domingo, 15 de dezembro de 2024

“Bidenização” de Lula. Política do Brasil reproduz a dos EUA?

Trump primeiro, Bolsonaro depois, o ataque ao Capitólio antes, a invasão de Brasília a seguir. E este ano a saúde dos rivais. O gigante sul-americano copia o roteiro recente da atualidade norte-americana ou é apenas coincidência? Especialistas opinam.

João Almeida Moreira* | Diário de Notícias

Donald Trump foi eleito presidente dos EUA em 2016, batendo políticos tradicionais. Com um discurso contra os políticos tradicionais, Jair Bolsonaro ganhou as presidenciais do Brasil em 2018. Em 2020, o americano não conseguiu reeleger-se, a mesma sina do brasileiro, em 2022. Semanas depois das derrotas, em janeiro de 2021 e de 2023, respetivamente, apoiantes do candidato republicano e do candidato do Partido Liberal depredaram o Capitólio, em Washington, e a Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Joe Biden, o rival de Trump em 2020, enfrentando o peso da idade, 82 anos, teve de ceder o lugar em 2024 à mais jovem Kamala Harris. Na sequência de duas cirurgias nesta semana, bolsonaristas falam na “bidenização” de Lula da Silva, 79 anos hoje e 81 nas eleições de 2026, visando o regresso de Bolsonaro, que está esperançoso de driblar, além da inelegibilidade, os problemas judiciais no Brasil que Trump conseguiu fintar nos EUA.

A política do Brasil, afinal, é como a dos EUA mas com delay? A atualidade do gigante do Sul segue o roteiro da do gigante do Norte? O país lusófono tem o país anglófono como modelo? Estrategas, como o americano Steve Bannon e outros, tentam influenciar, na medida das suas possibilidades, os destinos do seu país e não só? Ou é tudo coincidência? 

O DN pediu a James Green, professor titular de História Latino-Americana na Universidade de Brown, em Providence, Rhode Island, a Clayton Vinícius Pegoraro, professor de Direito das Relações Internacionais da Universidade Presbiteriana McKenzie, e a Vinícius Rodrigues Vieira, professor de Economia e Relações Internacionais na Fundação Armando Álvares Penteado, para darem a sua opinião.

Para James Green, “a política dos EUA tem servido, sim, de modelo para o Brasil”. “O advento de Trump e depois de Bolsonaro obedeceram a métodos muito semelhantes, os métodos de Steve Bannon”, acrescenta o académico norte-americano especialista em Brasil e fluente em português. “Assim como os ataques ao Capitólio e à praça dos Três Poderes, os problemas na justiça com os que os dois se debatem são muito semelhantes”, completa.

“Agora a extrema-direita brasileira vai, na sequência, aproveitar a questão da saúde do Lula para atrelá-la à do Biden, concordo, portanto, totalmente que há uma conexão e que a política americana vem contribuindo como exemplo para a brasileira”.

Clayton Pegoraro também acha que “haverá exploração política da oposição brasileira da situação clínica de Lula, nomeadamente o termo ‘Biden da Silva’ usado pelo senador Ciro Nogueira [ex-ministro de Bolsonaro]”. “Mas deve ser entendida como debate político, não há, de acordo com as informações médicas disponíveis, qualquer relação entre a questão do ex-presidente, que em breve voltará ao trabalho normal, e a de Biden”.

Por isso, o especialista em Direito Internacional prefere falar “em coincidências”. “Trump e Bolsonaro têm um alinhamento ideológico, ao ponto de o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, ir muito aos EUA e de ter sido até cogitado para a posição de embaixador nos EUA no anterior governo, mas, de resto, tendo a ver tudo como coincidências...”

“Vejo, no geral, como pendular a relação entre direita e esquerda nos EUA e no Brasil, assim como na restante América Latina e Europa e penso que as situações do Capitólio e da Praça dos Três Poderes embora paralelas são dissociáveis”, conclui.

“Efeito Orloff”

Vinícius Vieira, que estudou em Yale e Berkeley e segue a par e passo a política nos dois países, lembra o “efeito Orloff”. Num anúncio ainda do século passado a essa marca de vodka, duas versões da mesma pessoa conversam ao balcão de um bar: “mas afinal quem é você”, pergunta um, “eu sou você amanhã”, respondia alegremente o outro para sublinhar que, bebendo daquela marca, não estaria de ressaca.

“O ‘efeito Orloff’ começou por ser usado por economistas para comparar a economia da Argentina com a do Brasil, tudo o que acontecia lá repetia-se no Brasil, agora os EUA são o Brasil amanhã - a exceção é que não vejo como Bolsonaro possa recuperar a sua elegibilidade”, comenta Vieira.

“De resto, Capitólio e 8 de janeiro, os pedidos de perdão e amnistia na sequência, Trump e Bolsonaro a dizerem-se perseguidos, ambos a falharem a reeleição e para Biden e Lula, mais ou menos da mesma idade, as coincidências são tão fortes que não parecem coincidências e mais consequências”.

“Consequências da tentativa de o Brasil emular os EUA, seja à esquerda, com a incorporação de políticas identitárias, como à direita, buscando o nacionalismo cristão branco evangélico, implícito e às vezes explícito no discurso do bolsonarismo, aqui não há os imigrantes mas há uma ojeriza aos pobres e um ódio regional do Sul e Sudeste ao Norte e Nordeste”, continua.  

O académico vai mais longe: “Com isso, Lula será, claro, ‘bidenizado’ e o mercado até já precifica isso: o dólar caiu durante as cirurgias com a expectativa de que ele não concorra à eleição e abra caminho à direita”.

Para contrapor, o Brasil antecipou os EUA num episódio: a facada na barriga de Bolsonaro aconteceu seis anos antes do tiro na orelha de Trump.  

Imagem: Lula da Silva e Joe Biden encontraram-se na cimeira do G20, no Brasil. Foto: Ricardo Stuckert / PR

Ler/Ver em DN:

Congresso do PCP. BE, LIVRE e PAN aceitam analisar “convergência” eleitoral com PCP

Raimundo aponta ofensiva anticomunista e desinformação à escala global. E acusa PS de cumplicidade com o Governo

Dificuldadesfinanceiras e menos militantes. E só 31,7% pagam quotas 

Sem comentários:

Mais lidas da semana