Artur Queiroz*, Luanda
Os portões do tempo não têm guardas nem ferrolhos, entramos e saímos quando desejamos. Nós sim, minha amada Pátria, temos um guarda de sentinela aos nossos desejos, uma prisão ameaça os nossos actos e os nossos sentimentos estão sob vigilância policial.
Minha amada Pátria, nós
aprendemos a lutar por ti, sob a bandeira do MPLA. Foi o movimento que nos
ensinou a lutar. Sem medo do chefe do posto, do sipaio, do ximba ou do bufo.
Foi por isso que chegámos ao dia 11 de Novembro de
No dia 12 de Novembro de 1975 descobrimos que Luanda estava vazia. Angola estava vazia. Sós nos deixaram as paredes arruinadas e as vidas cansadas. Muitos fugiram das suas terras para ficarem sob a protecção do MPLA na capital. Fizeram das fraquezas forças e sobreviveram. O sentimento de familiaridade era mais forte do que o de nacionalidade. Havia sempre lugar para mais um. Mais um resto de conduto para partilhar. A zunga nasceu aí. Na nossa Pátria precária surgiu uma classe social, da base ao topo, que nas ruas fazia comércio de nada.
Nós vínhamos de uma infância de tongas e kapopas, filmes do espadachim Errol Flynn, Cantinflas, Toto e Fernandel, muamba de galinha kabiri nos dias festivos, maruvo fresquinho e um jipe willys. O tempo movia-se à velocidade dos nossos passos e nunca nos deixou para trás. Depois crescemos e aprendemos com o MPLA que com tempo ou sem tempo, ninguém fica para trás. Agostinho Neto jurou solenemente que o MPLA É o Povo e o Povo É o MPLA. Acreditávamos nele mais do que em nós.
O MPLA ganhou as eleições com maioria absoluta. O seu cabeça de lista é o Chefe de Estado e Titular do Poder Executivo. Os ministros, secretários de estado, directores-gerais ou nem por isso e outros servidores públicos são do MPLA ou próximos, quando não são acomodados, primos, sobrinhos, madalenos e outra fauna protegida.
Contigo, minha amada Pátria, fomos capazes de desenhar a génese, inventar pastores de sonhos, criadores de flores (eu quero rosas de porcelana à mesa), inventores da roda da vida, os domadores do fogo, mágicos que transformam punhais em abraços, flechas certeiras contra os karkamanos, a metamorfose dos frutos e a essência das mariposas. Devemos-te tudo, Pátria amada, minha Mãe. Uma dívida eterna. Por ti lutaremos até ao último suspiro.
O governo do MPLA aumentou cem por cento menos uns pós o preço do litro da gasolina. Um cabeçudo acomodado à sombra do nosso partido proibiu a zunga. Desmantelaram os armazéns que forneciam zungueiras e zungueiros. Do dia para a noite, milhares de famílias que foram para Luanda procurando protecção do MPLA viram-se despojadas de tudo o que dá de comer à vida mas também lhes confiscaram a dignidade.
Tu, minha amada Pátria, és o triunfo do verde do Pingano e da água fresca. Ainda tínhamos os olhos prisioneiros do pânico de respirar e tu deste-nos a luz do dia. Vem, Pátria minha, repousar um instante na nossa casinha da Kapopa. Vem comigo percorrer aas picadas do Bindo, eu ensino-te onde faz ninho o pombo verde. Vem ver as colinas de Karunda, os mangueirais da estrada do Puri, os areais do Kimbele, os cafezais do Cazengo.
Hoje, sábado de um tempo qualquer, o povo protestou nas ruas de Luanda e outras cidades de Angola. Que ninguém fique admirado. O MPLA é que nos ensinou a protestar sejam quais forem os amos. Sejam quais forem os donos e ocupantes dos tronos. O povo aprendeu bem a lição. Ficou hoje provado. O meu amigo Zé garantiu-me que não se via uma única bandeira da UNITA. Uma única camisola com a cara do Adalberto. Era mesmo o povo que sofre. A revolta que nos ensinou o MPLA. Eu vi um cartaz escrito à mão que dizia: Abaixo a Miséria! Estou contigo, meu companheiro de luta. Se alguém mudou não fui eu.
Minha amada Pátria. Quero regressar contigo ao largo da infância. Vamos passar as madrugadas espreitando os kazumbis a dançar nos ramos das mulembas e mafumeiras. Vamos assaltar as muralhas onde ficou aprisionada a nossa liberdade e os farrapos de uma felicidade que só precisava de espaço para correr à solta.
Não vale a pena por os ovos no ninho das barragens que outros construíram ou lançaram os projectos. Não adianta visitar todos os dias o Aeroporto Agostinho Neto no Bom Jesus e prometer aberturas, reaberturas e inaugurações. Não se enganem. Não nos enganem. Querem acabar com a zunga? Eu também. Mas primeiro criem alternativas aos milhões de pessoas que vivem da venda ambulante nas ruas. Não as condenem à miséria absoluta.
Os combustíveis são subsidiados. Querem acabar com essa medida? Façam favor. Mas não aumentem o preço cem por cento, de um dia para o outro. Façam isso gradualmente e expliquem a medida. Adoptem políticas sociais para não acrescentarem pobreza à pobreza, miséria à miséria, precariedade à precariedade. Governem para as pessoas e não para o FMI e as mafias internacionais às quais pertencem figurões como o Durão Barroso ou o Tio Célito.
O Estado, tal como um qualquer patrão prepotente, pagou os salários aos funcionários públicos com intolerável atraso. Quem fez isto recebe muito dinheiro quando quer e quanto quer. Tem mordomias milionárias. Nunca viveu a angústia de nada ter para os filhos comerem. Por isso, estou cem por cento com os manifestantes de hoje.
João Lourenço, o exonerador implacável, acha bem que a ministra das Finanças falte com os salários aos trabalhadores não pagando a tempo e horas? Acha bem que a tutela da Administração Pública atrase o pagamento dos salários aos funcionários? Sei que não acha. Por isso devia estar à frente dos manifestantes nas ruas de Luanda. E na segunda-feira deve exonerar quem falhou estrondosamente. O chefe do governo não é o FMI.
Não quero que o MPLA já não seja o Povo. Muito menos aceito que o MPLA seja apenas João Lourenço. Não quero que entre os deputados do MPLA e os da UNITA já não exista qualquer diferença.
*Jornalista
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