Carvalho da Silva* |
Jornal de Notícias | opinião
Para se compreender o conjunto do
sistema de emprego e das remunerações salariais que lhe estão associadas, é
indispensável uma análise atenta ao padrão de especialização da nossa economia.
Essa análise deverá ser
acompanhada por estudos rigorosos sobre: o estado do Sistema de Relações
Laborais nos setores privado e público; a persistência de uma política de
desvalorização salarial e das profissões; as causas que levam os portugueses a
serem condescendentes com a pobreza e com as desigualdades.
O economista José Reis tem
colocado ênfase na observação do sistema de criação de valor em que assenta a
economia portuguesa, isto é, na identificação dos ramos de atividades às quais
se dedica capital e trabalho. Ora, como ainda recentemente ele mencionava, em
2020, em Portugal, 75% do emprego estava concentrado em ramos de atividade com
produtividade igual ou inferior a 90% da produtividade média nacional.
O comércio, o alojamento e a
restauração ocupavam já 22% do emprego. Em atividades administrativas e de
apoio - incluem limpeza, segurança, e muitos subcontratados - encontravam-se
16,8%. Os ramos industriais menos produtivos tinham 8,4% do emprego. 5% estavam
na agricultura. Acontece ainda que, dos 520 mil postos de trabalho criados
depois de 2013, 314 mil surgiram nestes ramos de baixa produtividade. Este
número sobe para 395 mil, se tivermos em conta a redução de emprego verificada
na agricultura e no serviço doméstico. Tudo indica que estes dados vêm a
piorar.
Esta semana, a Fundação José
Neves divulgou um relatório titulado, Estado da Nação: Educação, Emprego e
Competências em Portugal, que atualiza leituras de alguns indicadores - embora
em poucas áreas - propiciadores de reflexão sobre peias crónicas ao nosso
desenvolvimento. A diminuição dos salários reais e da diferença salarial entre
jovens com ensino superior e com ensino secundário, a falta de literacia
digital e a não evolução tecnológica das empresas, e o
"desajustamento" da Escola, foram dos tópicos mais comentados. Alguns
dos comentários assentaram em interpretações parcelares e em sugestões
enviesadas. É preciso dizer que a pólvora está descoberta há muito tempo.
Num ano, tivemos 105 mil jovens
com licenciatura ou mais, que emigraram. Eles dispõem de preparação e
conhecimentos digitais, mas foram "exportados" porque se
"desajustam" do emprego disponível no país.
Estamos prisioneiros do enorme
peso de atividades de baixo valor acrescentado - onde o emprego é pouco
qualificado ou tido como tal - que se articula com a promoção de políticas de
desvalorização salarial, reforçada pela utilização de imigrantes em situações
de vulnerabilidade, e com uma prolongada fragilização e até achincalhamento da
negociação coletiva. O Governo dá mau exemplo quando não negoceia e arrasta
conflitos, quando promove acordos de contenção salarial. Além disso, temos um
baixo nível de formação de empresários e discursos pacóvios que
"promovem" os trabalhadores a colaboradores, para fugirem à fixação
dos seus direitos e deveres.
Não esperemos que a Escola e a
formação - que é preciso melhorar - venham por si resolver os
"desajustamentos" do mercado de trabalho.
Há empresários inovadores e
conscientes dos desafios? Sem dúvida. Todavia, quando existe possibilidade de
obter lucros com mão de obra barata, baixam as hipóteses de inovação. E as
"boas vontades" para repartir riqueza estão a léguas do efeito da
contratação coletiva no crescimento dos salários e na modernização das empresas
e serviços.
*Investigador e professor
universitário