DANIEL OLIVEIRA – EXPRESSO, opinião, em Blogues
E mais uma vez, o escândalo. E mais uma vez, torceram-se um pouco umas declarações para a indignação ganhar mais propriedade. De uma forma um pouco atabalhoada e usando termos que assustam os mais nervosos, Pedro Nuno Santos teve o descaramento de dizer que os governos de um País devedor devem preocupar-se com quem deve e não com os credores. Ou seja, a sua preocupação com os credores deve depender exclusivamente dos nossos interesses. A declaração pode ter sido pouco preparada, mas é uma lufada de ar fresco que, no meio de tantos advogados de defesa de quem nos empresta dinheiro a juros exorbitantes, haja alguém, no PS, a fazer um intervalo na autoflagelação nacional. Um pouco de amor próprio, bolas!
Os credores têm as armas negociais de quem é credor. Os devedores têm as armas negociais de quem é devedor. Dita esta lapalissada, isto significa que o credor usa a dívida que tem na mão para fazer exigências. Às vezes, como suspeito que esteja a fazer a senhora Merkel em relação à privatização da EDP, até para fazer chantagem e comprar um país a saldo. Aos devedores cabe, como sabe quem deve dinheiro e por alguma razão não o consegue pagar nas condições exigidas, usar a única arma negocial que tem: a de depender de si o pagamento dessa dívida. O que pode dizer então ao credor? Que, se as condições forem insuportáveis, não conseguirá pagar a dívida que tem. Ou seja, que é do interesse do credor que se mudem as condições. Isto partindo do princípio que pedir com muito jeitinho e fazer muitos salamaleques não resulta.
O que Pedro Nuno Santos defendeu foi, nem mais nem menos, a renegociação ou reestruturação da dívida. E como pode ela acontecer? Com a possibilidade de incumprimento. Sermos nós a explicar que essa possibilidade é real ou eles a descobrir (ou a assumirem o que já sabem há muito tempo) faz alguma diferença? Faz. A renegociação acontecerá a tempo ou apenas quando já estivermos tão esmifrados que não nos sirva para nada.
A ver se nos entendemos: a nossa dívida, nas condições atuais, é impagável. Não é matéria de confronto político. É matemática. Teríamos de crescer como nunca, no meio de uma recessão, e, ainda por cima, a cumprir limites de défice lunáticos. Não há como. E nem todo o discurso "mobilizador" pelo nosso empobrecimento resolve este dilema. Não vamos pagar toda a dívida que temos. Ponto final. Acham que só porque fomos muito submissos até o incumprimento ser inevitável os credores se vão comover e fazer "uma atençãozinha"?
Como se espera que um governo ponha os interesses dos portugueses à frente de tudo o resto, trata-se de, a bem de todos, incluindo dos credores, não continuarmos a mentir a nós próprios e aos outros. E dizermos: ou se mudam as condições, os prazos e até, provavelmente, os montantes, e nos deixam uma folga para recuperarmos a economia e cumprirmos assim as nossas obrigações para convosco e para com os nossos cidadãos, ou não vamos conseguir pagar.
Diz o coro do costume: se fizermos isso nunca mais conseguimos que nos emprestem dinheiro. É possível. Exatamente o mesmo que acontecerá se, por termos a nossa economia de rastos, por não termos receitas fiscais suficientes e por termos de receber mais "pacotes de ajuda" que nos endividam ainda mais e em cada vez piores condições, não pagarmos por impossibilidade prática. Com uma única diferença: o buraco será ainda maior do que se renegociarmos já.
O que faz uma empresa endividada? Vende as máquinas e despede os trabalhadores que lhe permitem produzir para pagar dívidas e promete que as continuará a pagar nas próximas décadas (sem se perceber como o fará)? Ou vai ter com o banco para renegociar o que deve de tal forma que salve a empresa e cumpra os seus deveres com quem lhe emprestou o dinheiro? Qual destas saídas é responsável? Aquela que, para dar ao devedor um ar muito sério, cria as condições para não o ser ou o que olha com realismo para a situação em que se está? O paralelo só não é válido por uma razão: uma empresa pode abrir falência e acabar com a sua existência. Um País não. Espera-se.
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