domingo, 25 de fevereiro de 2024

Angola | Os Malefícios da Memória -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O Jornalismo é uma armadilha mortal. A única arma dos Jornalistas é a memória. Escrevemos de memória, reportamos memórias, criamos mensagens informativas com factos armazenados na memória. Usamos permanentemente a memória. Estamos proibidos de esquecer. Carregamos até ao fim da vida lixo humano. Sofremos com a violência das coisas tristes, que é mortal. Aqui e ali, uma alegria. Uma boa notícia. Quero chorar! Não tenho lágrimas que me rolem na face, cantava Nat King Cole. Quero esquecer. O Jornalismo não me autoriza, digo eu.

O meu texto sobre o “traidor nato” Jonas Savimbi e a entrevista com dez anos ao inspector da PIDE Óscar Cardoso desencadearam insultos e ameaças. Críticas mais ou menos aceitáveis. Maldita memória! Um dia destes mata-me.

Redacção da Emissora Oficial de Angola, 1974. O secretário provincial da comunicação social, comandante Correia Jesuíno, telefonou-me e ordenou: Vá imediatamente para a Base Aérea Tem de partir para o Luso (Luena). O Almirante Rosa Coutinho está lá no aeroporto”. Parti na minha Mini Honda com o Artur Arriscado à boleia, agarrado a mim como s fosse cola-tudo. Na portaria da base aérea militar de Luanda identificámo-nos e um oficial levou-nos para um avião militar. 

No aeroporto do Luena estava o Almirante Rosa Coutinho, presidente da Junta Governativa de Angola. Disse-me que Agostinho Nerto e Jonas Savimbi iam assinar um acordo importantíssimo para o desenrolar do processo de descolonização. O encontro entre as duas delegações ia acontecer numa vivenda na cidade.

Agostinho Neto chegou escoltado pelos comandantes Dack Doy e Orlog. Savimbi estava com Rosa Coutinho. O chefe da UNITA curvou-se respeitosamente ante o líder do MPLA. Não estava a fingir. E disse estas palavras: “É uma honra cumprimentar vossa excelência!”

A reunião decorreu à porta fechada. O Artur Arriscado, com um microfone direcional ainda tentou captar sons do interior. Não conseguiu. Esperámos. Do lado do MPLA estavam Agostinho Neto e Lúcio Lara. Savimbi e Nzau Puna representavam a UNITA. Quando recebemos autorização para entrar, Lúcio Lara leu um comunicado aos jornalistas. A UNITA e o MPLA tinham acabado de assinar um acordo de cooperação e amizade. Todos aplaudiram.

Um jornalista perguntou a Jonas Savimbi o que significava aquele momento. E ele respondeu: “Este acordo que acabámos de assinar, pelo menos teoricamente contribui para a frente comum, que durante os passados meses tem sido afincadamente procurada pelos três movimentos de libertação. Espero que os irmãos da FNLA sigam este exemplo”.

Depois de muitas perguntas e respostas, acabou a conferência de imprensa. Jonas Savimbi levantou-se da mesa, veio ao meu encontro, abraçou-me e disse alto e bom som: “Artur Queiroz estás sempre a criticar-me, não achas que este acontecimento foi importante?” Arranjei um tom ainda mais alto e respondi: “Importantíssimo. Mas só se cumprires o que assinaste. Não acredito que cumpras!”

Agostinho Neto fingiu que não ouviu, Lúcio Lara lançou-me um olhar fulminante de reprovação, Nzau Puna não perdeu o sorriso que tinha desde o início e os jornalistas, todos ao serviço dos colonos ricos, rosnaram impropérios e ameaças. Savimbi encaixou e riu-se. Quando conheci o Jonas ele e eu éramos uns rosqueiros. Depois enveredou pela carreira de assassino e criminoso de guerra. Virou Savimbi, o filho da morte.

O chefe do Galo Negro tirou a máscara quando entrou no Lubango, em 1975, à boleia dos racistas da África do Sul. Afirmou aos microfones do Rádio Clube da Huíla: “Quando chegarmos a Luanda o Artur Queiroz sai da Rádio e vamos ajustar contas!” Ouvi o som e fiquei feliz. O Muata da Paz já era um pobre diabo, fraco, covarde, que ousou ameaçar um pobre repórter formado na velha escola da notícia. 

