A luta saiu à rua num dia assim
Raquel Moleiro, jornalista | Expresso (curto)
Bom dia
Há um mês exato era só um. Um
homem, 32 anos, agente da PSP do Comando Metropolitano de Lisboa colocado na
Divisão de Segurança Aeroportuária, sozinho em vigília junto à escadaria da
Assembleia da República, farto de muito trabalho e remuneração “indigna e
injusta”. Os colegas conheciam-lhe os desabafos em textos e vídeos que
viralizavam em grupos de WhatsApp e Telegram. Pedro Costa não ficou muito tempo
desacompanhado. Desde o primeiro dia foram-se juntando, às dezenas, depois
centenas, outros elementos da PSP, militares da GNR e membros da Guarda
Prisional. A 24 de janeiro eram já 15 mil, convocados por uma plataforma de 11
sindicatos, a percorrer o centro de Lisboa até ao Parlamento, numa “manifestação histórica” de forças de segurança. No Porto repetiu-se a enchente, a 31 de janeiro.
O protesto continuou a ganhar corpo, número, espaço nacional, congregou movimentos
inorgânicos, como o Movimento Zero que estava adormecido há vários meses, em
muito alimentado pela aprovação pelo Governo de um suplemento de missão apenas
aos inspetores da Polícia Judiciária. Diz hoje o Público que os agentes dos serviços de informações
também foram aumentados e tiveram revisão de carreira. Nas redes sociais e
grupos privados foram-se escalando as manifestações de desagrado. Carros
patrulha inoperacionais, esquadras fechadas, menos detenções.
Em tempo de campanha eleitoral, não houve partido que não lhes desse razão. O
ministro da Administração Interna tentou amainar os ânimos com uma proposta,
mas só os inflamou ao apresentar um valor inferior ao alcançado pela PJ.
Radicalizaram-se posições e formas de protesto. A 3 de fevereiro, dos 15
agentes destacados para o jogo Famalicão-Sporting, apenas 3
compareceram ao serviço, o que levou à suspensão da partida e de mais duas
nesse fim de semana, também pela falta de efetivos. A maioria pôs baixa médica.
Mas mais do que a perturbação futebolística foi a “ameaça”
às eleições legislativas que extremou os lados. “Se o Governo continuar sem
dizer ou fazer nada, temo que o senhor primeiro-ministro não vá ficar em funções só
até 10 de março”, admitiu Armando Ferreira, presidente do Sindicato
Nacional da Polícia, recordando que “quem transporta as urnas de voto são as
forças de segurança”. Por estar em causa o dever de obediência e o compromisso
de missão, a IGAI abriu dois inquéritos, houve participações ao MP,
iniciou-se um processo de verificação de baixas, com António Costa a apelidar de “ato grave de traição à
democracia" qualquer atitude que ponha em causa o ato eleitoral. Henrique
Monteiro, na sua crónica de hoje, chama-lhe “A ameaça invisível”.
Para já, as eleições parecem estar seguras. A plataforma que reúne os
principais sindicatos das polícias garantiu ontem, em comunicado, que não vai
boicotar as legislativas, em março. Mas não vai ficar quieta. No próximo dia 15 há
vigílias nos aeroportos e portos, no dia 19 está marcada uma parada para o
Terreiro do Paço, a 2 de março realiza-se um encontro nacional de polícias e
está ainda em cima da mesa um protesto durante o jogo Benfica-Toulouse, para a
Liga Europa, no Estádio da Luz.
Depois há os atos que fogem aos sindicatos, nascidos e engordados nas redes,
por organizações pop-up, como o marcado para hoje, por iniciativa do ‘Movimento
INOP’ e já apoiado e divulgado pelo ‘Movimento Zero’ - “O Movimento Inop é o
Movimento Zero com outro nome”, explica-se no podcast Expresso da Manhã. Para assinalar um mês de luta, a partir
das 22h, agentes e militares vão entregar voluntariamente as armas ao graduado
de serviço, seguindo-se uma vigília no exterior da esquadra, posto ou unidade.
