sexta-feira, 2 de maio de 2025

Angola | Liberdade Ilimitada Direitos Esmagados -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda >

Nos idos de 1975 conheci no Huambo alguns estudantes de Agronomia e Veterinária, que eram ao mesmo tempo militantes activíssimos do MPLA. Carlos Fernandes, Fernando Pacheco, José Leal ou Cesaltina Abreu faziam parte desse grupo de jovens que fazia a diferença. Uns trocaram a profissão pela política, outros conciliaram as duas actividades. Outros desapareceram do mapa das minhas relações. Não sei delas e deles. Já depois de 2002, encontrei Carlos Fernandes no Cuanza Norte, onde liderava um projecto na sua área. Este, segui-o na fase em que fazia o doutoramento em Agronomia na cidade de Oeiras.  

Cesaltina Abreu hoje apresenta-se como “investigadora independente em ciências sociais e humanidades”. Deu uma entrevista onde afirma que a Lei sobre a Disseminação de Informações Falsas na Internet “representa mais uma tentativa de limitar as liberdades de expressão e de informação no país”. Minha cara Tina. Para descobrires isso não precisavas de mudar da Agronomia para outras ciências onde não é preciso sujar as mãos. A Lei de Imprensa existe exactamente para isso: Limitar a Liberdade de Imprensa. Simplesmente porque não existem liberdades ilimitadas nem direitos absolutos.

A Liberdade de Imprensa pode chocar de frente com Direitos constitucionalmente protegidos. E isso é crime grave. O Direito à Honra e ao Bom Nome não vale menos do que a Liberdade de Imprensa. O Direito à Inviolabilidade Pessoal reúne os pontos de conflito com a Comunicação Social. Protege o Direito à Imagem e à Palavra Escrita e Falada (projecção física). Direito à Honra, ao Bom Nome e Consideração Social (projecção moral). Esfera Privada, Esfera Pessoal, Esfera do Segredo e História Pessoal (projecção vital). Qualquer violação é crime grave.

A projecção vital do Direito à Inviolabilidade Pessoal entronca na reserva da intimidade da vida privada, protegida pela Constituição da República. Os avós de Cesaltina Abreu ainda lavavam ofensas à Honra e ao Bom Nome com sangue. Duelos sangrentos à espada e pistolão. Ainda hoje maridos matam esposas e seus amantes por se sentirem desonrados. Que Deus nos livre destes energúmenos! Não abem que um homem sem cornos é mais triste do que um jardim sem flores.

A projecção Moral do Direito à Inviolabilidade Pessoal permitiu resolver as ofensas de uma forma mais civilizada. Mas é crime grave ofender a Honra alheia. Tanto tem o Direito à Honra quem é muito honrado como quem é muito desonrado.

A Suécia aprovou a primeira Lei de Imprensa no mundo moderno, em 1766. Chamava-se Lei de Liberdade de Imprensa Sueca. A 5 de Fevereiro 1821, o deputado Francisco Soares Franco apresentou nas Cortes Constituintes, em Lisboa, um projeto de Lei de imprensa que também valia em Angola. A Lei de Imprensa francesa é de 29 de Julho de 1881. Nos EUA não há Lei de Imprensa. A regulamentação dos Media é feita por diversas leis. Mas há um órgão regulador governamental, criado em 1934, a Federal Communications Commission (Comissão Federal de Comunicações). Todas servem pra limitar a Liberdade de Imprensa.

O Código Penal Angolano dita castigos para quem comete crimes por abuso de Liberdade de Imprensa. A Lei de Imprensa, sem prejuízo do disposto na lei penal, define que a autoria dos crimes nos Media cabe a quem tiver criado o texto ou a imagem, cuja publicação constitua ofensa dos bens jurídicos protegidos pelas disposições incriminadoras. Nos casos de publicação não consentida, é autor do crime quem a tiver promovido. Tudo limitações à Liberdade de Imprensa. Mas protege os Jornalistas e o Jornalismo ainda que não interesse nada a agrónomos e investigadores independentes em ciências sociais e humanidades.

O Ocidente alargado avança imparável para a extrema-direita. Em Portugal, 50 anos depois do 25 de Abril, o fascismo regressou triunfante e os Media estão muito piores do que no tempo das comissões de censura. O partido Chega é uma manobra de diversão. O poder económico meteu no bolso o poder político (PSD-CDS) e os Media entram no pacote. Sem jornalistas não há liberdade nem imprensa, rádio e televisão. As redes sociais ditam os planos de edição. Era a isto que Orwell chamava o triunfo dos porcos. 

Em Portugal os Media são diariamente enxames de falsas notícias e graves manipulações. Manchete falsas! Um jornal secular como o “Jornal de Notícias”, onde trabalhei sete anos e foi uma referência no Jornalismo Português, publicou notícias falsas sobre um jovem brasileiro suspeito de matar à facada, um estudante de Braga cujo corpo foi velado pelo líder do Chega. Mentiras sobre mentiras. Manipulações graves. O advogado do acusado desmentiu tudo. As moças e moços de recados ficaram pendurados.

No espectáculo, o líder do Chega fez este papel: “Os brasileiros mataram um jovem em Braga. Bandidos brasileiros matam em Portugal!” Aplausos. Um brasileiro e negro foi eleito deputado do partido Chega pelo círculo do Porto. Eu acredito no Pai Natal. Por isso também acreditei que o parlamentar da extrema-direita se demitia face ao ataque covarde do seu chefe à comunidade brasileira residente em Portugal. Ficou em silêncio. Claro! Ele está no Chega por ser negro e brasileiro. Estão a ver-me? O Chega não é racista nem xenófobo. 

Um jornal português de referência fez uma manchete assim: “Governo do Partido Socialista deixou entrar em Portugal 116.000 migrantes sem exigir o registo criminal!” O povinho acredita. Comenta. Critica. Ma isto não é uma mentira. É uma manipulação criminosa. Os estrangeiros que faziam a extinta “declaração de interesses” entraram em Portugal com visto de turistas. Depois de chegarem a Portugal é que manifestaram interesse em ficar e trabalhar. Nenhum país do mundo exige registos criminais aos turistas!

Portugal tem um passado colonialista. Ocupou territórios desde África até à Ásia. Prosperou com o negócio da escravatura. Devastou a Cultura dos povos que subjugou. Em resumo: O colonialismo é um genocídio.

Os genocidas de ontem hoje são muito senhores do seu jardim à beira mar plantado. Até esqueceram que quase metade da população portuguesa vive e trabalha noutros países, inclusive Angola. São bem recebidos e respeitados. Querem mesmo regressar ao fascismo, ao racismo e ao nacionalismo idiota? Têm muito mais a perder do que a ganhar…

* Jornalista

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