PEDRO BACELAR DE VASCONCELOS – JORNAL DE NOTÍCIAS, opinião
Quatro e meio por cento (4,5%) é o valor do défice esperado para a execução orçamental deste glorioso ano de 2011, em vez dos 5,9% (cinco vírgula nove) inicialmente previstos no memorando de entendimento com o FMI, o Banco Central e a Comissão Europeia.
A repetida afirmação de Pedro Passos Coelho de que pretendia "ir além" do "memorando de entendimento" ganhou portanto expressão concreta e quantificada. A doutrina neoconservadora, pretensamente liberal, minuciosa e sistematicamente exposta no projecto de "revisão constitucional" apresentado ao país logo após a vitória interna da nova liderança do PSD, renunciou aos propósitos espectaculares de mudança da Lei Fundamental, aritmeticamente comprometidos, de resto, pela parca vantagem que obteve nas eleições legislativas de Junho, e enveredou triunfante pelo atalho do cumprimento e da superação das metas concertadas com a troika.
É certo que os 4,5% resultam daquela mesma engenharia financeira ora denunciada ora perfilhada pela oposição e por governos sucessivos do PSD ou do PS, que continua a descobrir no "poço sem fundo" de um país alegadamente exaurido de recursos, substanciais e imprevistas receitas extraordinárias. Mas isso pouco interessa no confronto da magia destes números que vão agora certificar - promete-se - a credibilidade da novíssima governação perante o supremo juízo dos soberanos mercados financeiros. Por isso, nem vale a pena disfarçar este artifício que, aliás, logo foi avocado pelo Governo como argumento para demonstrar a absoluta necessidade das políticas de austeridade e, se não tivermos a "sorte" de que precisamos, o seu reforço já no próximo ano.
A manipulação dos conceitos contabilísticos de "despesa", "receita", "dívida", "imposto", "ordinário" ou "extraordinário", obscureceu por completo a identificação substantiva e funcional das respectivas operações. A supressão por acto unilateral do Estado (por Lei!) dos subsídios de férias e de Natal transformou uma "dívida" "ordinária" do Estado para com os seus funcionários numa diminuição da "despesa" que, conforme anteriormente se pronunciara o Tribunal Constitucional, só foi aceite como válida por se tratar justamente de uma medida "extraordinária". Mas sendo assim, é tão "extraordinário" este corte da "despesa" como terá sido aquele aumento da "receita". E sobra a dúvida quanto à falta que a anunciada fatia do fundo de pensões da Banca que vai agora pagar "dívidas" do Estado possa vir a fazer à sustentabilidade do próprio fundo e afectar no futuro os seus beneficiários... Em conclusão, passados cinco breves meses de governação, qual é, de facto, a situação actual do país? O que se pode, razoavelmente, esperar? Os novos governantes, apesar de tais sucessos, são os primeiros a prevenir contra qualquer expectativa de mudança de rumo da sua governação. Entretanto, embora se ignore o significado real deste sinuoso desempenho das contas públicas, entrou em marcha o plano das privatizações, diminuíram os salários reais, os subsídios de desemprego e de inserção mais as reformas e pensões, e já aumentaram as taxas moderadoras na saúde que, a acreditar naquilo que nos explicam, não afectarão os cinco milhões de utentes "isentos" que, pelos vistos, representam a cifra actual da pobreza no país, ou seja, metade da população.
O futuro deixou de estar nas nossas mãos. Não importa o que fazer, importa apenas que se cumpra o que ficou escrito e aprovado, não interessa onde. É aos mercados que incumbe determinar o nosso destino. Qualquer voluntarismo é fútil e improcedente. Claro que num país de maioritária tradição cultural católica romana se pode estranhar tanto fervor na doutrina protestante calvinista da "graça" e da "predestinação". Mas, enfim, todo o "engenho e arte" do Governo, a sua visão, os estudos em que fundamenta as suas políticas, os objectivos que pretende atingir e os métodos a seguir para os alcançar, cabe tudo na recente frase lapidar do senhor ministro das Finanças que sintetiza uma ideologia inteira: "precisamos de "sorte"!... Sem dúvida alguma.
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