FLÁVIO AGUIAR* – CARTA MAIOR, Debate Aberto
Na falta de outra opção, a direita estaria em busca do esvaziamento de Dilma para forçar Lula a se candidatar, e então derrotá-lo, nesse plano meio maluco de fazer o calendário voltar a 2002. Nada surpreendente. Regredir sempre foi especialidade da direita.
Começo me desculpando com os leitores da Carta Maior, pela prolongada ausência. O que a provocou foi, de começo, uma curta viagem ao Brasil, por obrigações profissionais e prazeres familiares. Depois, a ausência prolongou-se pelo retorno a Berlim, a retomada de atividades, planos, etc., e num clima estival de férias generalizadas, porque aqui é alto verão (meio friozito e chuvoso nos últimos dias...).
Também levei algum tempo para “digerir” a viagem e seus ensinamentos. É claro que acompanho o Brasil assiduamente pela internet. Mas a presença física é outra coisa. A passagem, embora rápida, me demonstrou algumas coisas.
A primeira delas, bastante aguda, é a falta de um discurso alternativo ao do governo – seja pela esquerda, seja pela direita. Aparentemente por falta de opções tanto um quanto outro batem na mesma tecla, a da corrupção. E lamentam que a população não se mobilize nas ruas contra esse novo “mar de lama” que assola o país.
Não fico feliz com isso, como já deixei claro algumas vezes nesta coluna. Essa falta de discurso empobrece o debate, decididamente não estimula a esquerda que está no governo a aprofundar o pensamento. Estimula isso sim uma espécie de alienação que se pode detectar na própria direita, graças aos comentários irados, tendendo ao desaforo, que povoam blogs, sites e páginas na internet. Como os que acabo de ler agora com sandices tresloucadas sobre a morte de Salvador Allende, como se ele não passasse de um covarde stalinista asqueroso, não a vítima central entre as tantas provocadas por uma ditadura sanguinária – ela sim covarde – de Pinochet.
O Brasil em que essas pessoas vivem decididamente não é o mesmo em que eu vivi recentemente e que agora acompanho, ainda que de longe – para não falar do próprio mundo. Dou como exemplo o Chile, descrito por essas pessoas como um paraíso criado pela ditadura, enquanto milhares de estudantes saem às ruas para protestar contra o ensino privatizado e a desigualdade cresce, enquanto em outras países diminui, inclusive no nosso. Essa alienação foi notavelmente impulsionado a partir da campanha presidencial de José Serra, que, na verdade sem programa nem luz própria, limitou-se a reunir atrás de si o que de mais reacionário e conservador havia na política brasileira, de bispos católicos alucinados a uma extrema direita cavernosa, saudosa dos tempos dourados da tortura e dos apagões como metodologia política anti-esquerda. Uma pena. O Brasil merecia uma outra direita. Ou vai ver que não, porque essa direita não faz jus a um país com as potencialidades do Brasil.
Isso me leva a um outro capítulo – o segundo – que me despertou a atenção. Fiquei muito impressionado com duas entrevistas que li por esse tempo. A primeira foi de Fernando Henrique Cardoso, declarando, entre outras coisas, que fez muito bem em manter “uma certa neutralidade” durante a eleição passada. Penso que FHC não expressou nada de novo, apenas deu voz ao desconforto que o PSDB enfrentou em relação a seu próprio candidato. Aécio Neves, em Minas, apesar dos possíveis protestos em contrário, também manteve uma “relativa neutralidade”. Mas a declaração de FHC, agora, fora do período eleitoral de 2010, quando já se vislumbram alternativas para 2012 e 2014, chama a atenção, sinalizando que o desconforto só se ampliou. Coisa que a atitude fria da direção do seu partido em relação à última missiva de Serra só veio confirmar.
A outra entrevista, essa mais recente, foi de José Serra, dizendo que seu sonho – seu objetivo – é derrotar Lula em 2014. Essa me apanhou desprevenido. É claro que já sei que a nossa direita continua não engolindo Lula, assim como ficou 50 anos sem engolir Vargas – especialmente o segundo (ou terá sido o enésimo?) Vargas de 50/54. É claro também que a nossa direita não agüenta a popularidade mundial de Lula nem o novo papel de protagonista que o Brasil assumiu no cenário internacional desde seu primeiro mandato. É cristalino que a direita não conseguiu assimilar ainda o esboroamento de seu programa em nível nacional, continental e mundial. Aliás, isso não é nada original. Aqui na Europa o pensamento hegemônico não consegue imaginar nada além de seus credos ortodoxos para enfrentar uma crise que sua própria ortodoxia provocou. Ficam dançando em cima de pontas de facas tentando remediar uma sangria das economias nacionais em direção ao sistema bancário que não tem fim, seja de uma maneira catastrófica como nos países mais frágeis, seja de maneira ordenada em países mais fortes.
