ORLANDO CASTRO*, jornalista – ALTO HAMA
A primeira deslocação oficial do ministro dos Negócios Estrangeiros da República de Portugal, Paulo Portas, foi a Angola. Nada mais natural, sobretudo no âmbito da diplomacia económica que pretende incentivar a OPA (Oferta Pública de Aquisição) do MPLA sobre Portugal.
No contexto da Lusofonia, folgo em saber que Paulo Portas visita um país lusófono em que 70 por cento da população vive na miséria. Quererá isso dizer alguma coisa? Não. Com certeza que não. Portugal tem outras preocupações bem mais petrolíferas.
Espero, contudo, que Paulo Portas não se esqueça de felicitar o único Estado da CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, à qual Luanda preside, que têm há 32 anos o mesmo presidente e que nunca foi eleito. Isto para além de ser (des)governado pelo mesmo partido, o MPLA, desde 1975.
Que importa que Angola seja de facto, que não formalmente, uma ditadura? Sim, o que é que isso importa tanto para o governo português como para uma Presidência supostamente social-democrata ou para um ministro democrata-cristão?
A única coisa que conta nas ocidentais praias lusitanas é o petróleo, que é um bem muito – mas muito - superior aos direitos humanos, à democracia, à liberdade, à cidadania.
Reconheça-se, contudo, que a hipocrisia não é uma característica específica de Portugal, se bem que tenha nela alguns dos seus mais latos expoentes.
A hipocrisia internacional, com Portugal em destaque, é também (in)digna de registo, desde logo porque, por exemplo, a própria UNESCO projectou atribuir um prémio patrocinado pelo Presidente da Guiné-Equatorial, Teodoro Obiang Nguema, mais um dos grandes ditadores da actualidade.
Vê-se, por aqui, que a própria agência das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura chegou a equacionar dar cobertura a um dos mais infames ditadores mundiais, apesar de só estar no poder há... 32 anos. Mas tem petróleo, acrescente-se.
E como Angola tem petróleo (grande parte roubado na sua colónia de Cabinda), ninguém se atreve a perguntar a Paulo Portas se acha que Angola respeita os direitos humanos, ou se é possível que a presidência da CPLP seja ocupada por um país cujo presidente está no poder há 32 anos, sem ter sido eleito.
Reconheça-se, contudo, que tomando como exemplo Angola, a Guiné-Equatorial preenche todas as regras para ser um país amigo íntimo de Portugal, tal como foi a Tunísia, o Egipto ou a Líbia.
Paulo Portas, como não poderia deixar de ser, não vê o que se passa mas amplia o que gostava que se passasse. Vai daí não se cansa (embora sem a mesma efusividade de José Sócrates) de enaltecer os méritos do regime angolano.
É claro que em Angola, tal como nos restantes países da Lusofonia, existem muitos seres humanos que continuam a ser gerados com fome, nascem com fome e morrem, pouco depois, com fome. Mas, é claro, morrem em... português... o que significa um êxito também para Portugal.
Paulo Portas, tal como Cavaco Silva e José Sócrates, tem razão. O importante é mesmo os famintos e miseráveis da Lusofonia saberem dizer, em bom português, “não conseguimos viver sem comer”. Continuarão, como até aqui, sem comida, sem medicamentos, sem aulas, sem casas, mas as organizações internacionais vão perceber o que eles dizem.
Tal como perceberam que Portugal transferiu a presidência da CPLP, com todo o brilhantismo e à volta de uma mesa farta, para um país que, por exemplo, mantém forte presença militar e policial na sua colónia de Cabinda, que não respeita os direitos humanos e que é dos mais corruptos do mundo.
Mas o que é que isso importa? O importante é que Angola fala português, com ou sem acordo ortográfico, tem petróleo que nunca mais acaba (embora a partir de uma colónia) e, mais importante do que tudo, está em vias de resolver os problemas económicos de Portugal.
Problemas que acabarão quando a Oferta Pública de Aquisição, parcial ou total, lançada pelo regime do MPLA sobre Portugal se concretizar.
Mas, se a Tunísia, tal como a Argélia, o Egipto, a Líbia, a Venezuela ou a China, podem ser os grandes parceiros do reino lusitano, porque carga de chuva não se poderá dar o mesmo estatuto a Angola?
Recordam-se que, no dia 6 de Maio de 2008, o músico e activista Bob Geldof afirmou, em Lisboa, que Angola é um país "gerido por criminosos"? Ele disse, mas nem Cavaco, nem Sócrates, nem Passos Coelho, nem Paulo Portas ouviram.
E não ouviram porque as verdades são duras e o capataz do reino angolano, Eduardo dos Santos, não iria gostar que eles dissessem que ouviram.
*Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado
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