Mónica Menezes – i online
O 12 de Novembro de 1991 mudou a história da ilha. Foram precisas centenas de mortes num só dia para o mundo perceber que havia um povo a lutar contra a ocupação
Sebastião Gomes não sabe, nunca saberá, mas foi ele que começou a mudar a história de Timor-Leste. Foi a morte dele, apenas um mês depois de ter completado 18 anos, que encheu os timorenses de coragem para gritarem “Basta”! A história tinha de mudar de rumo e, como em quase todos os filmes, ter um final feliz.
O “e viveram felizes para sempre” começou a chegar a 30 de Agosto de 1999, quando 80% da população timorense votou por um país livre, livre da ocupação indonésia. Mas só quase dois anos depois o país que desenhou uma cruz em frente da palavra liberdade conheceu a verdadeira independência. O final feliz acontece mesmo e tem data e nome: 20 de Maio de 2002, quando Xanana Gusmão tomou posse como primeiro presidente de Timor-Leste livre.
Mas os filmes têm sempre um princípio, um meio e um fim. E se o princípio de um Timor-Leste livre envolve o assassinato de Sebastião mesmo dentro da Igreja de Motael, e se o fim é tempo de festa e de reconstruir um país devastado por mais de duas décadas de ocupação indonésia, o meio envolve centenas de vidas perdidas. E chama-se massacre de Santa Cruz.
Às 9h38 do dia 12 de Novembro de 1991 os militares indonésios não acreditam na provocação que os timorenses lhes estão a preparar. Desde 1975 que a Indonésia tinha tomado Timor como a sua 27.a província e agora, mesmo debaixo da sua alçada, mais de 2 mil jovens gritam que querem que o seu país tenha uma história diferente. E a história, a história do 12 de Novembro de 1991, todos conhecem. Os militares indonésios enfureceram-se com a provocação dos timorenses e desataram aos tiros. Assustados e desarmados, os timorenses fugiram para dentro do cemitério onde foram esfaqueados e torturados. Nada seria conhecido se o jornalista inglês Max Stahl não estivesse a filmar tudo. O pânico, os corpos cobertos de sangue a fugir do inimigo, as mulheres assustadas a rezar o Pai Nosso em português. Quando as imagens chegaram a todo o mundo, quando interromperam jantares familiares e puseram o nome de um pequeno país na agenda internacional, os timorenses não deixaram de sofrer nem de chorar os filhos que perderam. Mas o primeiro passo para a independência estava dado.
Desde esse dia até hoje, 12 de Novembro de 2011, muitos pequenos passos foram dados. Faltam outros. Faltam as estradas que podem pôr Timor-Leste na agenda dos turistas. Mas não faltam as praias selvagens de areia branca e mar límpido. Faltam casas em condições mais humanas, faltam mais alimentos para todos. Não faltam sorrisos. Falta uma paz permanente, real, eterna, consistente. Em finais de Outubro, a GNR partiu para Timor-Leste com o seu último contingente. No fim do próximo ano, os capacetes azuis das Nações Unidas já anunciaram que vão abandonar o país.
Na 66.a Assembleia-Geral da ONU, Xanana Gusmão, primeiro-ministro de Timor-Leste, agradeceu o apoio à reconstrução do seu país. “Apraz-me informar que desde então temos vindo a progredir bastante enquanto Estado, substituindo a intolerância pelo diálogo construtivo e o direito de protestar pelo dever de protestar com responsabilidade”, disse em Setembro deste ano.
Em 2012, o mais jovem país asiático vai a votos para escolher o sucessor de Xanana Gusmão no cargo de primeiro-ministro e José Ramos Horta no cargo de presidente da República. Adivinha-se um ambiente tenso, uma paz frágil que poderá perder o rumo atrás de qualquer pequeno rastilho de violência. Terão os timorenses a força e o discernimento para substituir a intolerância pelo diálogo construtivo, como Xanana apregoou?
Porém, hoje não é dia de pensar nisso. As pessoas estão nas ruas, as velas estão acesas porque faz hoje 20 anos que a história de um país começou a ter um guião diferente. Sebastião Gomes não sabe, nunca saberá, mas Timor-Leste já respira liberdade. E a história, como em quase todos os filmes, teve um final feliz.
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