sábado, 29 de outubro de 2011

AINDA SE LEMBRAM DO CARLOS CARDOSO?




ORLANDO CASTRO*, jornalista – ALTO HAMA*

Escrevo antes, bem antes, do dia da sua morte (22 de Novembro) para dar tempo, se é que alguém se importa com isso, aos donos da verdade que imperam na imprensa lusófona para não dizerem que ninguém os lembrou…

Carlos Cardoso foi assassinado há 11 anos, em Moçambique, porque como Jornalista fazia uma séria investigação à corrupção que rodeava o programa de privatizações apoiado pelo Fundo Monetário Internacional.

Para Mia Couto, “não foi apenas Carlos Cardoso que morreu. Não mataram somente um Jornalista moçambicano. Foi assassinado um homem bom, que amava a sua família e o seu país e que lutava pelos outros, os mais simples. Mas mais do que uma pessoa: morreu um pedaço do país, uma parte de todos nós”.

Embora sejam uma espécie em vias de extinção, os Jornalistas continuam (em todo o mundo) a ser uma espinha na garganta dos ditadores, mesmo quando eleitos e escudados em regimes democráticos.

Porque morreu Carlos Cardoso? Morreu por entender que a verdade é o melhor predicado dos Homens de bem. Morreu, ainda segundo Mia Couto, porque “a sua aposta era mostrar que a transparência e a honestidade eram não apenas valores éticos mas a forma mais eficiente de governar”.

Morreu, “por ser puro e ter as mãos limpas”. Morreu “por ter recusado sempre as vantagens do Poder”. Morreu por ter sido, por continuar a ser, o que muito poucos conseguem: Jornalista.

“Liquidaram um defensor da fronteira que nos separa do crime, dos negócios sujos, dos que vendem a pátria e a consciência. Ele era um vigilante de uma coragem e inteligência raras”, afirmou Mia Couto num testemunho que deveria figurar em todos os manuais de Jornalismo, que deveria estar colocado em todas (apesar de poucas) Redacções onde se faz Jornalismo.

Nas outras, onde funcionam linhas de enchimento de conteúdos, não deve figurar. E não deve porque Carlos Cardoso não pode ser confundido com a escumalha que vegeta em muitas delas à espera de um prato de lentilhas.

É certo que no mundo lusófono não são muitos os casos de morte física. Mas há, igualmente, muitos assassinatos. O crime contra os Jornalistas é agora muito mais refinado. Não se dão tiros, marginaliza-se. Não se dão tiros, rescinde-se. Não se dão tiros, amordaça-se.

“O sentimento que nos fica é o de estarmos a ser cercados pelo selvajaria, pela ausência de escrúpulos dos que enriquecem à custa de tudo e de todos. Dos que acumulam fortunas à custa da droga, do roubo, do branqueamento de dinheiro e do tráfico de armas. E o fazem, tantas vezes, sob o olhar passivo de quem devia garantir a ordem e punir a barbárie”, disse Mia Couto na cerimónia fúnebre em Honra de Carlos Cardoso.

É isso mesmo. Continua a ser isso mesmo, seja em Moçambique ou na Guiné-Bissau, em Angola ou em Portugal.

* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.

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