quinta-feira, 16 de junho de 2011

Portugal: O SEGURO DE PASSOS




LUÍS FERREIRA LOPES – SIC NOTÍCIAS, opinião

Passos Coelho não tem margem para errar, nem o triunvirato europeu + FMI deixaria. Nem o PS, paradoxalmente, quer, sob a provável liderança de António José Seguro, outro ex-líder de juventude partidária. Há três prioridades: assegurar a ajuda externa e reformar o Estado, apostar tudo no crescimento económico (exportações) e dar o exemplo político com uma equipa reduzida, prestigiada e preparada para dois ou três anos muito duros.

1) Do lado das finanças públicas, o objectivo primordial é assegurar que as medidas draconianas são mesmo executadas para reduzir visivelmente o défice e dívida pública até 2014 e, naturalmente, para Portugal conseguir receber o cheque trimestral da ajuda externa.

Sem o cheque e a “rede protectora” do FMI / UE, o cenário de bancarrota mantém-se, qual guilhotina sobre a cabeça do português comum. Para isso, é inevitável o emagrecimento do peso do Estado (leia-se administração central, regional e local e institutos públicos) no produto nacional e nos bolsos dos contribuintes.

Não vale a pena perder tempo com ideologias e filosofias políticas porque o objectivo é sobreviver a dois anos intensos de recessão e contestação social: é imperioso reduzir os gastos públicos e reequacionar as funções do Estado – que deve ser, basicamente, regulador e não actor, nem gastador pornográfico, seja via consumo público, seja através de (incomportáveis)parcerias público-privadas.

Isso implica reduzir o número de organismos e funcionários que vivem à sombra do clientelismo de décadas de rotativismo centralista, com a aplicação de um critério objectivo e justo que tem de ser executado sem medos de impopularidades. Os empresários e trabalhadores do sector privado, bem como os desempregados, não querem suportar mais mordomias eternamente e gostariam de ver implementadas medidas que assegurem mais alguns anos de reforma porque quem tem hoje 30 ou 40 anos não tem motivos para estar optimista quanto à sustentabilidade do Estado Social a partir de 2020.
Se isso implicar a reforma incontornável do mapa do poder local, fundir concelhos, eliminar governos civis, emagrecer o número de deputados e os gastos do Parlamento, isso não é demagogia populista; é simplesmente óbvio porque quando não há dinheiro, todos temos de traçar prioridades e cortar a direito.

2) Se a primeira prioridade é “cortar, cortar, cortar”, a segunda (a aplicar em simultâneo) é a criação ou reorientação de meios para a economia real crescer, porque isso é vital para amortecer a terrível pancada da contracção deste ano e de 2012 devido às medidas de austeridade e quebra do investimento e consumo público.

Isso passa por medidas fiscais e laborais que sejam “amigas” das empresas. Não há que ter medo em usar estas palavras. Não é um tema ideológico, trata-se apenas de olhar para o futuro: depois deste período de austeridade e recessão, de dor e revolta perante o estado a que o país chegou, que economia queremos dentro de cinco anos? Que Portugal teremos em 2020? Que recursos (escassos) vou alocar para estar focado na geração (e distribuição) de riqueza, estancando os efeitos negativos de uma excessiva vaga emigratória no sector dos serviços e, simultaneamente, tornando mais robusta a estrutura produtiva na indústria e na agricultura?

Até agora, empresários e colaboradores fizeram sacrifícios e de pouco valeu, ao mesmo que quem geria o Estado ia deitando dinheiro para cima da fogueira na esperança (sincera?) de apagar o fogo da crise financeira que deflagrou no final de 2008. Agora, se vierem aí mais sacrifícios no OE 2012 (como é altamente provável), qual é a moeda de troca para os empresários, sobretudo os pequenos e médios? Convém nunca esquecer que são eles que têm de pedir dinheiro emprestado à banca, correm o risco do investimento, pagam impostos altos e rendas caras, descontam para a segurança social (para si e para os seus trabalhadores) e depois, quando as coisas correm mal, são os próprios pequenos comerciantes e industriais que nem sequer têm direito ao subsídio de desemprego.

Portugal tem bons exemplos de sucesso nas empresas, em especial aquelas que se internacionalizaram e exportam para os mais diversos e exigentes mercados. Portugal, quando quer e está focado (e é bem gerido...), é capaz de produzir os melhores produtos e sabe diferenciar-se no design, na tecnologia, na inovação. Há um país que faz bem, que pode fazer melhor e que não pode, nem deve baixar os braços porque há famílias para alimentar, porque há antepassados para honrar e porque o futuro dos nossos filhos faz-se com muito trabalho e estudo, como ensinava Ernâni Lopes. Os portugueses (quando querem trabalhar a sério) fazem a diferença e o Estado tem de ser o facilitador e não a força de bloqueio.

3) Os ministros da suposta equipa reduzida que Passos Coelho está a negociar com Portas têm de ter um perfil de resiliência, independência financeira e integridade intelectual. Quem for para o governo sabe que vai enfrentar o grande mal nacional: a força do neo-corporativismo das classes profissionais, dos lobbies mais ou menos obscuros na política, justiça, educação, banca e construção.

Isso só se enfrenta com uma boa dose de coragem (que Sócrates tinha, nos primeiros anos de governo), com um sentido de dever cívico e de serviço público, o que, regra geral, se tem quando já há independência financeira e quando já se fez um percurso profissional. Quem for para o governo para alimentar novas clientelas num Estado com os cofres vazios será linchado politicamente na praça pública. Não é tempo para negociatas, favores e amiguismos.

A festa acabou, não há dinheiro, o país sobrevive de esmola internacional e funciona graças a um directório europeu, com supervisão do FMI. Esta é a realidade. Quem seguir o percurso suicida dos últimos anos acabará queimado. Convém lembrar que os últimos meses cheiraram demasiado a fim de regime – não apenas do governo de Sócrates, mas inclusive da Terceira República.

Nota curiosa e irónica: se António José Seguro for o próximo líder do PS, assistiremos ao confronto / aliança de dois ex-líderes de juventudes partidárias. O PS na oposição, seja qual for o secretário-geral, não tem qualquer margem de manobra política para apontar o dedo ao governo PSD/CDS porque os compromissos assumidos por Sócrates e Teixeira dos Santos com a Europa e o FMI serão sempre atirados à cara do novo líder socialista, num qualquer debate parlamentar ou fora da Assembleia da República. Paradoxalmente, mesmo com uma aliança com Portas, o verdadeiro seguro de vida de Passos Coelho é o PS, talvez liderado por Seguro, porque ninguém no PS quer queimar-se ainda mais perante o cenário económico e financeiro no final de 2011, em 2012 e ainda 2013. Felizmente para os portugueses, não há margem para errar.
   
* Director-executivo revista "Rumo"

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