações de conversas, a primeira vez a 2 de fevereiro de 2009, a última no dia 14 de fevereiro de 2014. A companheira de então de Marcelo Rebelo de Sousa, por outro lado, era uma presença assídua no gabinete de Ricardo Salgado. Administradora não-executiva do Banco Espírito Santo, Rita Amaral Cabral aparece em 29 ocorrências na agenda. 

Rita Amaral Cabral tinha-se esquecido de reenviar um documento quando escreveu um e-mail às 12h28m do dia 13 de março de 2013 destinado a Rui Silveira, administrador-executivo do BES, encaminhado pela assistente do atual presidente da República, Delfina Brito Salvador. “Conforme indicação do Senhor Professor”, escrevia a assistente a Rita Amaral Cabral. No canto superior esquerdo do documento, com letras gordas, lia-se “Marcelo Rebelo de Sousa”.

Um parecer. 

O Presidente da República esquecera-se, na entrevista de dezembro de 2015, do parecer que fizera para a Ascendi, a concessionária de autoestradas na altura detida a 60% pela Mota-Engil e em 40%... pelo Grupo Espírito Santo. E que tinha sido diretamente pedido por Ricardo Salgado, prova uma carta de Rui Silveira para o ex-presidente do BES datada de 19 de março de 2013. 

“Era um parecer prévio, que seria seguido de um eventual parecer desenvolvido. Um método muito frequente, visto o seu conteúdo poder ser desfavorável ao pedido pela entidade solicitante”, respondeu, por escrito, Marcelo Rebelo de Sousa. “Era meu uso, nessas circunstâncias, não apresentar conta nem ser pago, devido ao teor do parecer, que é, aliás, preliminar e curtíssimo.” O Presidente da República garante-nos que não foi remunerado pelo parecer. 

Não era fácil dizer não a Ricardo Salgado, que o diga João Duque, 10 vezes referido na agenda do banqueiro e uma das três pessoas que aceitou gravar entrevista. “Ele é uma pessoa muito cordial, muito educada. Era um príncipe de salão”, lembra o presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). “Ele não andava, ele deslizava.”

Quem fazia a ponte entre João Duque e Ricardo Salgado era Eduardo Catroga, ex-ministro das Finanças, homem do PSD nas negociações com a troika em 2011, 22 vezes registado na agenda do antigo banqueiro. No mesmo ano, na cerimónia do centenário do ISEG, instituição, que, segundo Duque, gostava “muito” do banqueiro e “ele revia-se na escola”, houve um inconveniente. A ausência de Ricardo Salgado. Por lapso, não tinham convidado o banqueiro. E quando se queixou disso publicamente, houve que emendar a mão. 

“Fomos almoçar no Mirante, que é um pequeno espaço com uma vista magnífica sobre Lisboa e sobre o Tejo”, com Ricardo Salgado e Eduardo Catroga. No final da refeição, o banqueiro questionou Duque sobre a real intenção do almoço. João Duque explicou. “Gostava de mostrar a apreciação que a escola tem por si”, disse o presidente do ISEG a Ricardo Salgado, assegurando que o convite não fora enviado por erro. “Eu estava à espera de passar um cheque”, respondeu o banqueiro. Não havia necessidade, retorquiu o presidente do ISEG. 

Mais tarde, no dia 11 de julho de 2013, o conselho científico do ISEG atribuiu a Ricardo Salgado, por unanimidade, um Doutoramento Honoris Causa. A “liberalidade”, essa, já era conhecida desde o final de 2012. “Naquela altura a questão ainda era muito difusa”, argumenta João Duque. Mesmo assim, João Duque não teve dúvidas quando foi atribuir a distinção ao banqueiro. “Devo dizer que não hesitei”, esclarece. “Senti um desconforto.” 

“Era muito difícil dizer-lhe que não, era mesmo muito difícil”, lembra o economista. O banqueiro, cioso de combater a má imprensa, pediu a João Duque, em dezembro de 2013, que fizesse um estudo sobre o método de avaliação das ações cotadas da Espírito Santo Financial Group, que detinha o BES. O Wall Street Journal publicara uma história a denunciar uma técnica que o grupo usava para insuflar o valor das ações da ESFG.

“Ele pediu-me para fazer um estudo em que eu iria mostrar até que medida isto seria apropriado”, conta Duque. “Eu não fiz o estudo.” 

O “príncipe” Ricardo Salgado, epíteto utilizado tanto por João Duque como pelo antigo ministro Fernando Teixeira dos Santos, uma das três pessoas que está na agenda que aceitou gravar entrevista, para qualificar o presidente-executivo do BES, encantava os escalões do topo da hierarquia da sociedade portuguesa. “Acho que ele gostava de ser idolatrado”, conta o presidente do ISEG. “Mas numa elite social, não no povo. Ele gostava de usar o poder nos salões.”

