Lia Pereira, jornalista | Expresso (curto)
Começo por lhe fazer um convite:
hoje, às 14h00, "Junte-se à Conversa" com David Dinis e Pedro
Cordeiro para falar sobre "Trump vs Biden: o que esperar do remake?". Inscreva-se aqui.
20 de março. No hemisfério norte, este é o dia que assinala a chegada da
primavera. Mas no retângulo ocidental a que chamamos Portugal, a época mais
florida e poética do ano surge, em 2024, ensombrada por nuvens de
instabilidade. Poderá não ser uma primavera de destroços, como cantavam há mais
de 20 anos os Mão Morta, mas – apesar da meteorologia benfazeja - também
estamos longe de um cenário idílico.
No Palácio de Belém, Marcelo Rebelo de Sousa recebeu ontem Pedro Nuno Santos.
Duas horas depois, o líder do Partido Socialista confirmou entregar a Luís
Montenegro a tarefa de apresentar um “governo estável”, chamando a si e ao seu
partido a missão de representar uma “oposição responsável”. Como tal,
disponibiliza-se para, no prazo de 30 dias, chegar a um entendimento com a AD para aumentar os salários de
professores, forças de segurança, profissionais de saúde e oficiais de justiça,
aprovando um orçamento retificativo até ao verão.
Ainda que o resultado final das eleições permaneça por apurar, enquanto se
contam os últimos votos da emigração, Pedro Nuno Santos não quer complicar (“O
país precisa de um governo estável e o PS não tem uma maioria para apresentar”)
e mostra-se disponível para estabelecer com Luís Montenegro um acordo sobre
aumentos para vários grupos profissionais da função pública. “O Governo ainda
em funções deixou-nos numa situação financeira e económica [que nos permite
fazê-lo]”, acredita o secretário-geral socialista, que quer também ter uma
palavra a dizer na futura localização do aeroporto. Já a hipótese de o PS
aprovar o Orçamento do Estado para 2025 é, vai avisando, “praticamente
impossível”.
Hoje, quarta-feira, o Presidente da República recebe a delegação da AD, na
pessoa de Luís Montenegro, encerrando assim a ronda de audiências que se
seguiram às eleições de 10 de março. O encontro está marcado para a hora a que
a CNE (Comissão Nacional de Eleições) deixa de receber votos do estrangeiro,
pelas 17h00.
Até ontem, haviam sido escrutinados e registados cerca de 260 mil votos de
portugueses residentes no estrangeiro. A menos de 50 mil votos da meta, confirma-se a tendência:
eleição de dois deputados para o Chega (Europa e Fora da Europa), um para o PS
(Europa) e um para a AD (Fora da Europa).
Se Portugal fosse uma das séries que parecem ter substituído as novelas no
imaginário coletivo, seria difícil adivinhar o desfecho desta temporada. Mais
duas achegas para os próximos episódios: as reuniões à esquerda convocadas pelo Bloco arrancam esta
quarta-feira, com o PAN, e o CDS mostra-se incomodado com uma possível entrada da IL no
governo.
Operação Maestro - O empresário e comentador Manuel Serrão e o jornalista
Júlio Magalhães são alvos da Operação Maestro, no âmbito da qual a Polícia
Judiciária investiga o alegado desvio de cerca de 40 milhões de euros do Fundo Europeu
de Desenvolvimento Regional. Na TVI, Júlio Magalhães suspendeu a
apresentação de noticiários. Quanto a Manuel Serrão, Margarida Cardoso
apresenta-lhe os negócios do “mais antigo feirante de moda português”.
Entretanto, o Ministério Público suspeita que Manuel Serrão tenha usado fundos europeus para pagar a estada
de oito anos num hotel de luxo, e o Público escreve que também a estilista Katty Xiomara e o centro de inovação tecnológica
têxtil Citeve estão na mira das autoridades.
Herman José - Fez esta quarta-feira 70 anos e foi condecorado com a Medalha
de Mérito Cultural. Para António Costa, não é por acaso que o artista celebra,
em 2024, 50 anos de carreira: a mesma idade da democracia portuguesa. Apresentando-o como “um humorista incondicionalmente
comprometido com a liberdade”, o primeiro-ministro cessante lembrou que “o
humor é vital para qualquer sociedade democrática, porque põe à prova a
liberdade de expressão." O génio de Herman José pode, e deve, ser
recordado no ensaio de Pedro Boucherie Mendes que, em fevereiro,
fez capa da revista do Expresso.
Metro - Boas notícias para quem vive em Loures e Odivelas: até dezembro de
2026 deverá estar concluída a nova linha violeta,
Putin - Uma investigação do Novaya Gazeta, jornal russo independente, várias
vezes censurado pelo Kremlin, indica que cerca de metade dos votos em Vladimir Putin, nas eleições
presidenciais deste fim de semana, foram falsificados.
Israel - O Canadá anunciou que vai suspender o envio de armas para Israel. A decisão
insere-se num quadro de apoio ao cessar-fogo em Gaza, à libertação dos detidos
e à solução dos dois Estados. Entretanto, Israel vai enviar representantes do
seu governo aos Estados Unidos, para explicar os planos da ofensiva contra
Rafah, no sul de Gaza, que defende ser a única forma de eliminar o Hamas.
