quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

É P’RAMANHÃ! BEM PODIAS FAZER HOJE…



Nuno Resende - Aventar

Corre viral a carta de uma cidadã indignada, filha de emigrantes, mãe, licenciada e mestre que diz viver uma vida precária. De seu nome Myriam Zaluar, a indignada investigadora de Braga aponta a Pedro Passos Coelho, culpando-o pelo incitamento à emigração, pela situação em que se encontra, pelo Passado, pelo Presente e pelo Futuro. A carta, embora extensíssima, não impressiona pela descrição contundente como impressionaria a de uma mãe desesperada com os filhos nos braços a pedir pão à porta de uma igreja. Mas é, de facto, um desabafo sentido como muito que se ouvem e leriam (se todos os estigantizados escrever pudessem) em tempo de crise. Há, contudo, gente que não tem facebook onde possa lançar as suas queixas, nem carro, nem casa própria. Nem filhos. Não obstante, li com atenção a mensagem da Dr.ª Myriam. De resto as notas públicas do seu facebook estão cheia de alusões à luta popular e à defesa das acampadas que, durante o verão, se reproduziram viralmente, muito embora a Dr.ª Myriam diga que, quanto à ideologia política, “está muito à frente” (o que talvez seja equivalente à antiga formula tabeliónica: quanto aos costumes nada).

A Dr.ª Myriam que relata com minúcia a sua vida, repleta, e o seu curriculum, preenchido, oferece-nos um quadro muito interessante da geração à rasca sobre a qual o mundo desabou de repente. Esta urgência, porém, não é só portuguesa, é da humanidade – o acomodar-se quando tudo parece bem e querer partir a louça quando as coisas mudam. Dando razão a Camões, se todo o mundo é composto de mudança, mudar não devia ser de hoje, devia ser todos os dias, todas as horas, todos os dias e segundos. Mas muitos, migrantes, emigrantes ou emigrados, como os pais da Dr.ª Myriam e ela própria, calaram-se e durante muito tempo aguentaram a placidez dos dias. Se não estavam satisfeitos, também não estavam mal de todo. Foram ficando. Votando ora PS, ora PSD, como se o voto fosse a tal arma. O voto não é arma nenhuma, apenas um simples preceito democrático, uma procuração. Sem voto (com abstenções elevadas) não tem a democracia efectiva continuado (mesmo apesar das acusações infundadas de défice)? Em vez de se educar, o português foi somando algum conhecimento, fez cursos para ter o diploma nunca se importando com o civismo, a civilidade ou a política. Aceitou a cunha e o clientelismo como algo normalíssimo, desde que comesse da mesma gamela; passou à frente nas filas de trânsito e de supermercado, elogiou políticos corruptos e trauliteiros (porque, segundo ele, eram carismáticos); aplaudiu o facilitismo e foi dizendo que liberdade era poder dizer o que pensava, sem o justificar ou cumprir. E quando a política, sobre a qual não queria saber, lhe roeu a corda que segurava a gamela, começou a gritar contra a democracia.

Pois bem, não adianta culpar a democracia quando esta entra crise. Uma democracia não é uma ditadura, não se luta para a derrubar como parecem querer alguns. Em democracia intervém-se, SEMPRE, e não só no verão, em “acampadas”, nem em tempo de crise. Mas para evoluir de uma partidocracia como a que vivemos para uma verdadeira democracia é preciso educação e cultura. É preciso assumir e planear cada acto da nossa vida em relação aos outros. É preciso falar, expor, criticar com responsabilidade. É preciso ter uma noção do colectivo, não só individual e pensar a médio e longo prazo. E, sobretudo, é preciso ter uma consciência global do mundo em que vivemos, participando na sua construção todos os dias. A Dr.ª Myriam, que até é doutoranda em comunicação social, devia saber a importância disto.

E sabe-o com certeza…

Nota Página Global

Sobre e imagem exibida: Retirada de Alto Hama com origem em salvoconduto.blogs.sapo.pt. No Alto Hama a postagem tem o título Só é pena não ser verdade... De certo modo discordamos. Aqui, por nós, devia ser intitulado: Vai-te embora oh melga! Porque temos a recôndita esperança de que um dia seja verdade e emigre, junto com o Bando de Mentirosos que o acompanha, Cavaco incluído.

Sem comentários:

Mais lidas da semana