sábado, 26 de novembro de 2011

AMILCAR CABRAL – UM VISIONÁRIO DO SÉCULO XXI



MARTINHO JÚNIOR, Luanda

1 – O investigador, escritor e jornalista Basil Davidson acompanhou a luta de libertação das colónias sujeitas ao fascismo e ao colonialismo português, não se coibindo de deslocar-se “in loco” e em ocasiões distintas às frentes de combate.

Ele esteve por três vezes na Guiné Bissau e não foi por acaso: para além dos sucessos, ele tinha como interlocutor um homem da envergadura de Amílcar Cabral, um dos mais esclarecidos combatentes à frente da luta, que era um estratega e visionário para além, muito para além da luta pela independência em África.

Ambos, Amílcar Cabral e Basil Davidson, foram artífices consequentes do Não Alinhamento e eram homens habituados a interrogar-se e a perscrutar o futuro, pelo que o seu argumento de então, não podia deixar de ter janelas abertas com ensinamentos profundos para as gerações que se lhes seguiriam.

2 – Uma das preocupações de Amílcar Cabral, uma vez que a guerrilha do PAIGC experimentava na sua própria carne a eficácia dos equipamentos militares usados pelo colonialismo português, foi denunciar o papel da NATO em socorro de um dos seus integrantes e fundadores, o Portugal do regime fascista e colonialista de Salazar!

Em alguns dos livros que Basil Davidson escreveu sobre a luta de libertação, livros esses que são compêndios que testemunham a energia da guerrilha da libertação de África, essas denúncias eram mesmo uma constante que são ensinamentos para além do tempo e das contingências da época.

Eles não podiam adivinhar os meandros do futuro, mas avaliavam já com Salazar as tendências da hegemonia e do império: sem ele o regime, preso ao jogo dos Açores desde a IIª Guerra Mundial, não poderia ter enveredado pela guerra.

3 – De facto, quer para Amílcar Cabral, quer para Basil Davidson, subsistiam os fundamentos Atlânticos que, principalmente pela via dos Açores, fizeram integrar Portugal na NATO até aos nossos dias: durante a IIª Guerra Mundial, a abertura dos Açores ao potencial aéreo dos Estados Unidos e dos aliados, tornou possível vencer a batalha contra os submarinos alemães que infestavam a norte as duas margens do oceano!

Se na década de 40 do século XX foi assim, hoje não há ponte aérea alguma que passe pelo Atlântico Norte em que os Estados Unidos, para disseminar guerras sobretudo no Médio Oriente, não conte com os Açores, pelo menos como um ponto de referência e Portugal, sobretudo nesta época em que a ditadura financeira se tornou instigadora e mentora dos poderes nas “civilizações ocidentais”, em prejuízo dos seus próprios povos, é-lhe completamente submisso e instrumentalizado, qualquer que seja a pílula com que tente dourar suas pretensões.

4 – Em “Angola no centro do furacão”, ao analisar o “Orçamento Nacional Português” há uma síntese que interessa referenciar.

“Diz Amílcar Cabral, no prefácio do livro A Libertação da Guiné, de Basil Davidson:

Desde 1961, Portugal tem utilizado, na força aérea em África, bombardeiros, caças, aviões de transporte e de reconhecimento, helicópteros, que lhe são vendidos, por vezes em termos de grande preferência, pelos seus aliados da NATO.

Alguns desses tipos são designados especificamente para a NATO, por exemplo: os Fiat G-91 NATO tipo R.4, caças a jacto.

A força aérea Portuguesa obteve 40 desses aviões que lhe foram fornecidos pela Alemanha Ocidental, em 1966, pela soma aproximada de 10 milhões de dólares.

O G-91 é um avião especialmente concebido para a NATO.

A princípio foram construídos para os Estados Unidos nas fábricas alemãs, com licença italiana.

Os Estados Unidos tencionavam fornecê-los à Turquia e à Grécia, que os utilizariam para os fins da NATO.

Mais tarde esses aviões foram transferidos para a força aérea alemã.

O avião é formado com uma armação italiana, um motor inglês, um trem de aterragem francês e um equipamento electrónico holandês.

Estes aviões são muito apropriados para operações anti guerrilhas em África porque podem levantar voo em pistas pouco extensas”…

5 – Durante a guerrilha do PAIGC, houve a presença internacionalista cubana, na sequência aliás da passagem do Che por África e do sentido comum que teve Cuba em relação ao movimento de libertação.

Isso é revelador da identidade da Revolução Cubana, que ao identificar-se com o Povo Cubano, na trilha das nações surgidas da rota dos escravos, se identificou também com a luta de libertação em África.

Por isso, as reflexões de Fidel em relação aos últimos acontecimentos na Líbia e acerca da NATO, têm para os africanos uma outra densidade e idoneidade, que importa sublinhar.