Depeche Mode - Os autores de ‘Enjoy the Silence’ atuaram esta terça-feira na
Meo Arena, em Lisboa, naquele que foi o seu primeiro concerto em Portugal desde
a morte de Andy Fletcher, teclista e membro fundador do grupo. 22 canções
depois, Dave Gahan e Martin Gore provaram que há bandas que, por muito que
sofram, dão sempre a volta por cima. A crónica e as fotos desta noite especial estão aqui.
Kate e William - O público exige saber o que se passa, na realidade, com a
família real inglesa. O desejo nasce da procura simultânea por perfeição e autenticidade e a
especulação tem sido “tão intensa como ridícula”, diz o constitucionalista Bob
Morris ao Expresso.
FRASES
“Ao contrário da ideia comum,
acho que as legislativas não provaram que a ‘cerca sanitária’ ao Chega falhou.
Quando 66% do eleitorado do PSD recusa qualquer aproximação ao partido de
Ventura, o mais provável era a AD ter descido bastante caso a estratégia
fosse outra. Não: o que faltou na campanha do PSD, da AD ou de Montenegro não
foi a estratégia, foi a ausência de sonho”, David Dinis, no Expresso
“Santos Silva é praticamente certo que ficará de fora”, José Cesário,
representante do PSD na assembleia do apuramento de votos da emigração, na RTP
“[Receber a condecoração] é uma felicidade potenciada pelo facto de vir de um
de um Governo que está hiper-demissionário. São pessoas que daqui a uns dias já
não mandam nada”, Herman José na entrega da Medalha de Mérito Cultural
PODCASTS
“Do que está a dona do Multibanco a ser acusada? Em causa está uma multa de
milhões”, Economia Dia a Dia
“Montenegro vai desviar-se dos obstáculos ou vai ao choque?”, Comissão Política
“Iolanda: ‘Tenho pensado muito na questão do boicote a Israel. É um assunto que
caiu nas minhas mãos ao ganhar o Festival da Canção'”, Posto Emissor
O QUE ANDO A LER
“Intemporal” é, provavelmente, um dos adjetivos que com menos critério usamos
para elogiar uma obra de arte. Mas o que dizer quando, numa crónica escrita em
1944, se encontra uma ideia que podia ter sido esboçada ontem, dia em que uma avaria na Linha de Cascais complicou ainda mais a vida dos
utentes, ou em qualquer outra jornada de quem tem “a vida para levar”, como
cantaria Chico Buarque?
Rubem Braga viveu entre 1913 e 1990, no Brasil, e entrou para a história da
cultura do seu país como exímio autor de crónicas, essas “couves tristes da
literatura”, como o próprio definiu o seu ofício. Em março de 1944, partiu de
um caso de “greve branca” (desgaste propositado da maquinaria de uma fábrica)
para fazer o retrato do “tipo mais abundante de máquinas” no país. “Essas
máquinas a que chamaremos, com uma certa boa vontade, humanas. E eis um
problema a meditar: o desgaste que se faz, no Brasil, nas máquinas de carne e
osso. Vá o leitor assistir, de manhã ou tarde, a uma partida ou chegada dos
trens suburbanos em que viajam essas máquinas de carne e osso. Ali, sim, é
possível observar o desgaste violento, quase aflitivo, das maquinarias. É
difícil acreditar que estamos ali diante da mesma espécie de animal que se
exibe nas areias de Copacabana. A maioria das mulheres e dos homens, inclusive
das crianças, tem um ar de coisa usada – e abusada.”
“É que as criaturas humanas são máquinas muito delicadas – e não há outras
máquinas neste país de que se cuide menos. Pobres máquinas de carne e osso!
Para mantê-las em bom estado de funcionamento, para que rendessem mais e
durassem mais, seria preciso que recebessem, na ração que a Vida lhes oferece
todo dia, um pouco mais de carne e um pouco menos de osso – desses ossos
inumeráveis que a maioria de nossa gente tem de roer com tanta fúria e tão maus
dentes, e daquela carne que não é apenas a que tantas vezes não existe no fim das
intermináveis filas, mas também tudo o que na vida tem su[b]stância e sangue,
as alegrias mais naturais e necessárias ao corpo e à alma a que todos têm
direito e tão poucos têm acesso.”
Reunidas em “Desculpem Tocar no Assunto” (edição Tinta da China), as crónicas
de Rubem Braga são um sobressalto de humor, de ternura e de uma acutilância
crítica tão sorrateira que quase passa despercebida. O que nos recorda que, na
hora da morte, o escritor pediu ao filho que não tornasse público o dia das
exéquias. “Agradeça a quem pretenda qualquer disposição em contrário, por mais
honrosa que seja, mas não ceda aos símbolos da morte, que assustam as crianças
e entristecem os adultos. Viva a vida.” Uma mensagem adequada ao Dia do Pai,
que ontem se celebrou: parabéns a quem sabe ser pai, a quem ainda o tem e/ou a
quem sabe honrar a sua memória, apesar da hipocrisia que, segundo defende Henrique Raposo, um
dia destes pode representar.
Despeço-me, desejando que continue aí desse lado, onde gostamos que esteja e
queremos muito que continue, a apoiar o jornalismo livre nas diferentes marcas
que temos para lhe oferecer: aqui no Expresso, ali na Tribuna, na Blitz ou na Sic Notícias.
Imagem de Manuel Serrão: Tiago Miranda em Expresso
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