FILOMENO MANAÇAS – JORNAL DE ANGOLA, opinião
1. A morte de Muammar Kadhafi após ter sido capturado ainda vivo e as circunstâncias em que o linchamento ocorreu vão manter-se como uma sombra perturbadora sobre a OTAN, o Conselho Nacional de Transição da Líbia e sobre a própria Nações Unidas, cujo Conselho de Segurança viu uma resolução sua ser transformada num mandato para fazer a guerra. Apesar de a pressão para o esclarecimento do caso recair sobre as novas autoridades líbias, que tentam responder como podem, pelo papel jogado no desfecho do conflito militar na Líbia a OTAN não é parte isenta.
As Nações Unidas juntaram-se à Amnistia Internacional no pedido de um inquérito independente sobre a morte do ex-líder líbio, mas a verdade é que, a somar-se à execução de Saddam Hussein, no Iraque invadido e onde não foram encontradas armas de destruição massiva, o mundo olha cada vez mais para a organização com muitas e sérias interrogações. Tarda a chegar a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas e, num mundo em profunda recessão económica, em que as dificuldades tendem a produzir conflitos de ordem política, a ONU devia ser uma plataforma de mudanças positivas, tendo como base a preservação da estabilidade.
O que se assiste é um jogo viciado em que os mais fracos são sacrificados, com a media internacional a ser arrastada, ora a exaltar os ânimos, ora a fazer esquecer rapidamente os acontecimentos e a atirar para debaixo do tapete as verdades que deviam ser ditas. Foi assim com Saddam Hussein e também com Muammar Kadhafi. Quando foi preciso fazer o coro da condenação da “ditadura”, quer um, quer outro foram pintados das mais diversas maneiras. Uma verdadeira campanha foi montada e durou vários meses até chegar ao fim a consumação do objectivo.
Este mês a Amnistia Internacional lançou um pedido às autoridades canadianas para prenderem e processarem o ex-Presidente George Bush por responsabilidades em crimes contra o direito internacional, entre eles a tortura. De certeza que o pedido da Amnistia Internacional tem a ver com a actuação de George Bush na sequência dos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001. Mas o apelo foi ignorado pelo Canadá e não teve praticamente eco na media internacional.
Em França, o ex-Presidente Jacques Chirac deveria ser julgado e condenado por desvio de fundos públicos e por ter criado empregos fictícios quando esteve à frente da Câmara de Paris, nos anos 90. O facto é que, devido à sua “condição de saúde”, o julgamento caiu em saco roto. Não vimos, com Jacques Chirac, o espectáculo triste e macabro que foi o transporte do ex-Presidente do Egipto, Hosni Moubarak, acamado e numa “gaiola prisão”, para responder em tribunal.
O que se pode concluir é que o Ocidente protege os seus dignitários, ainda que sejam inequívocas as evidências de corrupção, ainda que se tenham excedido largamente na defesa dos seus direitos. E um dos segredos da estabilidade política duradoura nesses países reside precisamente na salvaguarda que é feita à figura do ex-Chefe de Estado.
No Terceiro Mundo, com a devida ressalva, é gritante a irracionalidade com que alguns políticos se agarram aos clichés produzidos no Ocidente para as realidades locais, preferem de modo propositado não diferenciar os contextos, fazem coro com os chavões e não enxergam a responsabilidade que têm na defesa e reforço das instituições do seu próprio país.
2. O acordo para reduzir em 50 por cento a dívida da Grécia e o compromisso de recapitalização da banca envolvida nos esforços de resgate da dívida dos países em crise financeira levou um certo alívio à Europa. Os mercados reagiram positivamente, mas ainda é cedo para se tirar conclusões mais profundas. Mas uma que é inevitável, partilhada por várias figuras e já avançada, é a de que a Grécia não estava preparada para entrar na União Europeia.
A crise grega começou com uma fraude monumental nas estatísticas fornecidas pelo partido conservador (Nova Democracia), no poder de 2004 a 2009, para que o país fosse admitido na UE. O Governo de Kostas Karamanlis falseou as contas públicas e atribuiu ao país um défice de 15.7 por cento do PIB, quando na realidade o seu valor era quase o triplo. Mais grave é que a Grécia manteve o alto nível de despesas, havendo informações de que, no que concerne a previdência social, na estrutura dos gastos há rubricas que são um autêntico paradoxo. Ainda assim, o líder da Nova Democracia, Antonis Samaras, diz que não se sente obrigado a colaborar com Georges Papandreou para tirar o país da crise em que se encontra. Não admira que, depois disso tudo, Kostas Karamanlis ainda apareça a concorrer para um novo cargo político no futuro.
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