Hoje voltaram as ameaças. Um artista até me acusou de estar a branquear a imagem da PIDE ao publicar uma entrevista com o fundador dos FLECHAS e oficial de ligação entre o regime racista de Pretória e a UNITA. Entrevistar um inspector da PIDE foi criminoso, diz o crítico. E não valia a pena porque ele disse o que toda a gente sabe. 

Aí está enganado. O Xavier Figueiredo diz que é tudo propaganda do MPLA contra Jonas Savmbi. Pelo menos esse, vai ter de engolir as declarações do criador dos FLECHAS da PIDE e da UNITA. Querem matar o mensageiro! Estão à vontade. Estou farto de pagar contas e comprar medicamentos. Tirem-me deste filme de terror.

Abílio Camalata Numa é apresentado pelo Coronel Ian Breytenbach, fundador do Batalhão Búfalo e das tropas da UNITA, como “cunhadio de Jonas Savimbi e covarde. Colocava-se sempre a 30 quilómetros da frente de combate”. Disfarçava a covardia matando. Tornou-se o assassino às ordens do chefe.

Hoje, o criminoso de guerra Numa, kaxiko dos racistas de Pretória, desdobra-se em entrevistas nas quais ameaça tudo e todos. O nababo recebe milhões do Estado Angolano por ter feito tudo para liquidar o Estado Angolano. Instalar em Angola e na África Austral um regime racista dirigido por Pretória, Um médico meu amigo diz que a besta insanável sofre de demência frontotemporal. Só lhe resta a memória de assassino. Tenham cuidado com o cão. E comigo!

O campeão da paz em África soma vitórias sobre vitórias. Em Cabo Delgado, Moçambique, o banditismo armado savimbista (A UNITA é um cancro com ramificações que vão de Angola à contracosta) regressou em força. Graças ao Presidente João Lourenço. 

A sua vitória esmagadora foi no Sudão. O campeão da paz em África já conseguiu, em dez meses de guerra, 13.900 mortos, 8,1 milhões de deslocados e 1,8 milhões de refugiados. São números da ONU! Parabéns campeão! Um aviso (quem te avisa teu amigo é): A maka no Leste da República Democrática do Congo vai sobrar para Angola.

Nós por cá todos bem. Está a decorrer em Luanda o “Valentine’s Diamond Show”. Segundo a TPA, o público ficou fascinado! O senhor Mankenda Ambroise garante que os diamantes de Angola ”têm muita qualidade e beleza, servem para fazer joias muito populares para oferecer no dia dos namorados”. A minha nunca me deu joias. Tivemos mil dias de namorados. Nada. Tive outros tantos dias de amantes. Nada. Abdiquei de namoradas e amantes. 

Atenção, muita atenção! O senhor Jardel Duarte aproveitou o “Valentine’s Diamond Show” para anunciar a salvação da pátria: “Angola encastra diamantes!”. Fiquei esmagado. O campeão da paz é um campeoníssimo. Devemos-lhe mais do que às nossas Mamãs.

Uma senhora ucraniana disse aos jornalistas do ocidente alargado sobre o “segundo aniversário” da guerra na Ucrânia: “São dez anos de guerra. Isto é terrível”.

Zelensky deixou um aviso aos russos: “Vão ser dizimados. Vamos vencer a guerra”. Úrsula von der Leyen confirmou: “Vamos ganhar a guerra. O apoio continua. A Europa está ao vosso lado”. Uma força de expressão. Estão ao lado mas na cama ou no sofá a ver televisão. Porque nas trincheiras e nos cemitérios só estão os pobres ucranianos.

Todos falam em dois anos de guerra na Ucrânia. Só uma senhora ucraniana sabe contar até dez. O analfabetismo afunda o ocidente alargado. Porque a guerra já tem dez anos! Os nazis de Kiev, nessa década, assassinaram 16.000 ucranianos russos nas “repúblicas independentistas”. A ONU chamou a esses crimes uma ”limpeza étnica”. 

A mulher a dias da RTP (canal oficial português), Cândida Pinto, garantiu hoje que o “envio de mais armas, munições e carros de combate para a Ucrânia vai salvar muitas vidas nas trincheiras”. A porcaria da paz é que mata milhões de seres humanos. Maldita paz!

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