sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Chile: ESTUDANTES DEIXAM MESA DE NEGOCIAÇÃO E VOLTAM ÀS RUAS




Christian Palma - Correspondente da Carta Maior em Santiago do Chile

No dia do 23° aniversário da vitória do "não" no plebiscitou que derrotou a ditadura do general Augusto Pinochet, estudantes secundaristas e universitários deixam mesa de negociação afirmando que o governo não quer negociar nada, especialmente sobre o tema da gratuidade do ensino no país. No mesmo dia, oposição chilena reunida na Concertação apresenta documento propondo "nova maioria social e política" no Chile. Nesta quinta, cerca de 100 mil estudantes saíram às ruas defendendo mudanças no sistema educacional do país. A reportagem é de Christian Palma, direto de Santiago.

Era um dia histórico para o Chile. No entanto, a alegria não chegou para os estudantes que participaram na quarta-feira da segunda reunião da chamada mesa de diálogo pela educação entre o governo e os líderes do movimento. Paradoxalmente, o conceito de alegria era justamente o ponto central do slogan criado pela Concertação de Partidos pelo "Não" (atual Concertação opositora que conta com os partidos Socialista, Radical, PPD e Democracia Cristã), na campanha publicitária que pedia o voto contra a permanência de Augusto Pinochet no poder.

No dia 5 de outubro de 1988 a opção “não” venceu, o que impediu que o ditador seguisse no governo até 1997. Nesse marco, os estudantes secundaristas e universitários se retiraram da mesa de diálogo, após o governo de direita de Sebastian Piñera reafirmar que não é possível a educação gratuita no país.

A decisão foi anunciada depois que os “pinguins” (secundaristas) e os representantes da Confederação de Estudantes do Chile (Confech) e do Colégio de Professores se reunirem por mais de três horas com o ministro da Educação, Felipe Bulnes, e membros de seu gabinete. Na primeira reunião, realizada dia 29 de setembro, já houve tensão pois o Ministério exigia o término das ocupações nas escolas e a volta às aulas para seguir as negociações.

Na chegada dos dirigentes estudantis para a segunda reunião, eles manifestaram a falta de vontade do governo para buscar uma solução para o tema da educação, produto das declarações realizadas no domingo anterior por Sebastian Piñera sobre a impossibilidade de uma educação gratuita, e a assinatura do projeto que cria os delitos de saques e ocupações, entre outros, e endurece as sanções contra quem perturbe a ordem pública durante marchas e manifestações. Um ataque à principal arma de pressão dos estudantes.

Ao término da reunião, em meio às manifestações de estudantes em frente ao Ministério, o porta-voz dos estudantes, Alfredo Vielma, assinalou que “não vimos nenhuma disposição do governo para dialogar. Nós tratamos de apresentar as disjuntivas com a proposta do governo e o governo disse, bem, nós sempre tivemos vontade de conversar, mas não podemos retê-los aqui”.

Neste cenário, “nós, estudantes secundários, decidimos romper a mesa de diálogo porque consideramos que o governo se mostrou intransigente com sua postura”, acrescentou Vielma. Mais gtarde, Camila Vallejo, líder da Confech e da Universidade do Chile, somou-se à decisão dos “pinguins” dado o avanço nulo das conversações e “a pouca capacidade de diálogo do governo”. Com isso, as negociações voltaram outra vez ao ponto zero, enquanto era convocada para esta quinta uma nova marcha massiva em Santiago e nas principais cidades do país.

Mas a notícia não esteve só no Ministério da Educação. O 23° aniversário do plebiscito que determinou a saída de Pinochet de La Moneda coincidiu com a apresentação de novas propostas da oposição chilena. Os presidentes dos principais partidos da Concertação apresentaram o documento denominado “Nosso Compromisso”, com o qual buscam convencer a cidadania de que é necessário uma “nova maioria social e política”, segundo assinalou Osvaldo Andrade, coordenador do processo e atual presidente do Partido Socialista.

Há 23 anos, o “não” obteve 55,99% dos votos e o “sim”, 44,01%. O triunfo do conglomerado opositor à ditadura levou-o a prometer uma série de mudanças à cidadania. A apresentação deste novo “Compromisso” e, obviamente, a chegada da direita ao poder, dão conta de que não cumpriram de maneira cabal as promessas, afastando a alegria apregoada durante sua campanha.

Para muitos chilenos e chilenas, as promessas não cumpridas dos governos da Concertação e a postura nitidamente capitalista do atual governo, explicam a aparição, por exemplo, do movimento estudantil por uma educação gratuita e de qualidade.

Por sua parte, Sebastián Piñera, que, segundo a pesquisa Adimark do mês de setembro, obteve 30% de aprovação de sua gestão – três pontos acima do que obteve em agosto, mas dentro da margem de erro da amostra – referiu-se ao triunfo do “não” durante uma atividade realizada na capital chilena em comemoração ao resultado do plebiscito. “Estamos celebrando mais um aniversário do plebiscito de 5 de outubro de 1988, uma data que pertence a todas e todos os chilenos de boa vontade”, acrescentando que “foram muitos os que contribuíram nesse processo e, hoje em dia, quando celebramos esse aniversário, gostaria de saudar, reconhecer e agradecer a todos os que tiveram a grandeza e a visão de priorizar os interesses da pátria e de todos os chilenos, deixando de lado legítimas diferenças. Por isso, hoje em dia, com muito orgulho podemos dizer que no Chile os civis, os militares, governo e oposição, todos estamos comprometidos com esta democracia que juntos reconquistamos”.

Alheio a essas palavras, Andrade disse que o processo para dar novos ares à Concertação deve ser feito com “generosidade, à base do diálogo sem vetos e de uma agenda sem exclusões”. Isso, somado à vontade, permitirá recuperar a confiança “de milhares de chilenos e chilenas que veem com estupor como o governo da direita lança por terra os sonhos de maior participação e mudanças na sociedade”, acrescentou. Também propôs a realização de um Fórum Democrático, “para debater e definir a agenda da oposição e uma metodologia de trabalho conjunta”.

Deste modo, a alegria que viria graças ao triunfo do “não” há 23 anos ainda está muito distante.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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