Alguns políticos achavam que "não havia nada a fazer" por Timor antes do massacre de Santa Cruz, afirma Mário Soares
Numa altura em que alguns políticos portugueses achavam "que não havia nada a fazer" por Timor-Leste, deu-se o massacre de Santa Cruz e "começou tudo a interessar-se muito", analisa o ex-Presidente da República Mário Soares.
"Houve uma altura [em que] políticos portugueses -- não vou citar nomes, mas é fácil -- chegaram à conclusão que não havia nada a fazer (...), que nada ia acontecer, e eu nunca desisti", destaca Mário Soares, em entrevista à agência Lusa a propósito dos 20 anos do massacre de Santa Cruz.
"Todo o país [Portugal], independentemente dos partidos, se interessou" pelo que se passou no massacre e "as coisas mudaram", reflete o político socialista.O que se passou naquela terça-feira de 12 de novembro de 1991 no cemitério de Santa Cruz -- quando as tropas indonésias abriram fogo indiscriminadamente sobre uma marcha de milhares de pessoas que participavam numa homenagem fúnebre a um jovem timorense -- "foi importantíssimo para subir um patamar na luta dos timorenses", resume Mário Soares, na altura Presidente da República de Portugal. "Há um antes e um depois do massacre", analisa.
"Até ao massacre, pouca gente se interessava por Timor. Eu interessava-me muitíssimo, sempre me interessei", vinca Soares, recordando as "muitas vezes" que falou com os secretários-gerais da ONU Pérez de Cuéllar e Boutros-Ghali, que "diziam `sim, sim, mas há tantas coisas no mundo`".
Soares recorda um episódio concreto: "Lembro-me de estar nas Nações Unidas, [quando] era Presidente da República e Ali Alatas passar, era ministro dos Negócios Estrangeiros [indonésio], e tentar cumprimentar-me e eu virei-lhe completamente as costas, não aceitei apertar-lhe a mão."
Após o massacre, escreveu ao papa João Paulo II e foi a Roma falar de Timor. Soares tinha "um grande amigo no Vaticano, o cardeal Casaroli", com quem chegou a ter "uma pequena discussão" sobre Timor, porque ele dizia "mais vale não mexer nisso".
"Então a igreja desinteressa-se de Timor, onde se segue a religião cristã, que está bem enraizada na população?", questionava Soares. "É que entre Timor e a Austrália e a Indonésia... são outras potências", respondia-lhe o cardeal.
"Ninguém no mundo sentia o caso de Timor", reconhece. Só Portugal: "A diplomacia intensificou-se, mas não mais do que isso, porque nós sempre tivemos uma posição sobre Timor."
"Em todos os discursos que fiz durante os dez anos em que fui Presidente da República, discursos em toda a parte, em todos os países onde estive, (...) sempre terminava com uma referência à situação de Timor", recorda.
Orgulhoso do quadro que Xanana Gusmão, na altura líder da resistência timorense, pintou com o que via a partir da cela onde estava preso pelo regime indonésio, e que exibe no seu gabinete na Fundação Mário Soares, fala com o mesmo orgulho do agora primeiro-ministro de Timor-Leste.
Xanana e o atual Presidente timorense, Ramos-Horta, "não podiam estar mais" à altura das expectativas, diz Soares.
Recordando que Timor foi o primeiro a oferecer auxílio, "na medida das suas possibilidades", quando "Portugal começou com estes problemas financeiros", Soares não duvida que o país "está a ser bem administrado e bem dirigido".
"Claro está que é um país muito atrasado, [com] pouca cultura da população, mas tem feito um esforço imenso", reflete, acreditando que, apesar de Timor ser "um país potencialmente rico, porque tem petróleo", não corre "perigos" agora que "a Indonésia é uma democracia".
A Fundação Mário Soares tem feito "um esforço brutal" para digitalizar e organizar o "arquivo imenso" da resistência timorense, que integra mais de 80 mil documentos, destaca, referindo que o Arquivo & Museu da Resistência Timorense, em Díli, com o apoio da fundação a que preside deverá ser inaugurado em maio de 2012.
Mário Soares foi "várias vezes ameaçado de ir parar a Timor" durante o regime salazarista, mas nunca visitou o país. "Eu lá gostar [de lá ir], gostaria... mas de uma maneira um pouco teórica. Cada vez tenho menos vontade de sair de Portugal e de andar a viajar de um lado para o outro. (...) Agora estou numa outra fase da minha vida", diz.
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