< Artur Queiroz*, Luanda >
A Rádio Nacional de Angola tem um espaço de entrevistas intitulado “Trajectória da História”, integrado no programa dos 50 anos da Independência Nacional. O último convidado foi o General de Exército na reserva, Geraldo Sachipengo Nunda. Ouvido tudo o que foi dito e omitido, fiquei convencido de que o trajecto está cheio de curvas e contracurvas perigosíssimas. Responsabilidades partilhadas a meias pela entrevistadora, Elizabeth Smith, e pelo entrevistado.
O General Nunda levou o tema da entrevista para as fogueiras da Jamba. Participou na reunião da direcção da UNITA, na qual foi decidido queimar vivas as mulheres acusadas de “bruxaria”. E teve o cuidado de revelar que votou contra tão hediondo crime. O único dirigente que contrariou a vontade de Jonas Savimbi. Foi a primeira vez que se soube o resultado da votação.
Se o General Nunda estivesse a ser entrevistado por uma jornalista, a pergunta inevitável era esta: Quem foram os dirigentes da UNITA que votaram a favor da morte das mulheres nas fogueiras? O entrevistado revelava os nomes ou não. Mas a pergunta era inevitável. Não foi feita. Aquela “Trajectória da História” era mais entretenimento!
O General Nunda revelou também que foi incumbido, pela direcção da UNITA, de eliminar membros do movimento. Recusou. Preferiu falar com os condenados à morte. E concluiu que a maior parte das condenações tiveram origem em intrigas!
Se a entrevistadora fosse jornalista, fazia algumas perguntas ao entrevistado. Quem foram os condenados à morte? Quem foram os dirigentes da UNITA que lhe encomendaram as mortes? Ele recusou eliminar. Mas foram ou não mortos? Por quem e quantos? Nenhuma pergunta foi feita. A História reduzida a entretenimento. A entrevistadora estava muito divertida.
No tempo em que tinha responsabilidades na direcção de Informação e na Redacção da Emissora Oficial (RNA) Elizabeth Smith era logo entregue aos cuidados do Gabinete de Formação Permanente, para aprender que a entrevista é uma técnica eficaz, quando os jornalistas têm de tapar vazios de informação. Também ia frequentar a formação, gratuita, no Sindicato dos Jornalistas onde tínhamos módulos com Técnicas Redactoriais, Técnicas Editoriais, História do Jornalismo Angolano e Direito da Comunicação.
Em Abril de 2025 quem mandou Elizabeth Smith para o estúdio sem estar preparada para exercer a profissão, vai para cantineiro ou trabalhar com Dona Vera Daves no desvio de dinheiro dos impostos.
O que aconteceu na entrevista ao General Nunda é muitíssimo grave. Porque se perdeu a oportunidade de sabermos tudo dobre as fogueiras da Jamba. Mais as condenações à morte de militantes e dirigentes da UNITA, vítimas de intrigas.
O entrevistado também revelou que o maoismo ainda estava na moda, em 1975, quando ele aderiu à UNITA. O General Nunda teve a oportunidade de explicar como a UNITA conciliou o maoismo com a obediência ao regime racista de Pretória. Não explicou.Uma omissão muito conveniente.
Também revelou que recebeu dezenas de armas “G3” oferecidas à UNITA. A entrevistadora não foi capaz de lhe pedir pormenores. Para sabermos se o armamento foi entregue pelos independentistas brancos ou pela tropa portuguesa. Era importante saber. Ficou tudo no ar. Muito conveniente.
Quem votou a favor da morte de mulheres angolanas nas fogueiras da Jamba? Quem promoveu e apoiou esse crime hediondo? Mulheres e crianças queimadas vivas! Alguns dirigentes que apoiaram esta loucura de Jonas Savimbi ainda são dirigentes ou deputados da seita. E se um dia chegarem ao poder, facilmente acusam mulheres de bruxaria e queimam-nas vivas. As omissões do General Nunda conduzem a esse perigo. O melhor é dar outra entrevista, desta vez a jornalistas, para pôr tudo em pratos limpos.
* Jornalista
Sem comentários:
Enviar um comentário