sábado, 23 de julho de 2011

GALIZA NA CPLP OU A (PARA)DIPLOMACIA DA LÍNGUA





Este 25 de julho de 2011 ficará na nossa memória pelo júbilo provocado pela presença formal da Galiza na Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP). Reunido em Luanda, o Conselho de Ministros da CPLP aprovou nesta semana a concessão do estatuto de Observador Consultivo a uma instituição galega, a Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP), sendo ainda a primeira vez que tal estatuto se atribui a uma entidade não sediada num dos Estados-membros.

Certamente não se trata do maior estatuto que muitos desejamos ver outorgado à Galiza, mas é um passo de grande relevância para o reconhecimento internacional da Galiza e da sua língua. O art. 7º dos Estatutos da CPLP contempla de facto dois tipos de Observadores: os Observadores Associados, posição da que atualmente beneficiam estados como a Guiné Equatorial e à que eventualmente poderia optar a Galiza como “entidade territorial dotada de órgãos de administração autónomos”, e os Observadores Consultivos, reservado para as organizações da sociedade civil. É nesta categoria em que a Galiza terá finalmente representação, possibilitando, entre outros direitos, “assistir a reuniões de caráter técnico e o acesso às decisões tomadas nas Conferências de Chefes de Estado e de Governo, bem como pelo Conselho de Ministros”.

Conforme ao seu regulamento, a colaboração entre a CPLP e a AGLP compreende o domínio da promoção e difusão da Língua Portuguesa, concretizando-se na troca de informações (informes e relatórios), parcerias para o desenvolvimento de projetos, cofinanciamento de programas e coparticipação financeira, através do Fundo Especial da CPLP. A AGLP terá aberta a possibilidade de participar nas diversas Comissões de Temáticas, nomeadamente na “Comissão de Promoção e Difusão da Língua Portuguesa”, na “Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia” e na “Comissão de Assuntos Culturais”, podendo chegar mesmo a exercer a Coordenação de alguma delas.

O facto de a obtenção deste estatuto ter sido promovida desde a sociedade civil faz com que este êxito seja uma vitória coletiva da cidadania galega em geral e do movimento reintegracionista em particular, e não apenas da AGLP como entidade promotora. É ainda uma conquista para toda a Galiza, que inaugura a sua entrada “oficial” na Lusofonia ingressando com voz própria na sua organização internacional: a CPLP. Com a vontade decidida do Governo Galego, o caminho desde Observador Consultivo a Observador Associado pode ser muito breve, acedendo assim a Galiza à sua máxima representação internacional como Comunidade Autónoma e colocando-se à mesma altura do que estados como Senegal ou a Maurícia, e ainda à de outros estados candidatos a esta categoria como Andorra, Filipinas, Marrocos, Indonésia ou Venezuela.

O reconhecimento da CPLP também não é uma conquista isolada, pois está indubitavelmente inserida numa longa trajetória de ação paradiplomática galega, referindo-se a paradiplomacia às relações internacionais desenvolvidas por atores não estatais e que, especialmente durante as últimas décadas, tem conseguido que pequenos estados e minorias nacionais levem a sua voz e promovam os seus interesses no cenário internacional. O precedente imediato (e em grande parte ação catalisadora) da presença galega na CPLP como Observadores Consultivos é sem dúvida a atuação decidida da Comissão Galega do Acordo Ortográfico que, presidida pelo Professor Ernesto Guerra da Cal (de quem neste ano, por feliz coincidência, se celebra seu primeiro centenário de nascimento), participou nas reuniões de negociação celebradas no Rio de Janeiro em 1986 e em Lisboa em 1990. Fruto dessa participação o nome da Galiza apareceu pela primeira vez no primeiro parágrafo de um Tratado Internacional, o “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”, assinado, ratificado e publicado nos diários oficiais dos sete países signatários.

Não foi o Governo Galego nem os órgãos oficiais da Comunidade quem promoveram este reconhecimento histórico, mas a sociedade civil, que ainda voltou a reafirmar o caráter lusófono da Galiza na Conferência Internacional / Audição Parlamentar realizada na Assembleia da República portuguesa em 7 de abril de 2008, bem como na Conferência Internacional sobre o Futuro da Língua portuguesa no Sistema Mundial realizada em Brasília em março 2010, por convite da Comissão Parlamentar de Ética, Sociedade e Cultura no primeiro caso, e do Ministério de Relações Exteriores do Brasil no segundo.

O mesmo pode ser dito para o primeiro reconhecimento internacional da Galiza como nação, que teve lugar em Berna, na Suíça, com a incorporação de uma missão galega ao Congresso das Minorias Nacionais Europeias, realizado em setembro de 1933 sob os auspícios da Sociedade das Nações. A participação galega, impulsionada não por instituições públicas, mas diretamente pelo Partido Galeguista, supôs, nas palavras do delegado galego no Congresso Plácido Castro, “o reconhecimento por uma organização internacional, integrada por representantes de quarenta milhões de europeus, pertencentes a catorze nacionalidades, de que o nosso povo constitui uma nação (em El Pueblo Gallego, 10 de outubro de 1933). A missão galega deu leitura e entregou a todas as delegações assistentes um Informe preparado por Vicente Risco convidando ainda ao Secretário-Geral do Congresso e Presidente da Organização de Minorias Nacionais, Dr. Ewald Ammende, a visitar a Galiza. Durante esta visita, realizada ainda nesse ano, Ammende recomendou uma aproximação de Portugal considerando que a Galiza era uma “minoria nacional” de língua portuguesa na Espanha, sendo amplamente recolhidas estas declarações nos diários galegos e portugueses da altura.

Cumpre destacar ainda pelo seu significado e repercussão a decidida intervenção da Galiza na 8ª Conferência Geral da UNESCO, que teve lugar em 1954 na cidade de Montevidéu. Com o seu ingresso em 1953, o estado espanhol conseguia um dos seus primeiros reconhecimentos internacionais, levantando duras críticas entre os opositores no interior e no exílio, que denunciavam a aceitação de um regime etnocida no organismo especializado das Nações Unidas para a proteção do património cultural. Enquanto os informes críticos de bascos e catalães ficaram vetados das discussões do organismo dado o seu caráter político, a ação coordenada dos galeguistas no interior e no exílio, materializada na redação de uma detalhada “Denuncia da perseguizón do idioma galego pol-o Estado Hespañol”, humilhou à delegação franquista encabeçada por Ruiz Giménez, Laín Entralgo e Fraga Iribarne. Redigida não só na nossa língua, mas também em francês e inglês, a “Denúncia” foi entregue aos delegados, num número próximo dos cem participantes, que conheceram de primeira mão as evidências da política de repressão cultural e linguística do regime.

As iniciativas galeguistas de Berna e Montevidéu, a participação nas reuniões para a definição e ratificação do Acordo Ortográfico, os trabalhos da Plataforma para a Receção das Televisões e Rádios Portuguesas na Galiza (que levaram a questão ao Conselho da Europa provocando a sua inclusão nos Informes), ou a recente concessão do estatuto de Observador Consultivo na CPLP evidenciam como a (para)diplomacia da língua constitui uma estratégia efetiva para colocar a questão galega nos foros internacionais onde, por motivos evidentes, nem sempre há lugar para considerações puramente políticas ou históricas.

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