domingo, 11 de dezembro de 2011

Debate nos EUA: Que indemnização se dá a milhares de pessoas esterilizadas pelo Estado?



Hugo Torres - Público

Os EUA mantiveram durante mais de quatro décadas uma política de redução da pobreza e melhoria da qualidade genética da população que passava pela esterilização de jovens problemáticos, pouco educados, de famílias numerosas ou “fracos de espírito”. Na Carolina do Norte, onde esta política foi particularmente agressiva, discute-se agora a quantia com que o estado deve indemnizar essas pessoas.

Os programas de eugenia, executados em 31 estados norte-americanos, afectaram sobretudo mulheres pobres e minorias étnicas. Estas não eram objectivamente visadas pelo programa, mas acabavam por ser alvos preferenciais por serem pobres e sem educação, muitas vezes com grandes famílias rurais. Na Carolina do Norte, 85% das pessoas esterilizadas eram raparigas ou mulheres; 40% pertenciam a minorias étnicas.

O Conselho de Eugenia da Carolina do Norte operou entre 1933 e 1977, ordenando nesse período a esterilização de cerca de 7600 pessoas, 3 mil das quais devem ainda estar vivas, escreve o The New York Times. Na década de 1970, quando as vítimas começaram a processar os respectivos estados, a acção do programa estacou até ser totalmente cancelada. Foram necessários 30 anos para ouvir um responsável político afirmar que “o estado deve alguma coisa às vítimas”. Mas o quê? Ou quanto?

A frase é da actual governadora da Carolina do Norte, Bev Perdue, e foi proferida ainda em campanha, em 2008. A democrata constituiu uma equipa de trabalho, que começou a debater o problema em Maio deste ano e deve ter pronto um relatório final até Fevereiro de 2012. Nesta semana, foram reveladas as prioridades do programa de compensações: preferencialmente, o estado deve oferecer dinheiro às vítimas, mas deve disponibilizar também apoio médico – psicológico e psiquiátrico.

Os restantes estados norte-americanos que praticaram o programa de eugenia – que chegou a ser apoiado pelo Presidente Woodrow Wilson – estão atentos a este processo. Pode fazer jurisprudência. Ao todo, estima-se que 60 mil pessoas tenham sido esterilizadas desde que, entre os anos 1920 e 1930, esteve activo.

Na Carolina do Norte, onde as assistentes sociais tinham poder suficiente para decidir sobre a esterilização de alguém – às vezes com base em testes de QI desajustados, que alguém sem escolaridade suficiente tinha grande probabilidade de falhar –, o pedido oficial de desculpas às vítimas foi apresentado em 2002, depois de o The Winston-Salem Journal ter publicado uma série de peças sobre o tema.

Bev Perdue já prometeu que o orçamento de 2012 incluirá uma parcela destinada a estas indemnizações. Apesar da crise e dos anunciados cortes orçamentais, o presidente da câmara dos representantes da Carolina do Norte, o republicano Thom Tillis, já deu conta do seu apoio a esta proposta. Mas quanto? A sugestão que mais se ouve, segundo o The New York Times, aponta para 20 mil dólares (15 mil euros) por vítima.

O valor não é pacífico. O diário norte-americano, que consultou os “arrepiantes” registos do programa, entrevistou algumas das vítimas e os números que elas pedem são superiores. Charles Holt, de 62 anos, esterilizado por a assistente social ter considerado que tinha uma “mentalidade muito básica”, acha suficiente receber 30 mil dólares. Uma mulher, também de 62 anos, que mantém o anonimato por vergonha, sobe a parada: quer entre 50 mil e 100 mil dólares. “Talvez me pudesse reformar.”

A exigência maior é a de Elaine Riddick, de 57 anos, esterilizada quando tinha 14 anos, depois de ter engravidado na sequência de uma violação. O consentimento foi dado pela avó analfabeta, que assinou de cruz a proposta da assistente social. No processo judicial que tentou levar até ao Supremo Tribunal de Justiça – que não a ouviu –, pedia um milhão de dólares. Para mulheres como Nial Ramirez, 65 anos, não há dinheiro que pague a sua esterilização forçada aos 18 anos.

Ainda que os responsáveis políticos e as vítimas cheguem a acordo, o plano de compensação não contempla todas as vítimas do programa. Isto porque, na Carolina do Norte, os médicos privados podiam proceder à esterilização sem que houvesse uma ordem estatal. E, além de o acesso a esses registos ser difícil, devido ao sigilo médico, o actual plano deixa de fora as vítimas destas esterilizações feitas por clínicos que, em juízo próprio, acreditavam estar a melhorar a espécie e a sociedade norte-americana.

*Notícia corrigida às 20h04: corrigida a palavra "peças" por "pessoas" no segundo parágrafo.

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