JOSÉ GOULÃO – JORNAL DE ANGOLA, opinião
De repente deixou de se falar da Líbia. Houve uns afloramentos recentes, quando foi anunciada a captura do filho mais velho de Khaddafi, mas o facto é que depois do assassínio deste e de a coligação entre a OTAN e o Conselho Nacional de Transição ter decretado “a Líbia livre” parece que tudo se resolveu por encanto e a democracia brilha sobre o país.
O jornal britânico Guardian quebrou esta campânula de silêncio e antecipou a divulgação de um relatório que o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, vai tornar público.
Um relatório sobre os primeiros tempos da “Líbia livre”, que aliás a ONU contribuiu para “libertar” da maneira que se viu, e que revela situações bem distantes das alocuções idílicas pronunciadas pelos principais dirigentes mundiais a propósito da mudança de regime em Tripoli.
Diz o documento que na Líbia há cerca de sete mil pessoas presas ilegalmente, sem culpa formada, sem assistência jurídica, sem processos abertos.
Será então que o novo regime não libertou os presos políticos?
Sim, já libertou, foi uma das suas primeiras medidas.
Estes são os detidos do novo regime. São homens, mulheres, crianças, não faltam casos comprovados de sevícias e tortura, de jovens tratados como adultos, de mulheres colocadas sob a custódia de homens, de enjaulados em prisões privadas sujeitos a toda a sorte de arbitrariedades e em condições degradantes.
Muitos são estrangeiros, oriundos de países da África Subsaariana, privados da liberdade devido à cor da pele porque, dizem os carcereiros, Khaddafi recrutava mercenários destas origens e, por isso, todos os imigrantes se tornaram suspeitos de colaboracionismo com o regime deposto.
A ONU assume que o Conselho Nacional de Transição não controla o caos. O novo governo promete que vai tentar transferir os detidos em prisões privados para cadeias sob administração do Estado, mas não libertá-los ou aplicar justiça. Para isso era preciso que houvesse aparelho judicial ou qualquer outro aparelho público em funcionamento.
Não há exército, não há polícia, o poder fora dos gabinetes governamentais é exercido por gangs religiosos, tribais, milícias privadas cujos membros se recusam a entregar as armas ou porque lhes custaram bom dinheiro ou, simplesmente, porque são fundamentais na luta pelo poder.
Em Tripoli, o comando militar está entregue a um radical islâmico oriundo da al-Qaida. Os bandos fundamentalistas islâmicos continuam a cobrar o que lhes consideram devido por terem servido de base ao exército “rebelde” a quem os aviões da OTAN abriram o caminho para Tripoli.
O Conselho Nacional de Transição contava com o apoio dos amigos da OTAN por mais algum tempo, mas os criadores também têm os seus problemas com crises e dívidas, por isso zarparam e deixaram as criaturas a gerir o caos e os atropelos aos direitos humanos neste original caminho para a democracia.
Veremos agora se o Conselho de Segurança toma conhecimento do relatório da própria ONU e actua de acordo com a gravidade do que nele se relata. Porque a OTAN, como sabemos, já concluiu que esta foi a sua operação “com maior êxito”. O que dizer então das outras?...
Sem comentários:
Enviar um comentário