FERNANDA CÂNCIO – DIÁRIO DE NOTÍCIAS, opinião
Estamos já tão habituados a que nos baixem o rating que quando, como sucedeu esta semana, nos informam de que passámos de "democracia plena" para "democracia com falhas" num índice internacional - o da revista The Economist - ninguém parece muito preocupado, indignado ou sequer interessado (fosse há um ano, ai).
Caindo um posto, do 26.º para o 27.º, e trocando de lugar com Cabo Verde, Portugal fica em segundo na secção de democracias defeituosas, ainda assim acima da França (29.º), da Itália (31.º) e da Grécia (32.º). A Espanha tem dois lugares de vantagem (25.º), mas após tombo de sete. No topo está a Noruega e no fim do pelotão a inevitável Coreia do Norte. No relatório que sustenta o índice, frisa-se o contraste entre a luta das Primaveras Árabes pela democracia e as sombras que sobre ela impendem no seu berço, a Europa Ocidental, onde eleitos são substituídos por tecnocratas (Itália e Grécia) e o perigo do populismo e da xenofobia se adensa sob a égide da austeridade.
É aliás à crise económica e do euro e ao facto de o País ter perdido autonomia governativa que o relatório atribui o downgrading português. O índice é decerto discutível (como aliás todos os relacionados com percepções) mas vale a pena ler a parte em que se fala da noção de democracia e da forma de lhe aferir o grau. "A democracia pode ser vista como o conjunto de princípios e práticas que institucionalizam e em última análise protegem a liberdade", diz a Economist. E define as democracias com falhas como "países com eleições livres e justas e respeito pelas liberdades cívicas básicas, mas com fraquezas significativas noutros aspectos da democracia, incluindo problemas de governação, uma cultura política subdesenvolvida e baixos níveis de participação política". Bingo. Sucede é que esta descrição já se aplicava a Portugal desde o lançamento do índice, em 2006, e só agora nos passaram para os que precisam de melhoras.
Ora se esta democracia tem neste momento problemas muito graves de legitimidade governativa (quer ao nível de quem está a tomar decisões fundamentais - "poderes ou organizações estrangeiras", Economist dixit - quer do mandato, já que o programa que foi levado a sufrágio não coincide com o imposto), a ausência de reacção a essas ameaças demonstra que estruturalmente o País não preza a democracia e talvez nem perceba bem o que é e para que serve. Como o questionário da Economist lembra, a qualidade de uma democracia não depende apenas da dos governos. O apoio popular de que é alvo, a noção de que é a melhor forma de regime e de que beneficia a performance económica, não sendo contrária à manutenção da ordem, assim como a rejeição da ideia de que um executivo de "especialistas" e "tecnocratas" é preferível a um de políticos são aspectos fulcrais na saúde democrática. Não é uma coisa decidida "pelos de lá de cima"; é de nós que depende. E se tem defeitos são os nossos.
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