domingo, 18 de junho de 2023

Angola | A MINHA MANIFESTAÇÃO DE PROTESTO – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Os portões do tempo não têm guardas nem ferrolhos, entramos e saímos quando desejamos. Nós sim, minha amada Pátria, temos um guarda de sentinela aos nossos desejos, uma prisão ameaça os nossos actos e os nossos sentimentos estão sob vigilância policial.

Minha amada Pátria, nós aprendemos a lutar por ti, sob a bandeira do MPLA. Foi o movimento que nos ensinou a lutar. Sem medo do chefe do posto, do sipaio, do ximba ou do bufo. Foi por isso que chegámos ao dia 11 de Novembro de 1975. A liberdade custou muitas vidas, muitos sonhos foram triturados. 

No dia 12 de Novembro de 1975 descobrimos que Luanda estava vazia. Angola estava vazia. Sós nos deixaram as paredes arruinadas e as vidas cansadas. Muitos fugiram das suas terras para ficarem sob a protecção do MPLA na capital. Fizeram das fraquezas forças e sobreviveram. O sentimento de familiaridade era mais forte do que o de nacionalidade. Havia sempre lugar para mais um. Mais um resto de conduto para partilhar. A zunga nasceu aí. Na nossa Pátria precária surgiu uma classe social, da base ao topo, que nas ruas fazia comércio de nada.

Nós vínhamos de uma infância de tongas e kapopas, filmes do espadachim Errol Flynn, Cantinflas, Toto e Fernandel, muamba de galinha kabiri nos dias festivos, maruvo fresquinho e um jipe willys. O tempo movia-se à velocidade dos nossos passos e nunca nos deixou para trás. Depois crescemos e aprendemos com o MPLA que com tempo ou sem tempo, ninguém fica para trás. Agostinho Neto jurou solenemente que o MPLA É o Povo e o Povo É o MPLA. Acreditávamos nele mais do que em nós.

O MPLA ganhou as eleições com maioria absoluta. O seu cabeça de lista é o Chefe de Estado e Titular do Poder Executivo. Os ministros, secretários de estado, directores-gerais ou nem por isso e outros servidores públicos são do MPLA ou próximos, quando não são acomodados, primos, sobrinhos, madalenos e outra fauna protegida.

Contigo, minha amada Pátria, fomos capazes de desenhar a génese, inventar pastores de sonhos, criadores de flores (eu quero rosas de porcelana à mesa), inventores da roda da vida, os domadores do fogo, mágicos que transformam punhais em abraços, flechas certeiras contra os karkamanos, a metamorfose dos frutos e a essência das mariposas. Devemos-te tudo, Pátria amada, minha Mãe. Uma dívida eterna. Por ti lutaremos até ao último suspiro.

O governo do MPLA aumentou cem por cento menos uns pós o preço do litro da gasolina. Um cabeçudo acomodado à sombra do nosso partido proibiu a zunga. Desmantelaram os armazéns que forneciam zungueiras e zungueiros. Do dia para a noite, milhares de famílias que foram para Luanda procurando protecção do MPLA viram-se despojadas de tudo o que dá de comer à vida mas também lhes confiscaram a dignidade. 

Tu, minha amada Pátria, és o triunfo do verde do Pingano e da água fresca. Ainda tínhamos os olhos prisioneiros do pânico de respirar e tu deste-nos a luz do dia. Vem, Pátria minha, repousar um instante na nossa casinha da Kapopa. Vem comigo percorrer aas picadas do Bindo, eu ensino-te onde faz ninho o pombo verde. Vem ver as colinas de Karunda, os mangueirais da estrada do Puri, os areais do Kimbele, os cafezais do Cazengo.

Hoje, sábado de um tempo qualquer, o povo protestou nas ruas de Luanda e outras cidades de Angola. Que ninguém fique admirado. O MPLA é que nos ensinou a protestar sejam quais forem os amos. Sejam quais forem os donos e ocupantes dos tronos. O povo aprendeu bem a lição. Ficou hoje provado. O meu amigo Zé garantiu-me que não se via uma única bandeira da UNITA. Uma única camisola com a cara do Adalberto. Era mesmo o povo que sofre. A revolta que nos ensinou o MPLA. Eu vi um cartaz escrito à mão que dizia: Abaixo a Miséria! Estou contigo, meu companheiro de luta. Se alguém mudou não fui eu.

Minha amada Pátria. Quero regressar contigo ao largo da infância. Vamos passar as madrugadas espreitando os kazumbis a dançar nos ramos das mulembas e mafumeiras. Vamos assaltar as muralhas onde ficou aprisionada a nossa liberdade e os farrapos de uma felicidade que só precisava de espaço para correr à solta.

Não vale a pena por os ovos no ninho das barragens que outros construíram ou lançaram os projectos. Não adianta visitar todos os dias o Aeroporto Agostinho Neto no Bom Jesus e prometer aberturas, reaberturas e inaugurações. Não se enganem. Não nos enganem. Querem acabar com a zunga? Eu também. Mas primeiro criem alternativas aos milhões de pessoas que vivem da venda ambulante nas ruas. Não as condenem à miséria absoluta. 

Os combustíveis são subsidiados. Querem acabar com essa medida? Façam favor. Mas não aumentem o preço cem por cento, de um dia para o outro. Façam isso gradualmente e expliquem a medida. Adoptem políticas sociais para não acrescentarem pobreza à pobreza, miséria à miséria, precariedade à precariedade. Governem para as pessoas e não para o FMI e as mafias internacionais às quais pertencem figurões como o Durão Barroso ou o Tio Célito.

O Estado, tal como um qualquer patrão prepotente, pagou os salários aos funcionários públicos com intolerável atraso. Quem fez isto recebe muito dinheiro quando quer e quanto quer. Tem mordomias milionárias. Nunca viveu a angústia de nada ter para os filhos comerem. Por isso, estou cem por cento com os manifestantes de hoje. 

João Lourenço, o exonerador implacável, acha bem que a ministra das Finanças falte com os salários aos trabalhadores não pagando a tempo e horas? Acha bem que a tutela da Administração Pública atrase o pagamento dos salários aos funcionários? Sei que não acha. Por isso devia estar à frente dos manifestantes nas ruas de Luanda. E na segunda-feira deve exonerar quem falhou estrondosamente. O chefe do governo não é o FMI.

Não quero que o MPLA já não seja o Povo. Muito menos aceito que o MPLA seja apenas João Lourenço. Não quero que entre os deputados do MPLA e os da UNITA já não exista qualquer diferença.

*Jornalista

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