sábado, 23 de março de 2024

Angola | Ecos do Dia da Poesia – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Não me peças sorrisos que ainda transpiro os ais dos feridos nas batalhas. Estas palavras foram escritas por Agostinho Neto nos anos 50, tempo dos vossos avós, vós que recebestes a Pátria Livre de mão beijada. Vós que viveis escravizados por teres e haveres imerecidos. Vós que para a Liberdade não destes suor e muito menos sangue. Quem são? Todos os que tomaram de assalto palácios e cofres. Confiscaram a esperança. Derrotaram a dignidade. Sabemos quem são. Toleramos cobardemente os novos donos.

Não me exijas glórias que sou eu o soldado desconhecido da Humanidade. As honras
cabem aos generais. 

Não queremos a vã glória de mandar. Não fomos atolados na vã cobiça. Somos filhos da madrugada mas também da liberdade. Aprendemos a ser livres nas fileiras do MPLA. Na luta pela dignidade. Nas batalhas pela libertação da Mamã Angola. Nunca ambicionámos coroas de louros. Nunca nos enfeitámos com glórias. Mas nunca por nunca podemos aceitar os assaltos à honra dos nossos Generais. Nunca. A eles devemos tudo o que temos e tudo o que somos. 

O general de todos os generais escreveu: A minha glória/é tudo o que padeço e que sofri/
os meus sorrisos/tudo o que chorei. Nem sorrisos, nem glória. 

Seguimos seus passos sem hesitar. Sem um ai de tristeza. Sem um arrependimento mesmo quando o sangue jorrou e a morte levou os melhores de nós. E de repente os abutres que debicam o corpo macerado de África poisaram em Angola e fizeram ninho no Palácio da Cidade Alta. O Tulinabo Mushingi, embaixador do estado terrorista mais perigoso do mundo em Luanda, vai todos os dias ao Palácio do Povo tratar dos seus negócios. Cobrar os milhões do “corridor” do Lobito. E os nossos generais exauridos olham estupefactos para o descalabro. Os combatentes esgotam-se na procura do pão para a mesa. O colonialismo regressou pela mão da traição!

O General de todos os Generais já sabia. Sempre soube. Olhava para ontem e descobria o amanhã hora a hora, minuto a minuto. Há 75 Neto anos escreveu que só nos resta “um rosto triste/por tanto esforço perdido/- o esforço das tenazes que à tarde se cansam”.

Generais da Pátria Angolana estão cansados? Tão cedo vós partistes desta vida descontente! Mamã Angola vos chama, implora, chora, derrama tristezas sobre a terra ainda ensanguentada. 

Não peçam sorrisos aos Generais da Liberdade. Porque Agostinho Neto apenas tem as mãos calejadas e o rosto duro “de quem constrói a estrada/por que há-de caminhar/pedra após pedra/em terreno difícil”. 

Não lhe peçam sorrisos! Aquele que nunca se encontrou no catálogo das glórias humanas apenas quis a glória de ser Angolano. O orgulho de ser Angolano. Escorraçar os abutres que debicavam nos seios da Mamã Angola. 

O General de todos os Generais indicou-nos o caminho da Liberdade. E sem pedir nada deixou o testamento: Sigam-no seja qual for o preço. Tantos pagaram imenso com as vidas, com a juventude que é muito mais do que vida. Para agora alguns chamarem novos donos e com eles construírem os tronos onde se senta o rei insaciável lá no Palácio da Cidade Alta.

 Um fraco rei faz fraca a forte gente.

Sim Manguxi, às lavras, às aldeias, às cidades voltámos. Aqui estamos à espera da bênção dos abutres. Tão cedo acabou a festa e se apagaram os sorrisos. O fim é mesmo fim e não fingimento ou ameaça de revolta. Antes o cheiro a mortos vinha dos campos das batalhas pela Liberdade, a Soberania e a Integridade Territorial. Hoje vem dos tugúrios, das cubatas, das casas onde repousam e definham os guerreiros.

Estes ainda são os ecos do Dia da Poesia. O dia em que o Tulinabo foi apresentar a conta ao Palácio da Cidade Alta. Dia em que grevistas foram presos. Dia em que voltaram os dias de muito sol mas sem luz. Dia em que o embaixador alemão foi saber qual a parte de Angola em que pode debicar o seu pedaço das riquezas que deixaram de ser do Povo Angolano.

No espantoso dia em que foi anunciado o número de kamanguistas, além dos sicários da UNITA. Ou que estão ao serviço do Galo Negro. Eles são um milhão e 300 mil. Muitos operam com grandes máquinas e ninguém vê!

 Um empregado governamental dos que alimentam a maquineta da kamanga disse que “Angola vai criminalizar a actividade mineira ilegal”. Até agora não era crime? Não sabem o que dizem mas também não sabem o que fazem.

A partir de hoje a Federação Russa entrou em guerra contra a OTAN (ou NATO). Lá se foram os ecos do Dia da Poesia. O embaixador dos EUA e o embaixador da Alemanha foram ao Palácio da Cidade Alta. Querem arrastar Angola e os angolanos para a guerra? 

Ao nível da “narrativa” já arrastaram. O voto de Angola na Assembleia-Geral da ONU foi a favor da guerra do ocidente alargado contra a Federação Russa por procuração passada à Ucrânia. Não nos peçam sorrisos. Porque é fraqueza entre gungas e olongos ser leão. O Povo Angolano está sem forças para escorraçar os vendilhões.

A democracia vive de muitos e graves equívocos. Um deles afasta-me irremediavelmente do sistema. Em Portugal existe um partido racista e xenófobo que por isso mesmo não pode existir. O tal de Chega só existe porque há uma coligação tenebrosa, por baixo da mesa, entre o poder económico e o poder judicial. Esse partido foi às eleições (às quais não podia concorrer porque também não pode existir) e mais de um milhão de eleitores confiou-lhe o voto. Imaginem que só tinham ido às urnas esses votantes e eu. Ganhavam os racistas e xenófobos! Perdia o voto contra os crimes de ódio. 

Eu digo que o Sol é uma estrela. Um milhão diz que é uma lanterna. Estou certo e isolado. Na democracia a maioria tem razão mesmo que cometa crimes contra a Humanidade. Por isso a sua posição não devia ser levada em conta. Os errados que votaram no Chega colocaram 50 deputados racistas e xenófobos no Parlamento Português. Um erro trágico. O racismo e a xenofobia têm uma força inaudita a poucos dias dos 50 anos do 25 de Abril. Vai piorar.

* Jornalista

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