LUMENA RAPOSO – DIÁRIO DE NOTÍCIAS
Entrevista do DN a Natália Carrascalão
Natália Carrascalão, a embaixadora de Timor-Leste em Portugal, recordou ao DN o dia difícil que viveu há 20 anos quando as notícias do massacre de Santa Cruz lhe chegavam a Macau. Mas a diplomata não tem dúvidas: as vítimas daquele dia ajudaram o país a alcançar a liberdade.
Como soube do massacre de Santa Cruz?
A 12 de Novembro de 1991 era residente em Macau; e trabalhava no gabinete de assuntos legislativo do governo de Macau. Tinha a rádio ligada, soube através da rádio do massacre de Santa Cruz.
Qual foi a sua reacção? Que sentiu?
Já lá vão muitos anos mas lembro-me perfeitamente que foi um momento muito complicado; vieram-me lágrimas aos olhos imediatamente, senti um desespero enorme, e pensei, 'oh, meu Deus, o que estará a acontecer outra vez em Timor?'.
O que fez? Contactou com alguém ou ficou incapaz de reagir?
Começámos logo a fazer telefonemas para Timor e para o exterior, para pessoas que militavam a causa da independência de Timor-Leste. E começaram a chegar telefonemas. Lembro-me que não trabalhei mais nesse dia porque o meu chefe, o dr. Jorge Costa Oliveira, imediatamente me dispensou de trabalhar. Entretanto, os timorenses que estávamos em Macau reunimo-nos e falámos sobre quais as medidas a seguir, enquanto íamos sabendo as notícias. Eu ia sabendo através do meu irmão Manuel que estava particularmente preocupado porque tinha uma filha nesse grupo de jovens. Felizmente nada lhe aconteceu; ela conseguiu fugir. Mas já foi há 20 anos. Fica só nas nossas memórias. Já tudo está ultrapassado.
Sem Santa Cruz teria havido independência?
Santa Cruz ajudou a que atingíssemos a independência, Santa Cruz ajudou a levar Timor-Leste para a ribalta, Santa Cruz ajudou porque estavam jornalistas estrangeiros em Timor, o Max Stahl, pessoa que prezo imenso, com quem trabalhei na Presidência da República em Timor-Leste, que ajudou a pôr realmente Timor novamente na agenda da política internacional. Temos a noção exacta de que Santa Cruz ajudou, não é por acaso que consideramos o dia 12 de Novembro como o Dia dos Jovens timorenses.
A Indonésia nunca assumiu o real número de vítimas que fez nesse dia e ainda se desconhece o lugar onde muitas estão sepultadas. Neste momento, que pode fazer Timor-leste para levar a Indonésia a, pelo menos, indicar onde foram colocados os corpos de forma a que tenham um funeral digno?
É óbvio que continuamos à procura dos restos mortais dos timorenses e os familiares com certeza querem saber onde estão os restos mortais dos seus familiares para terem um funeral digno.
Em termos de governo, está a ser feita pressão sobre Jacarta para que dê uma resposta?
Não, não fazemos qualquer pressão sobre a Indonésia porque há um relacionamento bom entre os dois governos e há situações que, se calhar, não passam das quatro paredes das conversações entre os nossos governos.
Qual a situação sócio-económica em Timor?
Timor é um país soberano, que vai vencer. Valeu a pena ter-se lutado pela independência e até agora tem dado provas de que é capaz e merece a confiança de toda a comunidade internacional, em especial de Portugal que nos ajudou a ser independentes.
De que forma a descoberta do petróleo está a ajudar no desenvolvimento económico, sendo que há críticas pela existência ainda de bolsas de pobreza?
E qual é o país, salvo raras excepções, que não tem bolsas de pobreza? Como é que Timor que é independente há dez anos pode ter colmatado todas essas vicissitudes de um país que acaba de nascer. É óbvio que temos problemas mas há que lembrar que Timor só tem dez anos de existência, não se pode pedir a Timor que, em dez anos, seja um país absolutamente rico e tenha todas as situações resolvidas. A pouco e pouco, as autoridades timorenses, independentemente de quem esteja no governo, vão resolver os problemas de Timor, um país que nasceu do zero, onde tudo foi incendiado em 1999. Não se conseguem fazer milagres.
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