LUÍS FERNANDO – O PAÍS, editorial
Milhares de angolanos na diáspora começam a retornar à casa. Os primeiros tinham o regresso marcado para esta quintafeira, e voltaram. O primeiro contacto com a terra-mãe foi no Luena.
O Estado e o Executivo angolano estão de parabéns. Num momento em que Angola vive um pujante processo de reconstrução, é de todo louvável que se acolham os milhares e milhares de angolanos que ainda vivem fora das fronteiras nacionais, alguns reduzidos nos seus direitos humanos e de cidadania.
Por um lado, é obrigação do Estado acolher os seus filhos, proporcionar-lhes o usufruto de todos os seus direitos enquanto cidadãos nacionais. Por outro lado, é igualmente obrigação do Estado tirar proveito das mais-valias que estes concidadãos trazem dos lugares que os acolheram durante anos. Porque é verdade também que, ao longo de muitos anos, os países de acolhimento foram, de facto, a garantia de segurança e de esperança de formação para os refugiados angolanos.
A tarefa é hercúlea. São centenas de milhar, no total, os angolanos que ainda estão no estrangeiro e que Angola precisa de atrair. Muitos não têm sequer meios para voltar. Cresceram lá, criaram famílias, algumas mistas, muitos não têm emprego, mas há muita vontade de voltar.
Em todo este processo há também aspectos interessantes. Há pessoas que vivem fora do nosso território há mais de quarenta anos sem que a angolanidade se lhes tenha extinguido. Há gente a exibir documentos passados pela administração colonial, há gente a passar documentos passados pelos movimentos de libertação quando estes também tinham as suas bases no exterior. Ou seja, os anos passaram, algumas memórias se terão perdido, mas o ser angolano é um sentimento que não abandonou os nossos concidadãos.
Mas tudo isso, o processo de repatriamento de milhares de angolanos refugiados no exterior, coincide com um momento em que o país é visto por cidadãos de outros países como um ponto que lhes assegura o futuro.
Alguns vêm fugidos das más condições de vida em que se encontram, para eles Angola é o local para a sua realização e para dar dignidade à existência dos seus familiares. Para outros, Angola é um bom local para trabalhar, ou para ganhar dinheiro.
Seja como for, os cidadãos que agora regressam deparar-se-ão com uma realidade muito distante da que deixaram ou daquela que terão idealizado. Chegarão a um país que precisa dos seus esforços e que muito exigirá de cada um. Virão encontrar um país onde a concorrência no mundo do trabalho é já enorme, apesar de haver ainda lugar para todos.
Na verdade, a melhor forma de integrar os ex-refugiados será, por ventura, a sua localização fora dos grandes centros urbanos. O melhor será colocá-los, a quem o pretenda, já que gozam da mesma liberdade de escolha que qualquer outro angolano, nas regiões onde se precisa de mão-de-obra e de vontade de trabalhar, onde possam rapidamente encontrar emprego e transformar as suas vidas, transformando o meio.
O problema maior será, num primeiro olhar, o choque cultural.
Angola mudou, incorporou novos hábitos, novas culturas. Os regressados trarão outros hábitos e outras culturas. Mas mesmo aqui as diferenças poderão fortalecer-nos. Este país já disso deu provas bastantes.
Se houver vontade, em vez de gente carenciada e a precisar de esmolas, os cidadãos que agora voltam ao país poderão ser um importante recurso para a reconstrução e para o desenvolvimento nacional.
*Luís Fernando - Director do jornal O País, passou pela direcção do Jornal de Angola e é autor de vários romances.
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