sábado, 11 de junho de 2011

PASSOS COELHO E A (SUPOSTA) LUSOFONIA





Pedro Passos Coelho afirmou durante a campanha eleitoral que tem uma ligação pessoal a África que lhe confere uma sensibilidade especial para os problemas dessas comunidades. Ontem reafirmou que a Lusofonia é uma prioridade. Será que o líder do PSD e futuro primeiro-ministro é um português africano ou, apenas, um português europeu?

Na campanha, Pedro Passos Coelho, considerou que é "o mais africano de todos os candidatos ao Parlamento", pela sua ligação pessoal a África, por ter uma mulher da Guiné-Bissau e uma filha que "também é africana" e, talvez, por ter bebido água do Bengo (Angola).

“A minha raiz pessoal está muito ligada a África, também. Praticamente posso dizer que casei com África", acrescentou o presidente do PSD.

Será para acreditar?

Passada a fase eleitoral em que todos os políticos portugueses tinham alguma coisa de africano, fico à espera de saber se para Passos Coelho, por exemplo, Angola vai de Cabinda ao Cunene, e se eventualmente o novo governo português vai dizer alguma coisa sobre o facto de 68% da população angolana ser afectada pela pobreza, ou de a taxa de mortalidade infantil ser a terceira mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças?

Também vou ficar à espera de ver o sucessor de José Sócrates, seja ele António José Seguro, Francisco Assis ou outro qualquer, dizer alguma coisa sobre o facto de apenas um quarto da população angolana ter acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade.

Por outro lado, como é óbvio, não fico à espera de ouvir Pinto Balsemão recordar que em Angola 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos.

Ou Belmiro de Azevedo recordar que a taxa de analfabetos é bastante elevada, especialmente entre as mulheres, uma situação é agravada pelo grande número de crianças e jovens que todos os anos ficam fora do sistema de ensino.

Ou António Pires de Lima (Presidente da Comissão Executiva da UNICER e dirigente do CDS/PP) dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos.

Ou Jorge Coelho (Mota-Engil) dizer que, em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos.

Ou Armando Vara (presidente da Camargo Corrêa para África) dizer que 80% do Produto Interno Bruto angolano é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população; que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem na sua colónia de Cabinda.

Fico, entretanto, à espera (sentado) de ver se alguém do novo governo PSD/CDS se lembra de que, no dia 9 de Julho de 2004, o presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, Luís Filipe Menezes, defendeu a criação de um Ministério para a Lusofonia, independente do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e a "naturalização de todos aqueles que queiram ser portugueses".

Igualmente sentado vou continuar para ver se alguém se preocupa em explicar aos jovens portugueses o que é a real Lusofonia. Hoje, para eles, é mais importante o que se passa em Kiev do que o que se passa em Luanda, é mais importante o que se passa em Bruxelas do que o que se passa na Cidade da Praia, é mais importante o que se passa em Tripoli do que o que se passa em Díli.

E se calhar até têm razão. Portugal adoptou oficialmente a tese de que a Europa é que tem futuro (e, de facto, os credores é que mandam). E quem sou eu para justificar que o presente pode ser a Europa, mas que o futuro, esse passa pela África lusófona? Sim quem sou eu?

Se, de facto, a dita CPLP é uma treta, e a Lusofonia é uma miragem de meias dúzia de sonhadores, o melhor é mesmo encerrar para sempre a ideia de que a língua (entre outras coisas) nos pode ajudar a ter uma pátria comum espalhada pelos cantos do mundo.

E quando se tiver coragem (para mim será cobardia, mas quem sou eu?) para oficializar o fim do que se pensou poder ser uma comunidade lusófona, então já não custará tanto ajudar os filhos do vizinho com aquilo que deveríamos dar aos nossos próprios filhos.

É claro que na lusofonia existem muitos seres humanos que continuam a ser gerados com fome, nascem com fome e morrem, pouco depois, com fome. Mas, é claro, morrem em... português... o que significa um êxito para a língua.

Orlando Castro

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