OUTRAS NOTÍCIAS
Em debate. Já foram 5, faltam 25 debates entre os cabeças de
lista às eleições legislativas de dia 10 de março. Na segunda-feira, Pedro Nuno
Santos (PS) defrontou Rui Rocha (IL) e Inês Sousa Real (PAN) confrontou André
Ventura (Chega). Ontem, a líder do PAN regressou à arena televisiva na estreia de Paulo
Raimundo (CDU), Luís Montenegro (AD) debateu com Mariana Mortágua (BE) e Ventura sentou-se frente-a-frente com a Iniciativa Liberal.
Esta quarta-feira, entra
Sem moção. Iam ser votadas esta quarta-feira as duas moções de censura ao
Governo Regional da Madeira, interpostas pelo PS e pelo Chega, para forçar a
dissolução do executivo, mas foram retiradas por óbvio esvaziamento de
propósito, após a demissão – já aceite - de Miguel Albuquerque. Em vez disso,
arranca o processo de decisão sobre o futuro governativo do arquipélago. O
representante da República para a Madeira, Irineu Barreto, começa hoje a ouvir
os representantes dos nove partidos com assento parlamentar regional. A par,
segue a investigação judicial que deu origem à crise política. O novelo de indícios
de corrupção está a ser deslindado em três inquéritos-crime do DCIAP. Pedro Calado, ex-presidente da câmara do Funchal começou
ontem a ser ouvido no campus de Justiça, em Lisboa, após 14 dias de detenção.
As medidas de coação dos três detidos – o antigo autarca e dois empresários da
construção – deverão ser conhecidas até ao fim da semana.
Operação Pretoriano. Também a braços com a Justiça está Fernando Madureira,
líder dos Super Dragões, detido pelo alegado envolvimento na intimidação de
apoiantes de André Villas-Boas durante a Assembleia Geral extraordinária do FC
Porto, a 13 de novembro. Detido no fim de janeiro, juntamente com mais onze
elementos da claque, incluindo a sua mulher, vai saber hoje, às 16h, se sai em
liberdade ou se vai aguardar o julgamento em prisão preventiva como pediu ontem o Ministério Público (MP).
Os restantes arguidos também conhecem à mesma hora as medidas de coação
aplicadas pelo juiz de instrução criminal, Pedro Miguel Vieira.
Marcador viciado. Ainda no mundo do futebol, e da Justiça, esta
quarta-feira é lida a sentença do empresário César Boaventura, acusado pelo MP de três crimes de corrupção ativa
por aliciar com dinheiro três jogadores do Rio Ave e um do Marítimo para
facilitarem em jogos contra o Benfica na época 2015-16. Apesar de aparecer como
suposto beneficiado, o clube da Luz não foi acusado.
7 anos de lume brando. Os grandes incêndios de Pedrógão Grande ocorreram em
2017 mas só esta quarta-feira será conhecida a decisão do Tribunal da Relação
de Coimbra em relação às burlas e crime de prevaricação relacionados com a
reconstrução das casas. Há cerca de dois anos, o ex-presidente da Câmara de
Pedrógão Grande Valdemar Alves e outros 13 arguidos foram condenados, o
primeiro a uma pena de sete anos de prisão efetiva, mas 12 recorreram da
sentença.
A força dos tratores. A Confederação Nacional da Agricultura marcou para hoje mais uma manifestação, desta vez
Mais sarampo. A DGS confirma a existência de um novo caso de sarampo, um homem de 29 anos, associado a
um doente identificado anteriormente, e que está clinicamente estável. Desde 11
de janeiro, foram confirmados sete casos, dois na região de Lisboa e Vale do
Tejo e cinco no Norte
Global Media. Esgota-se hoje o prazo prometido para o pagamento dos
salários em atraso no Grupo Global Media e há luz ao fundo do túnel. Os acionistas Marco Galinha, José
Pedro Soeiro, Kevin Ho e Mendes Ferreira chegaram ontem a acordo com um grupo
de investidores para vender algumas das principais marcas da Global Media - o
JN, o Jogo e a TSF – e a transferência de dinheiro para os ordenados de janeiro
vai avançar. O Diário de Notícias fica na pose de Marco Galinha.
