ORLANDO CASTRO*, jornalista – ALTO HAMA*
O presidente angolano, José Eduardo dos Santos, disse hoje, em Luanda, que estará "sempre disponível para cumprir qualquer missão", referindo-se a uma candidatura às eleições gerais de 2012. Por alguma razão está no poder há 32 anos sem nunca ter sido eleito.
José Eduardo dos Santos respondia a uma pergunta durante uma conferência de imprensa conjunta com Pedro Passos Coelho, no quadro de uma visita oficial que o primeiro-ministro português efectua a Angola.
"É um assunto que está a ser tratado internamente ao nível das instâncias partidárias e penso que até Janeiro a situação estará esclarecida. Como militante e velho militante do MPLA, estarei sempre disponível para cumprir qualquer missão", declarou.
Também a chanceler alemã, Angela Merkel, disse em tempos que as próximas eleições gerais em Angola serão um grande teste ao progresso democrático alcançado no país.
O que acontece quem nem Angela Dorothea Merkel, tal como – entre outros – Cavaco Silva e Passos Coelho, não percebem que a democracia em Angola só não morreu porque nunca existiu.
É que para existir democracia não basta haver partidos de oposição (Salazar também os admitiu a certa altura), não basta haver comunicação social independente (Salazar também a suportava), em particular se esta está tão condicionada pelo poder que não pode ser ouvida ou lida pelo Povo.
E se o exemplo de António Oliveira Salazar tem todo o cabimento, bastaria ver os exemplos portugueses mais recentes onde, apesar de existir partidos da oposição, onde existe comunicação social (in)dependente... a democracia está cada vez mais doente.
Aliás, um país que tem 20% da sua população com a miséria sentada à mesa de pratos vazios, que tem para já mais de 800 mil desempregados, que privilegia o primado da subserviência e não o da competência, que está a instituir o regime esclavagista, poderá ser tudo menos, creio, uma democracia. Refiro-me, neste caso, a Portugal.
Para haver democracia, dizem os mais elementares ensinamentos, é preciso que o poder não seja exercido por uma só pessoa (a isso chama-se ditadura), é preciso que o poder legislativo seja eleito, é preciso que o poder executivo seja eleito, ou que emane do poder legislativo eleito. E não é isso que se passa. Refiro-me, neste caso, a Angola.
Aliás, desde 1975 que o poder em Angola nunca deixou de ser exercido por uma só pessoa, nunca o poder legislativo foi eleito sem que os angolanos (70% vivem na miséria) “votassem” com a barriga, ou seja, por um saco de fuba, peixe podre, 50 angolares e porrada se refilares.
Em relação a Angola (mais coisa menos coisa poderia ser em Portugal) dir-se-á que para haver democracia é preciso que o poder judicial seja independente, é preciso que o Povo saiba quem elege ou quem não elege.
Pela “Constituição” do MPLA (dizer que é de Angola é o mesmo que dizer que é o povo quem manda na Sonangol), o Presidente da República é o “cabeça de lista” (ou seja o deputado colocado no primeiro lugar da lista), do partido mais votado, eleito pelo círculo nacional nas eleições para a Assembleia Nacional.
De facto, não é uma eleição indirecta, feita pelo parlamento (como acontece por exemplo na República da África do Sul), mas uma vigarice típica dos regimes a quem não basta ser totalitário.
Assim, o futuro presidente é o primeiro deputado da lista do partido mais votado, mesmo que esse partido tenha apenas 25% dos votos expressos. Por outras palavras, para ter a certeza de que não vai perder as eleições presidenciais, José Eduardo dos Santos pura e simplesmente acaba com elas.
Pela “Constituição do MPLA”, o Presidente de Angola nomeia o Vice-Presidente, todos os juízes do Tribunal Constitucional, todos os juízes do Supremo Tribunal, todos os juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da Republica, o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, os Chefes do Estado Maior dos diversos ramos destas.
Na verdade, tal como Bokassa, Idi Amin ou Mobutu, José Eduardo dos Santos já fazia tudo isso. Mas fazia-o de forma ilegal. Certamente a conselho dos grandes amigos portugueses (alguns, se calhar, são os mesmos que supostamente venderam limpa-neves para Angola), o presidente angolano resolveu a questão de forma definitiva. Tornou legal o que era ilegal.
Sobre os contrastes que existem em Angola, ou seja, a de país rico em recursos naturais como petróleo e diamante e os seus altos níveis de pobreza, questão colocada por uma jornalista alemã na altura da visita de Merkel a Luanda, o dono de Angola disse “só pode chegar a esta conclusão quem não conheceu Angola antes da independência e o percurso até agora”.
Nem mais. Só faltou dizer aos portugueses para continuarem como até aqui, quietos, calados e de cócoras para não obrigarem José Eduardo dos Santos a pô-los a peixe podre, fuba podre, cinquenta angolares e, é claro, sujeitos a porrada se refilarem…
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Título anterior do autor, compilado em Página Global: PORTUGAL PRECISA, ANGOLA TEM. PORTANTO…
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