terça-feira, 12 de março de 2024

O Vinho Sobe à Cabeça – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O vinho é um mundo fabuloso criado pelo deus da alegria, Dionísio. Beber é como cantar e dançar, fecundar uma mulher em nome da eternidade. O Ditirambo Grego. Os romanos não ficaram atrás dos gregos e criaram Baco. Desde então o vinho passou a ser essência das bacanais, festas à altura dos patrícios romanos e da malta do Bairro Operário. Ou mesmo do Marçal. Em Benguela o território é mais amplo: Bairro Benfica (de uma ponta à outra), Kioche (Lanterna Vermelha, que saudades!), Masangarala com o Salão Voz de Cabo Verde, onde todos os anos actuava Bana acompanhado ao violão pelo meu amigo Armando Tito. 

Os enólogos descobriram que o vinho tem notas de madeiras exóticas, canela acabada de moer e perfume de mulher ao natural. Com esta conversa nem me apetece beber um tinto da minha idade. Os cardiologistas têm razão. As artérias coronárias não podem ser entupidas com esses sabores desalmados.

O vinho embebeda. E de que maneira. Uma litrada é tiro e queda. Mas convém guardar alguma discrição. Aviso já que a Imprensa Livre do Século XIX fazia campanhas contra a embriaguez nas ruas. O príncipe do Jornalismo Angolano, José de Fontes Pereira, lutou bravamente contra a bebedeira pública. Se estivesse entre nós, ia ter muito trabalho.

Alar Karis, presidente da Estónia, está em Luanda. A TPA diz que é a sua primeira visita a África!       Devíamos todos ajoelhar-nos aos pés do neonazi belicista por nos ter concedido tão grande honra. Sabem que mais? Aquele país báltico informatizou o governo! Há internet em toda as casas. Aprendam com os extremistas de Talin. O Presidente João Lourenço vai imediatamente assinar acordos de cooperação para um dia destes sermos iguais aos letónios.

Bebedeira à parte convém saber que a Estónia tem 45 mil quilómetros quadrados, Angola tem 1.247.000 quilómetros quadrados: Um milhão duzentos e quarenta e sete mil! A província do Zaire tem a mesma dimensão da Estónia. O país tem pouco mais de um milhão de habitantes, menos de dez por cento da população de Luanda. Ao contrário do nosso campeão da paz em África, o presidente e o governo da Letónia são raivosamente belicistas. Querem a guerra a todo o custo contra a Federação Russa. 

Quando vos passar a bebedeira tomem nota. Os russos são 25 por cento da população da Estónia e Letónia. As antigas repúblicas soviéticas que quiseram ser independentes da actual Federação Russa assinaram um acordo no qual se comprometeram a garantir igualdade de direitos aos russos. Não estão a cumprir. Pelo contrário, perseguem esses cidadãos.

O mesmo aconteceu na Ucrânia mas mais grave, depois do golpe de estado ocorrido em 2014. As hordas nazis ucranianas entretinham-se a matar russos no Leste da Ucrânia. A ONU chamou-lhe uma limpeza étnica! E Zelensky aprovou leis que são verdadeiramente de apartheid. Proibiu a língua Russa, que é falada por mais de metade da população ucraniana. É a mais falada na Europa. São 140 milhões de europeus falando russo! 

Maldita bebedeira. O chefe da Estónia disse no Palácio da Cidade Alta, ao lado do Presidente João Lourenço, que a Federação Russa é colonialista! E protagoniza “uma agressão brutal à Ucrânia”. Ferozmente belicista, Alar Karis avançou para a bazófia: “Se consentirmos que a Rússia ganhe a guerra na Ucrânia mais nenhum país no mundo é seguro!” E convidou João Lourenço para a conferência de ”paz” do Zelensky contra a Federação Russa. 

Os países bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia) têm por junto menos de seis milhões de habitantes. A Estónia do Alar Karis tem 6.500 militares. Mas a Liga Armada, milícias neonazis, tem 20.000. Os três querem guerra a todo o custo. O nosso campeão da paz respondeu que a Estónia deu grandes saltos depois de aderir à União Europeia e à OTAN (pu NATO). Se eu estivesse no lugar do Presidente da República naquele momento, mesmo sóbrio, explicava ao senhor Alar que ele só estava ali a falar porque os soviéticos ajudaram Angola durante décadas, a esmagar os colonialistas e os invasores estrangeiros. 

Sem o apoio dos “russos colonialistas” ao Povo Angolano, o governador-geral português ainda hoje estava no Palácio da Cidade Alta. João Lourenço nem chegava a kapitupitu da Kanata. Se eu ouvisse os desaforos do senhor Alar contra um país amigo, no mínimo, chamava-lhe bêbado. Kaporrotista! Do Presidente João Lourenço esperava que, no mínimo, lhe dissesse que é campeão da paz e não embarca em aventuras belicistas, seja onde for, muito menos na Ucrânia.

Pelas palavras de João Lourenço ao lado de Alar Karis permito-me concluir que também vai pedir a adesão de Angola à OTAN (ou NATO). E também à União Europeia invocando os anos em que o país foi Portugal do Minho a Timor. Quanto ao chefe da Estónia, quando ficar sóbrio, expliquem-lhe que os EUA invadiram e destruíram o Iraque. A Estónia mandou 55 militares. O país, acabado de nascer, inscreveu o nome na “coligação internacional” que andava à procura das armas de destruição maciça. Os EUA invadiram e destruíram o Afeganistão. 

Sob a capa da OTAN (ou NATO) o estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA)  invadiu  e destruiu a Jugoslávia, país amigo de Angola ao qual muito devemos a Independência Nacional. Invadiu e destruiu a Líbia, país africano que tinha um rendimento per capita superior ao da União Europeia que faz a Estónia dar saltos.

A estrada entre Catete e Maria Teresa está a ser alargada para nove metros. Os trabalhos correm lentamente porque foram encontrados engenhos explosivos ao longo desse troço. Primeiro actuam as brigadas de desminagem. Só depois os construtores da via. Quando vos passar a bebedeira não esqueçam: A guerra acabou há mais de 20 anos e ainda temos surpresas dessas. Vão continuar nos próximos 100 anos. 

As bebedeiras levam alguns a deitar abaixo o Presidente José Eduardo dos Santos. Tomem nota. Ele não era o campeão da paz mas fez algo único na História Universal. Exércitos estrangeiros invadiram Angola. O país mergulhado na Guerra pela Soberania Nacional e a Integridade Territorial mas nunca declarou o estado de sítio, estado de guerra o estado de emergência. Após 1992 o mesmo. Os bandoleiros do Galo Negro destruíram tudo. Mataram. Escorraçaram milhares de pessoas das suas casas. Mas nunca foram comprimidas ou suspensas as liberdades, direitos e garantias.

Agora vou beber um tinto com notas de madeiras exóticas e rico em aromas de frutos vermelhos. Em 1961 foi muito pior e sobrevivi. 

* Jornalista

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