Adeus ao sol. Depois de duas semanas primaveris,o tempo regressa ao seu tempo, de Inverno, com chuva e
aguaceiros e descida das temperaturas. A partir de amanhã, quinta-feira, o
Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) colocou 13 distritos em aviso
amarelo, por causa da precipitação, vento e agitação marítima. O Carnaval será
frio e molhado, para azar dos corsos e dos sambistas com roupa de verão.
Lá fora
Morte
Balas para a Ucrânia. Até ao final de março, a União Europeia vai enviar
para a Ucrânia 500 mil munições de artilharia. Parece muito, mas é metade do
que foi prometido inicialmente. O porta-voz da Casa Branca, John Kirby, diz que
a escassez já se sente no terreno e está a obrigar o
exército ucraniano a "tomar decisões difíceis que não deveria ter de
tomar”, para que continue a fazer frente à invasão russa. Ao apoio material, Von
der Leyen juntará no próximo mês mais 50 milhões de euros para o “futuro membro
da EU”. Josep Borrell, o chefe da diplomacia da UE, que se encontra em Kiev,
passou esta noite num abrigo devido a um ataque com mísseis à capital. As bombas e as mortes continuam. A situação da central de Zaporijia é “preocupante”. Já lá vão 713 dias de guerra.
Sonho de oposição. A Comissão Central de Eleições da Rússia decide hoje se
aceita a candidatura às eleições presidenciais de Boris Nadezhdine, o único candidato que se opõe diretamente ao atual
Presidente russo, Vladimir Putin. O político russo apresentou mais de 200 mil assinaturas, o dobro do mínimo
exigido para entrar na corrida eleitoral que decorre entre 15 e 17 de março.
Porém, a comissão já divulgou terem sido constatadas irregularidades.
O rei tem cancro. Não escondeu, ocultou ou usou meias palavras. O Rei
Carlos III, de Inglaterra, tem cancro e anunciou-o ao povo, em comunicado,
adiantando que já iniciou “um programa de tratamentos regulares”. Vão vê-lo
menos, mas não abrirá mão das atividades de Estado e da burocracia oficial. O
Pedro Cordeiro explica aqui tudo o que muda com a doença do monarca britânico.
A primeira lei. A Presidência belga do Conselho da União Europeia e o
Parlamento Europeu concordaram em avançar com uma lei contra a violência
doméstica e violência contra as mulheres, o primeiro instrumento legal europeu
nesse sentido. A legislação criminaliza a mutilação genital feminina, o
casamento forçado, a partilha não consentida de imagens intimas e a
perseguição, assédio e incitamento ao ódio ou à violência online. Estabelece também
infrações específicas e penas, introduzindo circunstâncias agravantes, como a
reincidência, vítimas vulneráveis ou uso de níveis extremos de violência, e
obriga os estados-membros a assegurar proteção e apoio especializados.
Chile em chamas. Os violentos incêndios que afetam a região chilena de
Valparaíso já fizeram 131 vítimas mortais, mas apenas foi possível identificar
35. Há ainda centenas de desaparecidos e milhares de pessoas desalojadas.
Salto espacial. Há 40 anos, um astronauta da NASA andou, pela primeira
vez, solto no espaço, sem estar ligado por um cabo à nave. O engenheiro Bruce
McCandless II afastou-se sozinho do vaivém Challenger graças a uma ‘armadura’
movida a nitrogénio e com controlo manual. “Pode ter sido um pequeno passo para
Neil [Armstrong], mas é um grande salto para mim”, disse então McCandless.
