terça-feira, 12 de março de 2024

A Tangente dos Empatados -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O fim da guerra colonial é um ganho irreversível do 25 de Abril. A grande vitória do Movimento das Forças Armadas. O fim do colonialismo português e do fascismo. A bandeira da Revolução dos Cravos. Também não voltam para trás as independências das colónias. Ainda que a Independência de Angola esteja hoje na gaveta do genocida Joe Biden. Nada que perdure para lá de 2027, quando o Presidente João Lourenço deixa a Cidade Alta e vai morar noutro palácio sabe-se lá onde.

Aliança Democrática e Partido Socialista estão empatados mas ainda falta apurar quatro mandatos dos “círculos da emigração” (Europa e resto do mundo). Polícias, agentes do Ministério Público peritos em parágrafos que ajudam a derrubar primeiros-ministros, alguns juízes e outro pessoal prestimoso ganharam estrondosamente. O partido Chega, racista e xenófobo, elegeu 48 deputados! Espero que não seja necessária uma guerra para desnazificar Portugal.

Os empatados gostam de tangentes. O número de votos contados dá uma vitória à tangente para qualquer dos lados. Mas os líderes também passam tangentes à verdade. Luís Montenegro, líder da Aliança Democrático, passou da tangente à secante e bateu violentamente na verdade. 

No discurso de vitória disse que “o povo português elegeu o meu governo. Quer que eu governe”. Mentira. Apenas 29,5 por cento dos eleitores votaram na AD e o “povo português” é mais do que esse número. Não acredito que 71 por cento dos habitantes de Portugal sejam estrangeiros. Outro embate contra a verdade tem a ver com a “eleição do governo”. Luís Montenegro precisa de umas lições, coisa rápida. As eleições serviram para eleger deputados e não um governo. Montenegro disse que tem “todas as condições para governar”. Se isso é verdade, o gato escondido com rabo de fora fica todo à mostra.

Ninguém consegue governar um país com 79 deputados em 320. Impossível. Mas tudo muda se o “gato” emprestar 48 deputados à Aliança Democrática. Para isso o partido Chega tem de ir para o governo. La se vai a palavra e a coerência política de Montenegro. Não. A Aliança Democrática, sem o Chega, não tem a mínima condição para governar. O Partido Socialista também não. Este quadro de vitórias tangenciais e crescimento desmesurado dos fascistas, racistas e xenófobos foi pintado por Marcelo Rebelo de Sousa. Conseguiu!

Pedro Nuno Santos também atacou a verdade à tangente. No seu discurso garantiu que a Aliança Democrática ganhou as eleições. Afirmação ousada. Estão por apurar quatro deputados e a diferença, para já, é de apenas dois mandatos. E atropelou a verdade ao afirmar que “em Portugal não há 18 por cento de portugueses racistas e xenófobos”. Ai não? Tem razão. Há mais. Muitos estão na Aliança Democrática ou na Iniciativa Liberal. No Partido Socialista e outros partidos de esquerda nunca se sabe…

Isto quer dizer que os socialistas podem acabar esta corrida eleitoral em primeiro lugar com dois mandatos a mais do que o principal adversário. Pedro Nuno Santos não quer governar nestas condições. E faz bem. Muito inteligente, este líder socialista. Montenegro que se entenda com os feios, porcos e maus do Chega. Que fale com o dono do Pingo Doce, dos CTT, dos touros, da Procuradoria-Geral das República, dos juízes da corda, dos polícias nazis. Angolanas e angolanos, cuidado! Em Portugal vai começar a caça aos pretos. Lá temos que vestir o camuflado e carregar a “AKA”.  Lutar pela dignidade “é o símbolo da Raça ou a vingança de Sandu...”

E se o gato escondido com rabo de fora não é Marcelo Rebelo de Sousa? Nesse caso retiro tudo o que escrevi. Contados os votos da “emigração” ele demite-se e vai jantar com a Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, uma das grandes vencedoras da noite eleitoral portuguesa.

O Presidente João Lourenço foi autorizado por Joe Biden a receber em Luanda Paul Kagame. Campeão da paz frente a frente com o campeão da guerra pelos recursos naturais raros da República Democrática do Congo. É a vida. O nosso Mobutu acaba de espantar o mundo ao dizer que a electricidade é fundamental para desenvolver a indústria em Angola. A sério? Ninguém sabia. 

Em Malanje a água não corre nas torneiras há quase duas semanas. Se o Presidente da República descobre faz logo um discurso profundo e pede licença ao Joe Biden para reparar os canos. Os malanjinos ficam eternamente agradecidos ao genocida de Washington.

O Conselho de Fundadores e o Conselho de Administração da Fundação Doutor António Agostinho Neto (FAAN) emitiu um comunicado, no qual manifesta apoio incondicional à “Opinião Nr. 63-2023 do Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, com sede em Genebra”.

O documento foi aprovado no dia 14 de Novembro de 2023, apenas três dias após a festa da Independência Nacional. E refere o processo de Carlos São Vicente “membro fundador da Fundação”. O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas no seu documento conta toda a história do processo judicial (ao contrário do que afirmou o PGR Pita Grós) “contra o nosso membro fundador”. E o documento da ONU refere no parágrafo 104: “O Sr. Dr. Carlos Manuel de São Vicente foi privado de liberdade arbitrariamente por violação dos Artigos 9 e 14 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e dos Artigos 10 e 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos”.

No seu comunicado, a FAAN “exorta o Governo angolano a implementar a Opinião 63-2023, demonstrando respeitar os direitos humanos e a dignidade humana”. Os fundadores e Conselho de Administração da Fundação Doutor António Agostinho Neto apela ao Executivo “a investigar as circunstâncias que envolveram o cometimento de tantas ilegalidades, incluindo a prisão arbitrária, e a corrigir os erros judiciais cometidos contra o Sr. Dr. Carlos Manuel de São Vicente, como é esperado num Estado de Direito”.

No deserto do Namibe existem uns passarões que metem a cabeça debaixo da areia quando pressentem a tempestade. No Executivo e na Presidência da República não convém nada agir assim. Não imitem as avestruzes. 

* Jornalista

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