Agora, que um possível candidato levante essa bandeira em direção a 2014 significa que ele procura capitalizar atrás de si, como capital contra seus correligionários concorrentes, o revanchismo histórico como bandeira de luta. Ou seja, na falta de outra opção, a direita estaria em busca do esvaziamento de Dilma para forçar Lula a se candidatar, e então derrotá-lo, nesse plano meio maluco de fazer o calendário voltar a 2002.
Bom, mas regredir sempre foi especialidade da direita. Nada surpreendente, pois, nestas notícias do Brasil...
Também levei algum tempo para “digerir” a viagem e seus ensinamentos. É claro que acompanho o Brasil assiduamente pela internet. Mas a presença física é outra coisa. A passagem, embora rápida, me demonstrou algumas coisas.
A primeira delas, bastante aguda, é a falta de um discurso alternativo ao do governo – seja pela esquerda, seja pela direita. Aparentemente por falta de opções tanto um quanto outro batem na mesma tecla, a da corrupção. E lamentam que a população não se mobilize nas ruas contra esse novo “mar de lama” que assola o país.
Não fico feliz com isso, como já deixei claro algumas vezes nesta coluna. Essa falta de discurso empobrece o debate, decididamente não estimula a esquerda que está no governo a aprofundar o pensamento. Estimula isso sim uma espécie de alienação que se pode detectar na própria direita, graças aos comentários irados, tendendo ao desaforo, que povoam blogs, sites e páginas na internet. Como os que acabo de ler agora com sandices tresloucadas sobre a morte de Salvador Allende, como se ele não passasse de um covarde stalinista asqueroso, não a vítima central entre as tantas provocadas por uma ditadura sanguinária – ela sim covarde – de Pinochet.
O Brasil em que essas pessoas vivem decididamente não é o mesmo em que eu vivi recentemente e que agora acompanho, ainda que de longe – para não falar do próprio mundo. Dou como exemplo o Chile, descrito por essas pessoas como um paraíso criado pela ditadura, enquanto milhares de estudantes saem às ruas para protestar contra o ensino privatizado e a desigualdade cresce, enquanto em outras países diminui, inclusive no nosso. Essa alienação foi notavelmente impulsionado a partir da campanha presidencial de José Serra, que, na verdade sem programa nem luz própria, limitou-se a reunir atrás de si o que de mais reacionário e conservador havia na política brasileira, de bispos católicos alucinados a uma extrema direita cavernosa, saudosa dos tempos dourados da tortura e dos apagões como metodologia política anti-esquerda. Uma pena. O Brasil merecia uma outra direita. Ou vai ver que não, porque essa direita não faz jus a um país com as potencialidades do Brasil.
Isso me leva a um outro capítulo – o segundo – que me despertou a atenção. Fiquei muito impressionado com duas entrevistas que li por esse tempo. A primeira foi de Fernando Henrique Cardoso, declarando, entre outras coisas, que fez muito bem em manter “uma certa neutralidade” durante a eleição passada. Penso que FHC não expressou nada de novo, apenas deu voz ao desconforto que o PSDB enfrentou em relação a seu próprio candidato. Aécio Neves, em Minas, apesar dos possíveis protestos em contrário, também manteve uma “relativa neutralidade”. Mas a declaração de FHC, agora, fora do período eleitoral de 2010, quando já se vislumbram alternativas para 2012 e 2014, chama a atenção, sinalizando que o desconforto só se ampliou. Coisa que a atitude fria da direção do seu partido em relação à última missiva de Serra só veio confirmar.
A outra entrevista, essa mais recente, foi de José Serra, dizendo que seu sonho – seu objetivo – é derrotar Lula em 2014. Essa me apanhou desprevenido. É claro que já sei que a nossa direita continua não engolindo Lula, assim como ficou 50 anos sem engolir Vargas – especialmente o segundo (ou terá sido o enésimo?) Vargas de 50/54. É claro também que a nossa direita não agüenta a popularidade mundial de Lula nem o novo papel de protagonista que o Brasil assumiu no cenário internacional desde seu primeiro mandato. É cristalino que a direita não conseguiu assimilar ainda o esboroamento de seu programa em nível nacional, continental e mundial. Aliás, isso não é nada original. Aqui na Europa o pensamento hegemônico não consegue imaginar nada além de seus credos ortodoxos para enfrentar uma crise que sua própria ortodoxia provocou. Ficam dançando em cima de pontas de facas tentando remediar uma sangria das economias nacionais em direção ao sistema bancário que não tem fim, seja de uma maneira catastrófica como nos países mais frágeis, seja de maneira ordenada em países mais fortes.
Agora, que um possível candidato levante essa bandeira em direção a 2014 significa que ele procura capitalizar atrás de si, como capital contra seus correligionários concorrentes, o revanchismo histórico como bandeira de luta. Ou seja, na falta de outra opção, a direita estaria em busca do esvaziamento de Dilma para forçar Lula a se candidatar, e então derrotá-lo, nesse plano meio maluco de fazer o calendário voltar a 2002.
Bom, mas regredir sempre foi especialidade da direita. Nada surpreendente, pois, nestas notícias do Brasil...
*Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
Sem comentários:
Enviar um comentário