FRASES
“Tal como muitos episódios de comédias leves, os debates também serão algo
previsíveis e não alterarão substancialmente nem a narrativa dos protagonistas,
nem a nossa perceção sobre a realidade. Por outro lado, ao contrário das
sitcoms, este entretenimento não faz sorrir e até indispõe”
Manuel Cardoso, humorista, no Expresso.
“Estou muito contente. Foi muito difícil e agora chegou o momento”
Celeste Bigisa, uma das últimas moradoras do Bairro da Jamaica, no Seixal. O
realojamento de 234 famílias termina esta quarta-feira.
“Trump está melhor equipado agora para causar estragos do que estava há quatro
anos”
Alan Katz, antigo embaixador dos EUA em Portugal e democrata, em entrevista ao DN.
PODCASTS
“O combate à extrema-direita não pode
ser o centro da política”. Marisa Matias, eurodeputada e duas vezes candidata à
Presidência da República pelo BE, deixa críticas à tradição dos governos mais
recentes serem o “bom aluno” da UE, esperando que o próximo governo reconheça a
Palestina. É a terceira convidada de Sebastião Bugalho, no podcast Os Protagonistas, da SIC Notícias.
“Precisamos
que os subsídios aos combustíveis fósseis acabem o mais rapidamente possível”. A
desflorestação e a emissão de dióxido de carbono têm de ser travadas, mas
ativistas e governos vão ter de repensar estratégias para convencer as
populações a reduzirem a poluição, alerta a climatologista Ana Bastos, em
entrevista ao Futuro do Futuro.
“É
possível saber quando é que os preços da habitação vão começar a recuar?” O
valor das casas em Portugal, entre julho e setembro de 2023, subiram 10% face
ao ano anterior, mas não foi assim em todos os municípios. Lisboa e Funchal até
desaceleraram, explica-se no novo episódio do Economia dia a dia.
O QUE ANDO A VER (E A LER)
Primeiro vi a reportagem multimédia, escrita pela Christiana Martins, com
as fotos do Nuno Fox e os vídeos do José Cedovim Pinto e
do Tiago Pereira Santos e o grafismo animado do Carlos Paes.
Depois o documentário. Um e outro sobrepõem-se e completam-se para contar com
todos os pormenores a história de Joana Grilo, dos 21 anos em que o seu
rosto foi sendo reconstruído e das 20 cirurgias que foram precisas até que
ela conseguisse agora trincar uma maçã.
Joana nasceu com síndrome de Goldenhar, uma alteração congénita que lhe alterou
a formação do rosto, e que a impedia de respirar, falar, comer ou dormir sem
esforço. O ano passado, uma vasta equipa multidisciplinar do Hospital de Santa
Maria, liderada pelo cirurgião plástico José Guimarães Ferreira, que a
acompanha desde o nascimento, e apoiada por um engenheiro civil, criou um
dispositivo médico único que permitiu reconstruir e recuperar a funcionalidade
da sua mandíbula anormalmente pequena, fazendo com que a jovem seja melhor compreendida
ao falar, dando-lhe uma nova perspetiva de futuro, com mais autoestima e vida
social.
Porque até ali foi difícil. Doeu. As crianças que se riram dela no 6º ano
quando entrou no refeitório. O aprender a afastar-se quando o ambiente não é
favorável. Dar um sorriso a mais quando é preciso. A mãe também a sentir o que
ela sentiu, quando no supermercado uma mulher disse “que horror” ao ver a Joana
ainda criança. Ou quando lhe deram os parabéns por não esconder a filha.
A recuperação de Joana incluiu a inspiração na construção de catedrais
medievais, titânio e fibra de carbono, fragmentos de perónio, 20 parafusos, uma
cirurgia com três equipas em simultâneo, 12 médicos e oito enfermeiros, dez
horas de bloco. O resultado pode lê-lo e vê-lo aqui. Não se vai arrepender.
Este ‘Curto’ fica por aqui, que já vai longo. O resto da atualidade segue no Expresso.
Sem comentários:
Enviar um comentário