A agenda de Ricardo Salgado corrobora as palavras de João Duque. Os nomes de primeiros-ministros, ministros das Finanças e ministros dos Negócios Estrangeiros e presidentes da República surgem inscritos 124, 39, 102 e 42 vezes na agenda. Juntos, estes cargos representam uma parcela de 32% dos políticos referenciados na agenda de Ricardo Salgado. 

Escalões mais altos do que um presidente da Comissão Europeia não existem, porventura, muitos. 

“JMDB”. Era assim que Ricardo Salgado inscrevia, na maioria das vezes, o nome de José Manuel Durão Barroso na sua agenda. Conhecido amigo de Ricardo Salgado, o antigo presidente da Comissão Europeia é o político, salvo aqueles que trabalhavam para o banqueiro, que mais vezes surge na agenda. Entre 6 de janeiro de 2009 e 23 de junho de 2014, Ricardo Salgado escreve o nome de Durão Barroso 48 vezes, anotando jantares familiares e reuniões formais, por vezes em Bruxelas, outras vezes em Lisboa. Mas não só. 

Portugal entrara no programa de ajustamento da troika, constituída pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Central Europeu e pela Comissão Europeia quando Ricardo Salgado estava a concluir os últimos pormenores de um empréstimo de 300 milhões de dólares (220,6 milhões de euros na altura) do Banco de Desenvolvimento da China ao BES. Depois de uma reunião com a maior instituição financeira chinesa no dia 25 de agosto de 2011, às 10 horas da manhã, o banqueiro escreveu um pequeno resumo do encontro nas suas notas. 

“Ficámos de ver a possibilidade de lobby”, escreveu o banqueiro. Os nomeados por Ricardo Salgado na agenda para a “possibilidade de lobby” eram o antigo chefe do executivo da Região Administrativa de Macau Edmund Ho e José Manuel Durão Barroso, na altura chefe do executivo europeu. Três dias depois, 28 de agosto, uma hora da tarde: “Ligar JMDB”.

“O Dr. Ricardo Salgado nunca usou a sua relação comigo para qualquer diligência imprópria, ilegítima ou eticamente censurável”, respondeu-nos, por escrito, Durão Barroso. “Não sendo eu o autor das notas constantes na agenda, não posso, evidentemente, especular sobre as razões que levaram à sua inclusão nela. Admito, aliás, que correspondam, em muitos casos, a intenções ou hipóteses que, por qualquer razão, que desconheço, nunca chegaram a concretizar-se.” E acrescenta: “Nunca fui contactado a esse respeito.”

Durão Barroso está a uma distância considerável do quarto governante com mais presenças na agenda, Manuel Pinho (37), antigo ministro da Economia de José Sócrates acusado de corrupção, branqueamento de capitais e evasão fiscal. Em primeiro lugar, com 67 referências, está Daniel Proença de Carvalho, ministro da Comunicação Social no quarto governo constitucional em 1978, que era advogado de Ricardo Salgado. Rita Barosa, em segundo lugar, secretária de Estado da Administração Local durante dois meses no governo de Pedro Passos Coelho e diretora do BES, surge 62 vezes na agenda do antigo banqueiro. 

Além dos encontros pessoais com Ricardo Salgado, Durão Barroso, que depois da Comissão Europeia foi presidente não-executivo da Goldman Sachs Internacional e hoje está na Aliança Global, diz-nos que se devem “retirar todas aquelas que eram reuniões coletivas”. “Tratavam-se de encontros em que eu recebia o Conséil de Cooperation Economique, uma associação que representava empresas de França, Itália, Espanha e Portugal e de que o GES, ou o BES, era membro.” 

O Conselho de Cooperação Económica surge três vezes na agenda do banqueiro, nos dias 4 de março de 2009, 2 de março de 2010 e 7 de março de 2012. Existem mais três inscrições que podem configurar, nas palavras de Barroso, "reuniões coletivas".

Noutra inscrição, quatro meses depois, no dia 14 de dezembro, o presidente-executivo do BES escrevia “URGENTE”. Esta inscrição estava apagada, mas foi recuperada pelo Laboratório da Polícia Científica da Polícia Judiciária. Dizia também: “Preparar JMDB”. 

Durão Barroso normaliza estas referências na agenda de Ricardo Salgado. “Não vislumbro nada de censurável (pelo contrário, direi que é absolutamente normal), que, em conversas pessoais, se troquem impressões sobre questões da atualidade política e económica de interesse dos participantes. É, atrevo-me a dizê-lo, o que todos nós fazemos. Importante é que nunca se ponham em causa as funções que se desempenham e as obrigações com elas associadas. O que, insisto, sempre se sucedeu”, responde o ex-presidente da Comissão Europeia.

