domingo, 28 de agosto de 2011

RICOS ENCENAM, POVO PAGA




CARVALHO DA SILVA – JORNAL DE NOTÍCIAS, opinião

Cresce no seio do povo o sentimento de que a sociedade está mais injusta e que é acelerado o empobrecimento. Os ricos e poderosos já perceberam que esta situação pode tornar-se perigosa e procuram travar o seu desenvolvimento. A este propósito transcrevo o que afirma o relatório à conferência anual (Junho) da Organização Internacional do Trabalho (OIT): "O sentimento de injustiça, que não se iniciou com a crise, mas que a crise ampliou em grande medida, agudiza-se. Os que, com toda a razão, se sentem menos responsáveis por ela estão pagando um preço muito alto. Os que, com toda a razão, são considerados responsáveis por a terem provocado não parecem estar muito afectados, nem dispostos a reverem o seu comportamento, com o objectivo de evitar que ela se repita".

É oportuno relembrar que, desde há muito, a OIT releva como causas do prolongamento da crise três factores: os accionistas dos grandes grupos financeiros e económicos estão a, em nome da crise, apoderar-se dos lucros das empresas limitando o investimento (privado e público); a retribuição do trabalho está a diminuir (em termos absolutos ou relativos); a precariedade está a aumentar aceleradamente.

Nas últimas semanas, surgiram nos EUA e na Europa alguns ricos "preocupados" com a injustiça fiscal a disponibilizarem-se para pagar mais qualquer coisa e, em vários países, inclusive em Portugal, desencadeou-se uma discussão sobre o tema. Trata-se de uma atitude que importa analisar, aproveitando para desencadear discussões e propostas com conteúdo e eficácia.

Aqueles ricos - cujas fortunas são feitas em grande parte a partir de processos especulativos, de vantagens obtidas junto dos poderes que lhes permitem saques aos orçamentos do Estado e aos bens dos povos, de uma exploração desmedida de quem trabalha nos mais diversos cantos do Mundo - querem lavar a face e lançar umas "pinceladas de justiça" sobre o edifício da exploração capitalista que deve continuar como está.

No meio deste movimento pode haver alguma alma altruísta. Há sempre excepções. Contudo, no nosso país até vimos o contrário, pois apareceram logo ricos a reclamar a sua condição de trabalhadores, numa expressão do mais profundo egoísmo e conservadorismo.

Encontre-se forma de as grandes fortunas pagarem. Mas não pode ser mais um imposto sobre o rendimento (aí já temos), tem de ser sobre a riqueza e, em particular, sobre o património mobiliário. E não esqueçamos que o corte no 13.º mês significa mais de mil milhões de euros retirados a grande parte de quem trabalha.

Passemos, entretanto, à discussão das medidas de fundo que é preciso adoptar.

O país precisa, não de esmolas pontuais dos ricos, mas sim de: i) um sistema tributário justo e progressivo que seja efectivamente aplicado; ii) utilização de parte significativa da riqueza para novos investimentos com vista à criação de emprego e à produção de bens e serviços úteis ao desenvolvimento; iii) um conjunto de medidas que garanta melhor distribuição e redistribuição da riqueza; iv) valorização do trabalho, reconstruindo o seu lugar na economia.

A forma mais segura e eficaz de evitar o aprofundamento das desigualdades, as injustiças e a riqueza desmedida de alguns é garantir dignidade ao trabalho, remunerações justas e um Estado Social universal e solidário.

É preciso executar políticas que assegurem eliminação da fraude e evasão fiscais, taxação dos movimentos bolsistas, combate aos paraísos fiscais (em Portugal desde Janeiro de 2010 já fugiram para lá 3,5 mil milhões de euros sem pagar um cêntimo de impostos), englobamento da riqueza para que cada português pague impostos de acordo com o que possui, combate à economia paralela que movimenta por ano cerca de 30 mil milhões de euros, reformas no sistema de justiça que não permitam a legalização do roubo a que assistimos todos os dias.

Reforce-se a protecção social e os rendimentos dos mais necessitados, actualize-se o SMN, melhorem-se os salários e efective-se a contratação colectiva (importante instrumento de combate às desigualdades e de justa distribuição da riqueza), impeça-se a revisão da legislação laboral que visa embaratecer e desproteger o trabalho.

Por aqui é possível construir uma sociedade mais justa.

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