segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Festa do Cassai e Zambeze -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O mapa de Angola vai fazer 100 anos no dia 22 de Junho de 1927, data em que foi assinado o “Tratado de Loanda” entre Portugal e a Bélgica. Os portugueses cederam o Vale do Mpozo aos belgas e estes a Bota do Dilolo aos portugueses.

O Vale do Mpozo serviu à Bélgica para desencravar o então Estado Livre do Congo permitindo a construção do caminho-de-ferro e a estrada que ligam todo o território aos portos de Matadi Boma e Banana. Até à Conferência de Berlim também pertenciam à colónia de Angola. 

A Bota do Dilolo abrange praticamente todo o território da Lunda. Foi assim chamada porque entre a fronteira do Luau e o saliente do Cazombo se forma o desenho de uma bota de cano alto. O Almirante Gago Coutinho desenhou as fronteiras sul e sudeste de Angola. Ao incluir no mapa o Cazombo, Portugal ganhou o rio Zambeze e grandes reservas de cobre, como indiciavam os aforamentos de malaquite. Até tentou anexar todo o território, desde a nascente do grande rio. Não conseguiu.

A única qualidade que se exige a um repórter é sorte. Sorte de repórter. Um dia coube-me reportar a vida das comunidades ribeirinhas do Zambeze, em território angolano. Quando terminei fui informado que as comunidades do Cassai é que valiam a pena! E lá fui, com uma autorização especial da Diamang, que tinha estatuto de estado dentro do estado. Ninguém entrava no território da concessão diamantífera sem autorização dos seus donos e da sua polícia privada, na época comandada pelo Major Brito. Passei semanas e semanas no Cassai, onde a poesia e a música existem em estado puro. A dança é ao natural.

A nova província Cassai Zambeze é, também por isso, um dos mais belos quadros do fabuloso mosaico cultural angolano. No dia da investidura do primeiro governador, peço-vos que cantem esta bela canção bailada, de txianda, que tem um coro feminino. Instrumentos: Txinguvo, mukupela, mikundo e mikakala, Título “Txihunda txá kutunga nhi mana” ou “a aldeia faz-se com esperteza”.

Arranca o solista, a abrir, à Mingus e Coltrane:

 Ielé/Iá iaia Mama/Hineza nguhandjeke/Uohó/Ué iaia Mama//Patuleno é nguá

Entra o coro feminino: Ielé//Iá iaia Mama

Solista: Txihunda txá kutunga nhi mana-é/Mbá txikole

Coro:  Iá iaia Mama

Solista: Katolo halokuoka

Coro: Ielé/Iá iaia Mama/Patuleno é nguá

Solista: Iá iaia Mama/Txihunda txá kutunga nhi mana-é/Mbá txikole/Iá iaia Mama/Hineza ngunuimble-é/uohó/Ué iaia Mama/Patulano é  nguá

Coro: Ielé/Iá iaia Mama

Solista: Txihunda txá kutunga nhi mana-é/Mba Txikole

Coro: Iá iaia Mama

Solista: Hineza aguandjeke

Coro: Ielé/Iá iaiá Mama/Patuleno é nguá

Solista: Ielé/Iá iaia Mama/Txihunda txá kutunga nhi mana-é/Mbá txikole/Iá iaia Mama/Hineza ngunuimble/Uohó/Ué iaiiaia Mama/Patuleno é nguá

Coro: Ielé/Iá iaia Mama

Solista: Txiunda txá kutunga nhi mana-é/Mbá txikole

Coro: Iá iaiá Mama

Solista: Katolo halokuoka

Coro Ielé/Iá iaia Mama/Patuleno é nguá.

Não me responsabilizo pela tradução. Mas podem confirmar com o meu amigo Adão Diogo jornalista em Saurimo.

Ielé/Sim irmã sim minha Mamã/Aldeia é par se fazer com esperteza, sim/Para ficar sólida/Sim irmã sim minha Mamã/Eu vim para falar/Assim mesmo/Ai minha irmã, ai minha Mamã/Cortai a direito!

Coro: Ielé/Sim minha irmã sim Mamã

Solista: Aldeia é para ser feita com esperteza sim/Para ficar sólida

Coro: Sim irmã sim minha Mamã

Solista: O traje do bobo/ está esburacado

Coro: Ielé/Sim irmã sim minha Mamã/Cortai a direito!

Solista: Ielé/Sim irmã sim minha Mamã/Aldeia é para se fazer com esperteza sim/Para ficar sólida/Sim irmã sim minha Mamã/Eu vim para vos cantar/Assim mesmo/Força irmã sim Mamã/Cortai a direito

Coro: Ielé/Sim irmã sim minha Mamã

Solista: Aldeia é para se fazer com esperteza/para ficar sólida

Coro: Sim irmã Sim minha Mamã

Solista: Eu vim falar

Coro: Sim irmã sim minha Mamã/ Cortai a direito

Solista: Ielé/ Sim irmã Sim minha Mamã/ Aldeia é para ser feita com esperteza sim/ Para ficar sólida/ Sim irmã Sim minha Mamã/Eu vim para vos cantar/Assim mesmo/ Sim irmã Sim minha Mamã/ Cortai a direito

Coro: Ielé/ Sim irmã Sim minha Mamã.

Solista: Aldeia é para se fazer com esperteza/para ficar sólida

Coro: Ielé/ Sim irmã Sim minha Mamã.

Solista: O trajo do bobo está roto

Coro: Sim irmã Sim minha Mamã/ Cortai a direito.

Também vamos oferecer na cerimónia uma canção de ukulé que se canta na mukanda feminina secreta. Esta peça de escárnio e maldizer intitulada “Mbiri Unakaria Nzau” é dedicada a um político muito distraído. O solista entra a matar: 

“Mbiri-é/Mbiri-é/Unakaria nzau-é/Nhi mussono/ngan ngan ngan/Uajirié/Mbiri-é/Mbiri/Unakaria nzau-é!/Txika warianga?

Coro: Mbiri-é/Mbiri/Unakaria nzau-é

Solista: Adalberto/Txika warianga?

Coro: Mbiri-é/Mbiri-é/Unakaria nzau-é/Nhi mussono/Ngan ngan ngan/

Tradução:

“Tu ontem/comeste testículos/Testículos/Tu comeste ontem

Solista: Adalberto/O que comeste/ Tu ontem?/Comeste testículos/

Coro: Tu ontem/Comeste testículos/Mas hoje todo o dia/Não comes/Amanhã/Todo o dia/Não comes/Tu ontem/Comeste testículos”.

Coitados do General Numa, do Sapinãla e do Chyaka! Os meus pêsames à senhora deputada Mihaela Webba, Savimbi de saias. A vida é muito dura. 

Se lá na nova província Cassai Zambeze precisarem de um escriba, estou às ordens. Mas para não dizerem que vendo fruta bichada, aviso já que vão gastar muito dinheiro em medicamentos para me manterem vivo.

* Jornalista

* Escrito em 25.7.24 

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