Os últimos dias de Ricardo Salgado enquanto presidente-executivo do BES, e do BES e do GES enquanto instituições, foram de agonia. O banqueiro bateu à porta de muitas figuras para tentar salvar o banco. 

Durão Barroso foi parco nas respostas que deu às duas comissões parlamentares relacionadas com o BES. Admitiu, contudo, ter sido uma das pessoas a quem Ricardo Salgado foi bater à porta. Esta reunião formal, disse Barroso à CPI em 2021, por escrito, aconteceu em maio de 2014. 

“O Dr. Ricardo Salgado solicitou encontrar-se comigo para me transmitir as suas preocupações relativamente à situação do GES, a qual, em sua opinião, e dada a importância do referido grupo na economia portuguesa, justificava ser levada ao conhecimento do presidente da Comissão”, respondeu à CPI sobre as perdas do Novo Banco, em 2021. “Recebi o Dr. Ricardo Salgado e aconselhei-o a entrar em contacto com as autoridades portuguesas, até porque não via em que medida a Comissão poderia ter intervenção útil naquela questão”, respondeu Barroso.

“Carta ao governador a enviar ao JMDB”, escreveu Ricardo Salgado na agenda, referindo-se a Durão Barroso 

Entre 21 de novembro de 2013 e 23 de junho de 2014, Ricardo Salgado inscreveu o nome de Durão Barroso nove vezes. Três destas referências estão apagadas, mas foram recuperadas pelo Laboratório da Polícia Científica da Polícia Judiciária. Uma delas, no dia 26 de dezembro, dizia “marcar reunião” no Banco de Portugal “e com JMDB”. 

Quatro meses mais tarde, a 7 de abril de 2014, Salgado escrevia: “Carta ao governador a enviar ao JMDB”. No dia 11 de abril, inscrevia uma nota sobre um conflito de normas internacionais e que Durão se sentia “restricted”, limitado. 

“Se alguém se sente “restricted” perante um assunto que é levado ao seu conhecimento (e, repito, não me recordo de qualquer caso deste tipo), daí não se pode concluir que a diligência feita configure um caso de influência ilegítima”, afirma Durão Barroso. “Quer dizer que, para acautelar um eventual conflito de interesses, o titular de cargo público entende não intervir nessa matéria.”

"NÃO ME SUSCITA QUALQUER DESCONFIANÇA"

No início da crise financeira internacional, antes da intervenção da troika, Fernando Teixeira dos Santos era já sensível às dificuldades de financiamento das empresas no mercado. O Estado ainda não sentia os efeitos da crise, no entanto, a torneira já tinha fechado para as empresas. Por vezes, todavia, reunia-se apenas com Ricardo Salgado. 

“Foi sempre a pedido do próprio”, assegura o antigo ministro das Finanças de José Sócrates, uma das três pessoas na agenda que aceitou conceder-nos uma entrevista gravada. “Atendendo à situação de crise que se vivia, eu entendia que tinha de ouvir aquilo que os banqueiros me queriam dizer. Até porque muitas vezes eu tinha consciência que eles diziam uma coisa quando estavam em privado e outra quando estavam com outros participantes.

“Recordo-me de algumas reuniões que tive com o Dr. Ricardo Salgado. Por exemplo, uma vez ele pediu para falar comigo para se queixar da forma discriminatória como os bancos portugueses estavam a ser tratados nas operações de financiamento no mercado inglês”, conta Fernando Teixeira dos Santos. “Noutra vez, pediu para falar comigo para dar algumas sugestões, dadas as dificuldades que a banca tinha nesse financiamento, de possíveis formas de ultrapassar essas dificuldades.” 

O antigo ministro das Finanças é o oitavo do ranking de políticos, sexto se excluirmos Rita Barosa e Daniel Proença de Carvalho, com mais referências na agenda de Ricardo Salgado. Os governos de José Sócrates, de que Fernando Teixeira dos Santos fez parte, estão representados por 11 ministros na agenda do banqueiro, num total de 85 referências. O nome de José Sócrates, por exemplo, surge 32 vezes na agenda. A fechar o pódio dos governantes socialistas está Luís Amado, ministro dos Negócios Estrangeiros. "A ideia de me associarem ao Dr. Ricardo Salgado é uma efabulação”, respondeu-nos, por escrito, Luís Amado. 

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Fernando Teixeira dos Santos cruzou-se com Ricardo Salgado diversas vezes como secretário de Estado e presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), no entanto, fora alguns “eventos sociais” para os quais ambos foram convidados, assegura-nos que os encontros com o banqueiro foram “sempre por razões profissionais”. Na agenda, identificámos o seu nome 26 vezes, entre 10 de outubro de 2008 e 6 de fevereiro de 2012. 

