sábado, 14 de dezembro de 2024

Porque não serve o acordo do Mercosul?

A Comissão Europeia anunciou há poucos dias a conclusão do acordo comercial com o Mercosul, uma organização de países da América Latina.

João Oliveira* | Diário de Notícias | opinião

Apesar da propaganda feita pela UE, este acordo é uma boa notícia para as transnacionais do agronegócio mas constitui uma ameaça aos pequenos e médios produtores agrícolas e agro-pecuários e é um factor de preocupação para os consumidores.

Talvez por saber das dificuldades em dourar esta pílula do Mercosul, a Comissão Europeia já foi dando sinais de pretender que o acordo venha a ser aprovado no Conselho sem respeito pela regra da unanimidade e de querer fugir à exigência da sua ratificação pelos parlamentos nacionais. Se assim não for, é muito provável que o acordo venha a gerar uma contestação tal que a sua defesa se torne politicamente insustentável.

As razões de contestação ao acordo do Mercosul são fortes e evidentes atendendo ao seu conteúdo e consequências.

O acordo prevê a isenção de taxas alfandegárias na importação para a UE de grandes quantidades de produtos agrícolas e agropecuários. Mesmo com a aplicação de taxas esses produtos chegarão a preços baixos em resultado de modelos de produção intensivos e super-intensivos, de baixos custos com o trabalho decorrentes da exploração laboral, da utilização de organismos geneticamente modificados, hormonas, pesticidas e fertilizantes proibidos no nosso país. Não é claro como será feita a fiscalização dos designados standards dos produtos destinados a impedir a entrada de produtos cujas exigências na produção sejam inferiores às que se fazem aos nossos produtores.

As consequências deste acordo do Mercosul não serão difíceis de estimar.

As transnacionais do agronegócio terão portas abertas para o enorme mercado da América do Sul mas os pequenos e médios produtores agrícolas e agropecuários – já esmagados pelos baixos preços pagos à produção – ficarão expostos a uma concorrência desigual e ainda mais ameaçados com o fim da sua actividade produtiva.

A procura de maiores lucros no mercado do Mercosul conduzirá a uma redução ainda mais acentuada da diversificação produtiva, com o afunilamento em produtos de maior rentabilidade comercial.

Além das preocupações com a qualidade e segurança alimentar que resultam dos modelos e técnicas de produção já referidos, também o escoamento da produção europeia para os mercados da América Latina conduzirá à redução da oferta e consequente aumento dos preços, sobretudo perante a recusa em adoptar políticas de moderação de preços.

Substitui-se produção local mais próxima e em condições mais adequadas à realidade e necessidades dos consumidores nacionais pela importação de produtos produzidos a milhares de quilómetros.

Não chega dizer que este é o maior acordo comercial do mundo e que é positivo alargar e diversificar as relações comerciais. É preciso olhar para o conteúdo, os seus impactos e consequências, saber quem ganha com ele e quem é prejudicado.

O acordo do Mercosul não serve ao povo nem ao país.

* Eurodeputado do PCP eleito na lista da CDU

Sem comentários:

Mais lidas da semana