Sobre o potencial nuclear e os riscos do momento, Fidel põe a nu o “Cinismo Genocida” do exercício da hegemonia, em duas partes, das quais extraímos alguns excertos:

“Nenhuma pessoa em seu bom censo, especialmente aqueles que tiveram acesso aos conhecimentos elementares que são adquiridos em uma escola primária, concordaria com que nossa espécie, de modo particular os que são crianças, adolescentes ou jovens, sejam privados hoje, amanhã e para sempre do direito a viver. Jamais os seres humanos ao longo de sua história azarenta, como pessoas dotadas de inteligência, conheceram experiência semelhante.

Sinto-me no dever de transmitir àqueles que se tomam a moléstia de ler estas reflexões, o critério de que todos, sem excepção, estamos na obrigação de criar consciência sobre os riscos que a humanidade está correndo de forma inexorável, rumo a uma catástrofe definitiva e total como consequência das decisões irresponsáveis de políticos aos quais o azar, mais do que o talento ou o mérito, colocou em suas mãos o destino da humanidade”.

(…)
“Trás os crimes repugnantes que com frequência crescente vem cometendo a Organização do Tratado do Atlântico Norte, sob a égide dos Estados Unidos e dos países mais ricos da Europa, a atenção mundial se concentrou na reunião do G-20, onde se devia analisar a profunda crise económica que afecta hoje todas as nações. A opinião internacional, e particularmente a europeia, esperavam resposta à profunda crise económica que com suas profundas implicações sociais, e inclusive climáticas, ameaçam a todos os habitantes do planeta. Nessa reunião se decidia se o euro podia se manter como a moeda comum da maior parte da Europa, e inclusive se alguns países poderiam permanecer dentro da comunidade.

Não houve resposta nem solução alguma para os problemas mais sérios da economia mundial apesar dos esforços da China, da Rússia, Indonésia, África do Sul, o Brasil, Argentina e outros de economia emergente, desejosos de cooperar com o resto do mundo na busca de soluções aos graves problemas económicos que o afectam”.

(…)
“O quê é a ONU?, uma organização impulsionada pelos Estados Unidos da América antes de finalizar a Segunda Guerra Mundial. Essa nação, cujo território distava consideravelmente dos cenários de guerra, enriquecera enormemente; acumulou 80% do ouro do mundo e sob a direcção de Roosevelt, sincero antifascista, impulsionou o desenvolvimento da arma nuclear que Truman, sucessor seu, oligarca e medíocre, não hesitou em usar contra as cidades indefesas de Hiroshima e Nagasaki no ano 1945”.

(…)
“O número de países que possuem armas nucleares neste momento se eleva a oito, cinco deles são membros do Conselho de Segurança: os Estados Unidos da América, a Rússia, o Reino Unido, a França, e a China. A Índia e o Paquistão adquiriram o carácter de países possuidores de armas nucleares em 1974 e 1998 respectivamente. Os sete mencionados reconhecem esse carácter.

O Israel, no entanto, nunca tem reconhecido seu carácter de país nuclear. Contudo, calcula-se que possui entre 200 e 500 armas desse tipo, sem se dar por aludido quando o mundo fica inquieto pelos gravíssimos problemas que traria o estalido de uma guerra na região onde é produzida grande parte da energia que movimenta a indústria e a agricultura do planeta”.

(…)
“Hoje 13 de novembro a embaixadora norte-americana na ONU, Susan Rice disse à cadeia BBC que a possibilidade de uma intervenção militar no Irão não só não está fora da mesa, senão que é uma opção real que está crescendo por causa do comportamento iraniano.

Insistiu em que a administração norte-americana está chegando à conclusão de que será necessário acabar com o actual regime do Irão para evitar que este crie um arsenal nuclear. “Sou uma convencida de que a mudança de regime vai ser nossa única opção aqui”, reconheceu Rice”.

6 – O “arco de crise” que se expande em África a partir do Médio Oriente, no caso duma convulsão contra o Irão acarretará uma intensidade de riscos muito maiores para o Continente.

Um conflito de natureza nuclear no Médio Oriente poderá extravasar também para África, que se declarou um Continente livre de armas nucleares desde que a democracia sul africana desmantelou o arsenal que havia sido criado pelo regime do “apartheid”.

A presença da NATO e os “cavalos de Tróia” que ela tem disseminado através dos mais diversos intermediários e a coberto de relações bilaterais, (Portugal é um dos exemplos, mas outros muito mais fortes, como a França, possuem até bases e destacamentos implantados de há longas décadas), é nefasta e não há persuasão alguma que a possa justificar, muito menos hoje que os “mercados” sofrem a manipulação dos ricos e dos poderosos contra os seus próprios povos.

Os Estados Unidos, via AFRICOM, controlam praticamente a longa bacia do Nilo e aprestam-se a passar para outras bacias, como a do Congo, pelo que a ameaça da presença do complexo AFRICOM / NATO é por demais evidente.

As preocupações de Amílcar Cabral e de Basil Davidson, 50 anos depois, continuam válidas!

Gravura: Bases aéreas do colonialismo português na Guiné Bissau, durante a luta de libertação.

A consultar:
- O arco de crise em direcção a África – Martinho Júnior – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/05/o-arco-de-crise-em-direccao-africa.html
- US-NATO-Israel war planes against Iran: Selected articles – Michel Chossudovsky – http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=27471
 

Sem comentários:

Mais lidas da semana