domingo, 9 de março de 2025

Portugal | ÉTICA E CRIME

Cândida Almeida* | Jornal de Notícias, opinião

Sempre que o MP investiga, nomeadamente, criminalidade económico-financeira, indiciariamente cometida por titulares de cargos políticos ou de altos cargos do Estado, os críticos costumeiros invocam o estafado argumento de que se está perante a judicialização da política. Mas talvez sejam os mesmos autores que, na presente crise política que o país atravessa, defendem que, face aos factos recentemente vindos a lume, se trata de questão que, embora confusa e difusa, não se reveste da natureza de crime. Ou seja, convocam agora a judicialização da política para afirmarem a inexistência de matéria criminal. Mas, se há indícios ou não de actividade menos lícita, às autoridades competentes incumbe proceder a uma análise e investigação rigorosas.

O que importa sublinhar é que a ética política tem uma abrangência muito mais lata do que a própria matéria criminal. Um qualquer representante do povo, um titular de cargo político ou de elevado cargo público que cometa um ilícito penal, considerado socialmente grave, desce ao mais baixo escalão da decência social e política, não merecendo, por isso, continuar no exercício de funções, num cargo que traiu, não merece a confiança pública que nele foi depositada, ao violar a probidade do serviço a favor do Estado.

Mas, no espaço de exercício político, de dimensão e responsabilidades públicas incomensuráveis, todo o protagonista deve, tem de, manter uma postura de total transparência, de verdade, de responsabilidade e de prestação de contas perante a sociedade e os outros órgãos de soberania. Nenhum eleito do povo tem o direito de lançar e repercutir inverdades que prejudiquem a honra e a dignidade do outro, que possam abalar a credibilidade e o normal funcionamento das instituições e, deste modo, corroer os alicerces em que se estrutura a nossa democracia.

A CRP define Portugal como uma república soberana baseada na dignidade humana, um Estado de direito democrático sustentado no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, na separação e interdependência de poderes.

Por isso é que a Assembleia da República, enquanto casa da democracia, não pode ser palco de arruaças, injúrias, insultos ou de propagação de inverdades, de atropelamento e aviltamento da ética social e política. A prática de crime cometida por político é muito grave e deve ser perseguida de acordo com as leis da República, mas esta componente é apenas um dos vectores do largo espectro da ética republicana, que importa salvaguardar e reforçar enquanto princípio e exercício fundamentais de uma efectiva e real democracia.  

(A autora escreve segundo a antiga ortografia)

* Ex-diretora do DCIAP

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