Algumas das reuniões que Fernando Teixeira dos Santos teve com Ricardo Salgado, por outro lado, foram encontros que reuniram outros banqueiros. O antigo ministro das Finanças não se recorda do teor de todos os encontros, mas lembra-se da forma como o presidente-executivo do BES era visto pelos seus companheiros de profissão. 

“Notava-se que ele era tratado ou visto como um príncipe”, afirma Teixeira dos Santos. “Em várias reuniões que tive com os outros banqueiros, era claro o prestígio que ele gozava entre os seus pares. Ele assumia essa posição de maior destaque e de prestígio, que parecia ser reconhecida pelos seus colegas.”

Vítor Gaspar sucedeu a Fernando Teixeira do Santos no dia 21 de junho de 2011, a data em que o governo de Pedro Passos Coelho tomou posse. Após várias tentativas de contacto, o antigo ministro das Finanças, cujo nome surge na agenda de Ricardo Salgado em 27 ocorrências entre 18 de julho de 2011 e 21 de outubro de 2014, decidiu não responder às nossas perguntas. Um dos encontros que Vítor Gaspar teve com Ricardo Salgado foi no Turf Club, clube de inspiração britânica onde se entra apenas por convite.

O chefe do executivo de Gaspar, Pedro Passos Coelho, por seu turno, lembra-se da primeira vez em que conheceu Ricardo Salgado. A reunião teve “o propósito de dar a conhecer o que ele pensava sobre a situação do país, bem como para lhe transmitir a minha visão política enquanto candidato à liderança do PSD, como de resto fiz com inúmeras personalidades da sociedade civil por essa época”, disse-nos, por escrito, o ex-primeiro-ministro.

A primeira vez que o nome de Passos Coelho surge na agenda é no dia 23 de setembro de 2010, a segunda no dia 6 de dezembro do mesmo ano, ainda como presidente do PSD e quando o resgate financeiro se aproximava. “Recordo-me de ter recebido na sede do PSD os presidentes dos principais bancos portugueses a 13 de outubro de 2010”, disse-nos. “É muito natural que um pedido de audiência por parte do ex-presidente do BES tivesse sobretudo o propósito de avaliar a perspetiva do presidente do PSD naquelas circunstâncias tão particulares.”

edro Passos Coelho confirmou-nos oito reuniões com o presidente-executivo do BES referidas na agenda, uma delas com os principais bancos, a pedido do ministro Vítor Gaspar “para preparar” a negociação sobre “a transferência dos fundos de pensões da banca para a Segurança Social”. “As audiências com o Dr. Ricardo Salgado foram sempre realizadas a seu pedido e normalmente tinham um carácter “protocolar” sem qualquer objetivo definido”, responde o ex-primeiro-ministro. “Uma ou outra vez o Dr. Ricardo Salgado dava-me a conhecer researches [estudos] do banco, numa atitude que sempre me pareceu de gentileza e de promoção da imagem do banco.”

O vice-primeiro-ministro do governo liderado pelos sociais-democratas, Paulo Portas, é referido 27 vezes na agenda de Ricardo Salgado. "Entre essas anotações e a realidade vai uma considerável diferença", responde-nos, por escrito, Paulo Portas. O número de referências a Paulo Portas na agenda contrasta com o que o antigo ministro dos Negócios Estrangeiro disse na CPI do BES, no dia 17 de março de 2015, pois Portas admitiu ter tido apenas um encontro com Ricardo Salgado, a 20 de maio de 2014. 

Ricardo Salgado, por seu turno, quando os prejuízos do BES faziam capa de jornais e o banqueiro batia à porta de muitos políticos influentes, como Durão Barroso, regista o nome de Paulo Portas seis vezes em 2014. As últimas três referências na agenda a Paulo Portas ocorrem no dia 30 de junho, 1 de julho e 3 de julho. “Não confirmo essas alegadas reuniões de 30 de junho, 1 de julho e 3 de julho”, respondeu-nos Paulo Portas.

A agenda de Ricardo Salgado tem 13 ministros e secretários de Estado dos governos de Passos Coelho, com 65 referências. Três dos ministros eram do CDS. Nos primeiros quatro meses do governo de Passos Coelho, Salgado reuniu-se com sete dos 12 ministros do executivo do PSD e do CDS. 

“Nenhum dos ministros em causa me deu conta dessas eventuais audiências, nem me parece, francamente, que o devessem fazer”, respondeu Passos Coelho. “Que o banqueiro se queira apressar a apresentar cumprimentos e a contactar ministros novos não me suscita qualquer desconfiança.” 

Este trabalho teve a colaboração de Ana Adriano Mota

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