ENTREVISTA
Nuno G. Pereira – Hoje Macau
“Ganharam a lotaria. Não a do imenso dinheiro, mas a da oportunidade de dar significado à vossa opinião.” James Fishkin, autor da teoria da sondagem deliberativa, falou assim a cerca de 300 cidadãos de Macau, reunidos ontem na Escola Kao Yip para discutir a Lei de Imprensa. O Hoje Macau entrevistou-o, para saber se este é mesmo um momento-chave da democracia em Macau.
O que distingue a sondagem deliberativa?
A primeira fase começa com uma sondagem tradicional, através de questionário rigoroso por telefone. Mais tarde, convidamos as pessoas para uma sessão presencial, com debates e dúvidas dissipadas. Vemos quem veio e quem faltou, comparando dados para perceber até que ponto as pessoas presentes representam a sua sociedade. Na segunda fase, há a deliberação propriamente dita.
O que afasta as pessoas da intervenção política?
Não têm motivação para pensar com profundidade em políticas públicas. E porque teriam? São uma voz no meio de centenas de milhar e estão muito ocupadas a ganhar o seu sustento. E se é assim, então é racional ser ignorante. Está estudado, chama-se ignorância racional. Na sondagem deliberativa, com uma amostra científica que é um microcosmos fiel de cada sociedade, a voz delas conta. Torna-se natural que pensem sobre os assuntos.
Como por exemplo?
Uma vez uma senhora veio ter comigo e começou a agradecer-me porque o marido dela, quando soube que fora seleccionado para uma sondagem deliberativa, começara a ler jornais diariamente – tinha uma razão lógica para estar informado. Para pensar. É isso que vai acontecer em Macau nestas sessões.
É essa a chave?
A chave é o esclarecimento. A minha ideia foi pegar num microcosmos científico e fazê-lo debater, em boas condições, políticas públicas, para então comparar o antes e o depois do seu pensamento.
Como se obtém esse esclarecimento?
Trabalho e seriedade. Fazemos materiais de briefing completos, temos um grupo de apoio, garantindo equilíbrio e rigor sobre todas as alternativas. Sempre com transparência, está tudo na web pronto a consultar. Para este dossier, da Lei de Imprensa, temos todas as alternativas pensadas (incluindo não alterar nada), com prós e contras identificados. E, à medida que as pessoas ficam mais informadas, vão querendo saber mais, para intervir melhor.
É como ser escolhido para jurado num julgamento?
Exacto. O processo é similar, excepto que aqui não se procura uma resposta consensual de grupo, como precisa um veredicto. Obtemos as opiniões de respostas confidenciais e isso é muito positivo. O que corre mal nos júris vem da pressão social pela obrigação de um grupo concordar.
As sondagens deliberativas, portanto, reaproximam os cidadãos da política?
Absolutamente. Há milhares de sondagens a mostrar o que as pessoas “pensam” quando não estão a pensar. Que tal haver uma que mostre os resultados de um público que realmente pensa, depois de esclarecido?
É céptico em relação às sondagens tradicionais?
As sondagens tradicionais fazem o que têm a fazer: um instantâneo da opinião pública, com respostas de quem não pensou muito sobre um assunto.
Decisões sem equívocos
A sondagem deliberativa não dá demasiado poder ao cidadão, quando já há alguém escolhido – por ele ou não – para decidir teoricamente melhor?
As pessoas é que têm de viver com as consequências das decisões de políticas públicas. Se assim é, não devem ter oportunidade de decidir? Além disso, já são consultadas de muitas formas. Na internet, em reuniões, em audições públicas. E em regra, quem participa aí é quem que se sente melhor preparado para expressar opiniões.
Como pessoas ligadas a associações e lobbies?
Sim. Por isso repito: por que não perguntar às pessoas, esclarecendo-as primeiro? A sondagem deliberativa é um instrumento valioso para os Governos decidirem, percebendo sem equívocos o que as pessoas realmente pensam. E querem.
Num território como Macau, onde a maioria dos deputados não é eleita pelas pessoas, há riscos de uma sondagem como esta ficar só no papel?
Vamos ver. O nosso trabalho é fazer uma sondagem científica o melhor possível e depois apresentar os resultados, que nunca sabemos de antemão quais serão. O que o Governo faz com esses resultados já não depende de nós. Contudo, o Angus é um investigador que merece todo o meu respeito [Angus Cheong, representante de Macau no estudo].
Com casos de êxito da China aos EUA (ver caixa), defende que o sistema político tem pouca influência?
Sim. A aplicação dos resultados das sondagens deliberativas não depende do sistema político. Tem mais que ver com o contexto do assunto em discussão e dos seus objectivos.
Mas estas sondagens são um método puro de democracia?
Sem dúvida. Vejo-as como um processo assente em valores democráticos fundamentais. A democracia deliberativa é a mais alta forma de democracia, porque liga decisões de cidadãos que pensam, depois de bem informados, aos resultados das políticas.
Isso não sucede nas democracias ocidentais?
O que é a democracia? Venho de um país onde a campanha política se faz com base em ‘soundbytes’ enganadores, questões pessoais e vida sexual dos candidatos. Quando é que se discutem as políticas reais que afectam a vida das pessoas? É o que faço com as sondagens deliberativas, seja em que sistema político for. Foi por isso que o fizemos na China Continental, tal como no Brasil, na Argentina ou na Coreia do Sul. É por isso que estou aqui em Macau.
Este tipo de sondagens não atrasa o lado prático, a urgência em fazer acontecer?
A consulta das pessoas é um processo rápido, o que demora é a preparação da sondagem, para que toda a gente esteja o melhor informada possível. Mas o que se obtém depois é concretizar com mais rapidez, porque não há dúvidas sobre aquilo que as pessoas querem. Errar uma decisão é que atrasa muito a vida das pessoas.
Positivo para jornalistas
Os jornalistas temem que uma hipotética alteração à Lei de Imprensa lhes retire liberdade de acção. O que lhes diria?
Duvido muito que isso possa acontecer. Sempre que fizemos estas sondagens, as pessoas foram inteligentes a decidir. Várias associações jornalísticas importantes foram consultadas para preparar os briefings e os jornalistas também estarão representados.
A preocupação é desnecessária?
Estou confiante que o resultado desta sondagem vai ser muito construtivo, não só para a Imprensa como também para o futuro da democracia em Macau.
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