GILBERTO DE SOUZA* - do Rio de Janeiro – CORREIO DO BRASIL
Ministro da Defesa, o ex-chanceler Celso Amorim assume a condução das Forças Armadas com o desafio de reaparelhar os quartéis e ampliar o volume de recursos destinados à manutenção dos setores mais sensíveis à segurança nacional. De volta às sombras, as lideranças de ultradireita que integram grupos como O Guararapes, com mais de 200 mil simpatizantes inscritos na página que mantém na internet, o Inconfidência, o Independente 31 de Março e o Ternuma, todos constituídos, em sua maioria, por oficiais e civis que participaram de alguma forma da quebra institucional do regime democrático em 1964, apenas assistem ao avanço do governo popular da presidenta Dilma Rousseff e, no máximo, acorrem aos artigos online para as críticas às ações governamentais.
Em texto publicado na sessão Artigos Militares do grupo Guararapes, na web, o general de Divisão reformado Francisco Batista Torres de Melo classifica Brasília como a “ilha da Fantasia”. Ele cita as “casas suntuosas, os desfiles de mulheres bonitas, as festas disputadas pelos que procuram o brilho do dinheiro fácil”. Segundo o ex-militar, “risos vulgares, amizades conquistadas pela hipocrisia do fausto” fazem parte do “mundo deslumbrante dos palácios, onde os decotes mostram os seios que não amamentam os filhos da Pátria (Legiões) e sim, o brilho dos olhos decrépitos carcomidos pela ganância do poder”.
“As crises Palocci, Ministério dos Transportes, Campinas e outras e outras são apenas a continuação da degenerescência da sociedade brasileira. Vão ao Senado e falam mentiras, lorotas, gabolice, tentando enganar, fraudar, falsear a verdade e há senadores que batem palmas falsas. A última crise ou a próxima confirmam o que disse (o imperador romano) Augustus: “Quem se desculpa se acusa”. Até o ex-presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) correu à capital para se desculpar e colocar em forma os corruptos e defender o indefensável. A autoridade da presidente foi pisada e ela, também, obrigada, como Luís XVI, ficou com a corte e pode perder a cabeça amanhã”, sugere em seu artigo o general aposentado.
Na opinião, porém, de um oficial reformado e severo analista do meio militar, ouvido pelo Correio do Brasil na condição de anonimato, expressões como esta do general da reserva demonstram apenas que a manutenção da doutrina anticomunista responsável pela presença das Forças Armadas ao lado golpe de Estado, nos Anos de Chumbo, segue intacta, embora contida em um estado de hibernação pelas condições geopolíticas em que o país se encontra. Às vésperas da Copa do Mundo e sede das próximas Olimpíadas, a última coisa de que o Brasil precisaria, nesse momento, “seria de uma quartelada”, avalia o observador da caserna. Com diploma da Escola Superior de Guerra, o analista acrescenta que a falta de líderes na extrema-direita e as recentes fraturas nas hostes conservadoras, após a derrota do candidato deste setor nas últimas eleições presidenciais, apenas facilitam o percurso do ministro Amorim.
– Hoje em dia não há mais aqueles manifestos raivosos que antecederam a tomada do poder por parte dos militares brasileiros. No comando do Exército, por exemplo, há um oficial que não é combatente, ou seja, não integra as armas que conduzem a batalha, como a Infantaria e a Artilharia, por exemplo. Discreto e inexpressivo politicamente junto à tropa, o general de Exército Enzo Martins Peri, carioca, de 70 anos, é da Arma de Engenharia. É raro um oficial desta Arma seguir tão longe assim. Quadro técnico, Peri é reconhecido por sua capacidade de gestão e já pressionava o então ministro Nelson Jobim pelo reaparelhamento da estrutura militar brasileira. No primeiro encontro com o novo ministro, ele e os comandantes da Marinha e da Aeronáutica mantiveram o bordão por mais recursos para este segmento da defesa nacional – relata a fonte.
Antes mesmo de assumir o posto, Amorim teria obtido da presidenta Dilma a garantia de novos investimentos para as três Armas, o que o animou a substituir Jobim, que renunciou após uma série de críticas desencontradas sobre o atual governo. Quadro de esquerda, Amorim também já iniciou uma série de conversas para que o Congresso aprove o relatório da Comissão da Verdade, de forma a permitir que e a história do período militar seja passada a limpo no Brasil, como determina a Organização dos Estados Americanos (OEA). Acusado de torturador, em 1985, pela ex-deputada Bete Mendes (PT), o ex-coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ou “doutor Tibiriçá”, como era conhecido nos porões da ditadura, aguarda pacientemente por seu julgamento, sob o arcabouço dos líderes da ultradireita “que envelhecem nas rodas saudosas do Clube Militar”.
– Cada dia que passa é um a menos para os poucos militares que participaram da desventurada ditadura brasileira. A maioria da tropa, que não integrou o movimento de 64, hoje se permite servir ao país da melhor maneira possível. Sem dinheiro sequer para o ‘rancho’ nos quartéis, o oficialato comparece ao serviço pela manhã, cumpre uma rotina básica, pratica seu esporte preferido e segue para a vida, seja estudando para algum concurso ou trabalhando como consultor na área de Segurança, entre outras atividades. Mas longe da questão ideológica que moveu um contingente inteiro, 50 anos atrás, contra os direitos democráticos da nação – acrescentou o analista.
Ainda segundo o militar ouvido pelo CdB, “não passam de bazófia” os editoriais na imprensa conservadora sobre possíveis dificuldades à frente, na gestão de Amorim.
– A condução econômica do país, seja pela presidenta Dilma, seja por seu antecessor, não deixa dúvidas quanto à necessidade de se manter o poder nas mãos dos civis e, para gerir as Forças Armadas, Amorim não precisará vestir o uniforme verde-oliva, sem nunca ter sido um militar, para ser aceito como líder da tropa, a exemplo do que fez aquele a quem sucede, que sequer continência sabia bater corretamente – concluiu.
*Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do Correio do Brasil.
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